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Salário digno: a nova fronteira do "S" do ESG

Por que empresas como Dengo e Natura e organizações como o Pacto Global querem atrelar os salários a índices mínimos de qualidade de vida

Islândia: país está entre os melhores em qualidade de vida (Pall Stefansson/Getty Images/Getty Images)

Islândia: país está entre os melhores em qualidade de vida (Pall Stefansson/Getty Images/Getty Images)

Marina Filippe
Marina Filippe

Repórter de ESG

Publicado em 6 de julho de 2023 às 07h00.

Última atualização em 6 de julho de 2023 às 13h40.

Considerar os salários dos funcionários como uma ferramenta de acesso aos direitos e qualidade de vida, para além da remuneração pelos serviços prestados, é papel das empresas que realmente estão atentas aos princípios do ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança). Assim, empresas e organizações se unem em movimentos para a adoção do salário digno no Brasil.

Na última terça-feira, 04, a fábrica de chocolates Dengo, em São Paulo, foi sede de um evento sobre o tema. A companhia é responsável por pagar cerca de 90% a mais para os produtores de cacau do que a média do mercado, tem 38% dos produtores recendo uma renda digna. Agora, a expectativa é chegar a 75% de produtores com salário maior que o digno até 2025 e atingir 100% em 2030. "Queremos proporcionar a renda adequada par ao indivíduo e sua família. Não existe sociedade pujante se os negócios não estiverem ligados aos direitos humanos", diz Estevan Sartorelli, cofundador e co-CEO da Dengo Chocolates.

Um salário digno leva em consideração um cálculo de quanto uma população de determinada região precisa para obter conforto, fazer todas as refeições, garantir o acesso a um saneamento básico de qualidade, educação, saúde, além de meios de locomoção, entre outras necessidades, incluindo uma reserva para imprevistos. Um conceito diferente da relação com o salário-mínimo, que proporciona condições mais limitadas. A remuneração adequada também atua como o primeiro passo para equipes mais qualificadas e com maior engajamento.

Outro exemplo é da fabricante de cosméticos Natura &Co. "Entendemos que a renda é nosso impacto mais material quando comparado aos outros temas como carbono e água", diz Marina Leal, gerente de sustentabilidade e direitos humanos na Natura &Co. De acordo com a executiva, atualmente 54,6% das 4 milhões de consultoras ganham o que a companhia considera uma renda digna por hora.

"Criamos um indicador com métricas de produtividade, horas de trabalho dedicada, entre outras. Acompanhamos os resultados no comitê executivo e temos meta de melhoria de renda, pois um negócio não prospera em ambiente de desigualdade".

Para estimular mais a prática nas empresas, o Pacto Global da ONU no Brasil lançou, há cerca de um ano, o Movimento Salário Digno. A iniciativa é baseada em quatro pilares estratégicos: engajar a alta liderança; oferecer a construção de capacidades, por meio de lives, workshops, treinamentos e conteúdos sobre o tema; engajamento de stakeholders; e o monitoramento e o compartilhamento de boas práticas.

"Há um pensamento coletivo de que a qualidade de vida não é para todas as pessoas, e isto precisa mudar. Não podemos aceitar que poucas pessoas se beneficiem tanto do trabalho de outras", diz Tayná Leite, gerente de direitos humanos no Pacto Global da ONU.

De acordo com a executiva, a organização faz a coleta anual dos indicadores de empresas que aderem ao Movimento. Até o momento, a diferença entre o salário mais alto e o mais baixo é de 519%. "Considerar a disparidade também é fundamental para a transformação cultural que o setor privado pode ter".

Desafios estruturais para a renda digna

Quando se trata de mobilidade social, o Brasil é um países com os piores resultados, como lembra Aguinaldo Maciente, especialista em Políticas de Emprego e Mercado de Trabalho na Organização Internacional do Trabalho. "Estudos apontam que os pobres levam até nove gerações para alcançar novas classes sociais. Isto ocorre por práticas como grandes prêmios salariais para quem tem melhor educação, e desigualdades estruturais". 

O desafio é ainda maior quando se considera intersecções de gênero e raça, por exemplo. "O país funciona a partir de uma economia do cuidado que coloca as mulheres numa posição de subsídio para a sociedade funcionar, mesmo que não haja remuneração para trabalhos. Em 2020, por exemplo, descobrimos que metade das mulheres no Brasil tinha que cuidar de alguém na pandemia da covid-19, e isto sem deixar seus empregos e alta performance", afirma Nana Lima, co-fundadora da Think Eva. 

Nana lembra ainda que, grande parte das pessoas com menor remuneração são mulheres negras. "As funções de empregadas domésticas, por exemplo, são majoritariamente das mulheres negras, o que não nos permite falar de renda digna ignorando a equidade racial e de gênero".

Programa para as empresas

Além do Movimento do Pacto Global da ONU no Brasil, uma novidade é a iniciativa do Instituto Capitalismo Consciente, Sistema B e a Trê Investimentos para apoiar empresas de 10 a 200 funcionários para que possam melhorar seu desempenho e a remuneração de seus times. Com lançamento previsto para o segundo semestre de 2023, o novo programa vai contar com jornadas de conteúdo, ações de inspiração, capacitação e suporte a gestão, mentorias, exposição a novos mercados e recursos financeiros para que as empresas se tornem mais eficientes em gestão e resultados. As empresas interessadas em participar desta primeira etapa de escuta podem se inscrever até o dia 15 de julho.

As três organizações e também a Din4mo, que atua como investidor em startups de impacto, já haviam se unido no desenvolvimento do programa CoVida20, que durante a pandemia atuou para proteger emprego e renda de pessoas ligadas a negócios de impacto positivo socioambiental e cultural por meio de financiamentos para empresas.

O programa emergencial preservou mais de 700 empregos em 47 diferentes negócios, apoiados por mais de 400 investidores. E com a realização do CoVida20, ficou evidente a necessidade de continuar a trilha um caminho de atuação que promova a união de diferentes atores em prol de uma economia mais humana e consciente dos desafios socioambientais do futuro.

“Um salário digno é um direito humano e não significa o mesmo que um salário mínimo, apesar de terem objetivos semelhantes. Ele permite que a pessoa sustente um padrão de vida digno para si mesma e para sua família. Em cada país, este valor é diferente e deve considerar a realidade local. Olharmos para as empresas como atores capazes de fornecer condições dignas para seus trabalhadores é um ponto de virada da Economia do Século XX, dando ainda mais um protagonismo regenerativo para elas e possibilitando a diminuição do enorme abismo de desigualdade social que temos no Brasil”, comenta Rodrigo Gaspar, diretor de novos negócios do Sistema B.

Para Daniela Garcia, CEO do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, falar com as empresas que enfrentam desafios de crescimento, mas que mesmo assim desejam olhar para a agenda de sustentabilidade, é essencial para o engajamento nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. "As empresas que prosperam e são lucrativas precisam cuidar das suas pessoas e mais do que isso, elas precisam buscar pagar salários dignos e gerar cada vez mais impacto socioambiental positivo". 

Acompanhe tudo sobre:Pacto Global da ONU no BrasilDistribuição de rendaDesigualdade social

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