Apoio:
Parceiro institucional:
Tania Cosentino: "A falta de equidade tira a capacidade de desenvolvimento econômico, perpetua as diferenças e desestimula as minorias a seguirem em frente" (PR/Divulgação)
Plataforma feminina
Publicado em 5 de março de 2024 às 16h13.
Última atualização em 5 de março de 2024 às 16h24.
Por Tania Cosentino
Eu tenho mais de 40 anos de carreira e hoje, se eu fosse escrever uma carta para a jovem Tânia, de 16 anos de idade, que decidiu fazer curso técnico em eletrotécnica e estava indecisa sobre qual caminho profissional escolher, eu diria para ela seguir o conselho da sua mãe:
“Acredite em você e siga em frente, não pense que algo vai cair do céu. Você vai precisar trabalhar duro, e se quiser ser uma profissional excelente, terá que estudar durante toda a sua vida e entregar resultados. Mantenha a confiança em você e nunca deixe que uma pedra em seu caminho se torne uma barreira instransponível.”
Pode parecer mentira, mas esse realmente foi o conselho que eu recebi da minha mãe, Nair, durante toda a minha infância e que considero um mantra na minha trajetória profissional.
Eu tive uma infância simples, cresci na Zona Norte de São Paulo, e, desde pequena, fui incentivada pelos meus pais a estudar. Eles falavam que educação era prioridade e um presente. Aliás o meu pai era mestre em levantar a autoestima dos filhos. Ele sempre dizia que eu, meu irmão e minha irmã éramos os mais maravilhosos, os mais inteligentes e poderíamos ser o que quiséssemos, e nós acreditamos nele.
Eu sempre estudei em escola pública e pelo falo de eu gostar muito de exatas, os meus professores do ensino fundamental me recomendaram o ensino técnico, pois diziam que daria uma bagagem diferente ajudando-me na inserção no mercado de trabalho. Fiz curso técnico no Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e no 3o ano consegui um estágio na Siemens. Fiz dois anos de estágio e entrei na faculdade de engenharia elétrica, trabalhando de dia e estudando à noite.
Após 16 anos na Siemens, decidi que era hora de provocar uma mudança na minha carreira, ampliar meus horizontes e aprender coisas novas. Foi quando aceitei o convite para trabalhar na Rockwell Automation, onde fiquei por quase 2 anos. O maior aprendizado foi relacionado a navegar em uma cultura organizacional muito diferente (da cultura alemã da Siemens para cultura Americana da Rockwell), que me trouxe muito crescimento profissional.
No início do ano 2000, recebi um convite de uma empresa global de origem francesa, na área de Gerenciamento de Energia e Automação, a Schneider Electric, para uma posição executiva. Considero esse um momento importante na minha evolução profissional, pois a empresa estava em plena transformação e crescimento, além de ter um olhar muito maduro sobre o tema diversidade de gênero, pouco abordado nessa época. Eles estavam prontos e dispostos a investir em mim, eu não poderia perder esta oportunidade.
Após três anos, assumi a diretoria comercial da empresa. Na verdade, não foi um convite natural, a vaga estava aberta no mercado e eu precisei formalizar que queria aquela vaga e que me sentia pronta para o desafio. Esse foi um momento importante de aprendizado, porque nós, mulheres, somos muito tímidas para falar das nossas ambições e da nossa vontade de crescer na carreira. Sem deixar claro quais são as nossas metas, fica muito difícil conseguirmos alcançar a posição que queremos.
Após quatro anos como diretora comercial, implementar mudanças profundas na área de vendas e acelerar o crescimento do negócio, identifiquei a oportunidade de suceder meu chefe, então o presidente da empresa no Brasil. Mais uma vez, esta oportunidade não era óbvia para mim, entretanto, eu tive o privilégio de estar em um processo de “coach executivo”, que me ajudou a identificar a oportunidade, mapear meus pontos de desenvolvimento para assumir a posição e me preparou para ter uma discussão estruturada de carreira com meu chefe.
Como resultado dessa conversa, recebi o apoio do meu antigo chefe e mentor e um convite para trabalhar na França, na sede da empresa, com o objetivo de desenvolver as habilidades necessárias para assumir a posição de presidente. Em janeiro de 2008, deixo o Brasil sozinha, pois meu marido, com quem estou casada há 29 anos, não podia me acompanhar em função dos seus compromissos profissionais.
Cheguei em Paris com um claro projeto de desenvolvimento, mas sem promessa de que a posição seria minha, a empresa tinha outros candidatos e eu precisava provar ser a melhor opção.
Apesar de eu adorar a França, preciso dizer que esse período não foi fácil. Do ponto de vista profissional foi um momento maravilhoso, o meu aprendizado foi acelerado exponencialmente nas habilidades que eu precisava adquirir para me tornar presidente da empresa, mas do ponto de vista pessoal foi bastante solitário. Saudades, que é uma palavra muito nossa, habitava meu coração.
Eu voltei ao Brasil depois de um ano, já como presidente da companhia. Fui a primeira mulher e a primeira brasileira na Schneider Electric a assumir essa posição. Foi aí que eu comecei a perceber que o meu papel como líder era maior do que gerir a empresa. Eu tinha uma responsabilidade social de ser referência para outras mulheres e decidi me comprometer a mostrar para elas que, assim como eu, elas também poderiam realizar os seus sonhos.
Comecei a me engajar em projetos de diversidade e inclusão e sustentabilidade, outro tema que sou apaixonada. Acredito que o líder tem um compromisso com a sociedade. Você precisa crescer o seu negócio fazendo o bem para comunidade e para os países nos quais tem operação. É fundamental ter uma boa governança para gerar lucro por meio do propósito, somente assim as organizações terão uma vida longeva.
Fiquei quatro anos como presidente da Schneider no Brasil, seis anos como presidente na América do Sul e, assim que assumi a vice-presidência global de qualidade e satisfação do cliente, a Microsoft me encontrou no LinkedIn. A empresa estava buscando uma presidente mulher que defendia temas alinhados aos valores da companhia. Eu me identifiquei com a cultura, a possibilidade de aprender e de aumentar meu impacto. E hoje, depois de cinco anos na empresa, tenho a certeza de que escolhi o caminho certo.
Mas é claro que, quando eu decidi trabalhar na Microsoft, após 19 anos de uma carreira bem-sucedida na Schneider, deu um certo frio na barriga. Eu me recordo claramente que em todas as grandes mudanças que eu fiz na minha carreira eu tive medo, mas sempre tive coragem.
Eu estava perto de completar 53 anos quando cheguei à Microsoft, e disposta a encarar mais uma vez culturas organizacionais distintas e vindo para um negócio totalmente diferente. Foi quando eu li o livro do Satya Nadella, CEO global da empresa, “Aperte o F5”. O livro fala sobre as suas reflexões quando assumiu essa posição e quais conceitos ele trouxe para o negócio.
Um dos conceitos que ele menciona é o Growth Mindset, conhecido como a mentalidade de crescimento, desenvolvido pela psicóloga e professora americana Carol Dweck. Ela observou diferenças na mentalidade dos seus alunos e identificou dois perfis: mentalidade fixa e mentalidade de crescimento.
As pessoas com mentalidade fixa acreditam que sua inteligência e habilidades são imutáveis. Já as pessoas com a mentalidade de crescimento acreditam que suas qualidades podem ser cultivadas e desenvolvidas. Elas veem desafios como oportunidades de aprendizado e crescimento. Os erros são vistos como parte do processo de desenvolvimento e não como fracasso definitivo.
Trabalhar aqui na Microsoft é um privilégio, a empresa sacia minha vontade contínua de aprender, pois ela não para de se transformar e liderar os grandes movimentos de avanço da tecnologia. Outro ponto importante é o alinhamento entre os meus valores pessoais e os valores da empresa. Tenho pessoas incríveis ao meu redor e uma super rede de apoio.
Quando olho pra trás, parece que foi tudo muito simples, mas não foi. Tive que fazer muitas escolhas ao longo da minha carreira, e acredito que, como mulher, isso seja uma das nossas maiores dificuldades.
As mulheres se cobram demais e querem ser as melhores em tudo ao mesmo tempo (a melhor mãe, a melhor esposa, a melhor profissional, a melhor amiga, etc, etc, etc). Essa é uma carga enorme que carregamos e acho que consegui aliviar um pouco desse fardo, quando me conformei com o fato que precisei e vou continuar precisando fazer escolhas difíceis. O único ponto inegociável aqui é o alinhamento das escolhas aos meus valores.
Reforço esse tema porque quando pensamos em liderança, ela ainda é muito masculina. São os homens que contratam e promovem. As mulheres representam 51% da população brasileira, mas apenas 39% dos profissionais que atuam no setor de tecnologia são do gênero feminino. Se somos menos numerosas na base das empresas, isso também é refletido na liderança das companhias. Mas se ficarmos nos cobrando pela perfeição, será muito mais difícil sermos protagonistas da nossa trajetória.
Também defendo a importância de sermos intencionais com relação à diversidade e inclusão para ampliarmos o número de mulheres nas empresas e, principalmente, em posições de liderança, mas precisamos ir além da equidade de gênero. E isso inclui não somente criarmos um ambiente cada vez mais inclusivo para nós mulheres, mas também para negros, LGBTQIA+, pessoas com deficiência, neurodiversas, pessoas de culturas e experiências diferentes etc. A diversidade enriquece o ambiente de trabalho, nos torna mais inovadores, mas conectados com nossos clientes e traz melhores resultados para o negócio.
Segundo o Relatório Global de Desigualdade de Gênero, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial em 2022, para atingirmos a equidade de gênero globalmente serão necessários 132 anos. A falta de equidade tira a capacidade de desenvolvimento econômico, perpetua as diferenças e desestimula as minorias a seguirem em frente. Sei que essa realidade não vai mudar do dia para a noite, mas precisamos provocar a mudança. Então pergunto, por que não começamos agora?
Tania Cosentino é presidente da Microsoft Brasil
A EXAME Plural é uma plataforma que reforça a cobertura de diversidade, com olhar mais profundo para mulheres. Neste mês de março, que marca mundialmente a luta por direitos femininos, mais de vinte lideranças femininas no ambiente corporativo, no empreendedorismo e na filantropia aceitaram compartilhar em suas vozes, histórias, visões, questionamentos, respostas, desafios e oportunidades percebidas ao longo de suas próprias jornadas.