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Roman Krznaric, filósofo e escritor: "Economias conduzidas por uma visão de curto prazo estão levando a humanidade para o fundo do poço" (Sofia Schuck)
Repórter de ESG
Publicado em 26 de novembro de 2024 às 17h54.
Última atualização em 27 de novembro de 2024 às 15h04.
"A história das Conferências do Clima da ONU não são boas. Se eu assumisse, faria de uma forma bem diferente. Começaria com conversas sobre a vida", contou o filósofo Roman Krznaric à EXAME, durante uma conversa dias após o término da COP29 em Baku, no Azerbaijão, e em sua passagem breve pelo Brasil para espalhar suas ideias. Nesta quarta-feira (27), ele participa do hsm+, evento de gestão e inovação da América Latina.
Sentado em uma sala repleta de mensagens que trazem esperança e inspiram grandes transformações, ele nos recebeu na sede da The School of Life em São Paulo. Natural da Austrália, Roman vive em Londres e cofundou a escola referência em desenvolvimento de pessoas, presente em mais de dez países. Autor de obras como “O poder da empatia”, “Sobre a arte de viver”, “Como ser um bom ancestral” e agora no seu mais recente lançamento “História para o amanhã”, seu foco é no poder das ideias para criar mudanças positivas no planeta.
"Mas afinal, o que seriam estas tais conversas sobre a vida?", questionei. A ideia de Roman foi colocada na mesa: convidar para uma refeição centenas de pessoas de diferentes áreas: ricos e pobres, negros e brancos, de diferentes religiões e culturas. E em vez de dar um cardápio de comida, dar um 'cardápio de conversas', com perguntas sobre a vida. "O que você aprendeu sobre o amor em sua jornada? Ou como gostaria de ser mais corajoso? Como suas prioridades mudaram ao longo dos anos?", exemplificou.
A ideia é parecida com o que o filósofo idealizou na criação do primeiro Museu da Empatia do mundo, inaugurado em 2015. A organização nasceu para estimular conversas "entre estranhos" e promover revoluções nas relações humanas, pois Roman entendia que "livros e negociações diplomáticas não eram suficientes".
Em alusão às COPs, Roman destaca que as negociações bem-sucedidas no mundo são sempre histórias sobre conexões pessoais. "Você começa com algum tipo de entendimento mútuo, e só depois começa a falar sobre financiamento e todos os problemas urgentes. Nem sempre vamos resolvê-los, mas isso é parte de como poderia funcionar", argumentou.
E ele deixa bem claro que não vai nestas grandes Cúpulas do Clima, pois toda a metodologia é uma gigantesca falha. "Se estão sendo realizadas em países produtores de petróleo, é simplesmente uma loucura. Se você quer criar um processo ineficaz, basta realizá-las no Azerbaijão ou na Austrália", admitiu.
Questionado sobre a COP de 2025 em Belém, Roman admite que o Brasil e uma COP na Amazônia é algo bem diferente. Ele frisa que tudo depende do que estará acontecendo na política brasileira e na eleição que está por vir em 2026, mas o que já se sabe é que a crise ecológica só vai acelerar.
"Eu acredito que o verdadeiro futuro da humanidade tem muito mais a ver com biorregionalismo", explicou. A ideia parte de criar economias de forma mais regional, e autossuficientes em termos de alimentos e energia, por exemplo. E neste sentido, "o Brasil tem uma história incrível", reiterou.
Na COP30, Roman está á frente de um projeto batizado de "A Mile in My Shoes" (Um Quilômetro nos Meus Sapatos). Se trata de uma exposição como uma 'caixa de sapatos': você 'calça' um par de algum desconhecido (como um ativista indígena, quilombola, ou uma criança), e aí vive uma imersão sob sua perspectiva de vida.
A ideia é coletar novas histórias, especialmente da Amazônia e de outros povos ligados à crise planetária, para que os líderes e delegações da Cúpula do Clima possam viver uma exposição para além das negociações, explicou Roman. "Queremos tirar o indivíduo do olhar apenas para si mesmo e de seus interesses pessoais ou nacionais, para adentrar na perspectiva do outro", destacou.
Em seu mais novo livro "Histórias para o Amanhã", a proposta é estimular a reflexão sobre o que podemos aprender com os últimos mil anos para enfrentar os dez desafios globais mais urgentes. Um dos maiores, é o colápso climático. "As economias conduzidas por uma visão de curto prazo estão levando a humanidade para o fundo do poço e nos empurrando para além de todos os limites planetários fundamentais que precisamos respeitar", disse Roman.
Para o especialista, um dos caminhos pode estar na economia "Donut", criado pela britânica Kate Raworth, que também é sua esposa. O modelo preza pelo desenvolvimento sustentável e é um dos mais famosos do mundo, trazendo uma alternativa para o crescimento do PIB -- que seria uma perspectiva a curto prazo. "Não podemos ter um crescimento infinito em um planeta finito. O que precisamos é trazer as pessoas para o topo da base social".
Por outro lado, Roman diz que estamos falhando como civilização e em suprir este déficit da base social, onde a população é carente até em necessidades básicas. "Este planeta é incrível e o único que conhecemos que sustenta a vida. Isso é inegociável. O clima está conectado com outros desafios crescentes, como a democracia e inteligência artificial, e nós precisamos estar olhando para o modelo Donut", acrescentou.
Como caminhos plausíveis e promissores, ele traz a ideia de ser um bom ancestral: quais são minhas responsabilidades como indivíduo? Como serei lembrado pelas gerações futuras? O conceito é muito atrelado a cultura indígena, mas se popularizou com seu livro "The Good Ancestor".
Outro que considera particularmente relevante para o mundo dos negócios seria o "pensamento de catedral". Este fala sobre iniciar projetos com horizontes de tempo longos, talvez além da própria carreira ou da vida, "como aqueles que colocaram as primeiras pedras construindo as catedrais na Europa medieval", explicou. O conceito iria na contramão dos negócios e ações focadas no curto prazo, além da economia vigente que está nos levando ao 'colapso climático'.
Há razões para ter esperança. Roman diz que existem bons exemplos de cidades e companhias que estão agindo de forma positiva no mundo. Ele cita a Patagonia, que se posicionou dizendo que "a Terra é sua única acionista".
E a resposta para resolver muitos dos desafios urgentes, está em olhar para o passado. "A história também está cheia de exemplos: rebeliões, movimentos sindicalistas e sociais, e grandes revoluções que criaram mudanças", frisou.
Embora não seja otimista e admita que o planeta deve ter um aquecimento de 3 a 4 Cº com efeitos extremos até o final desta década, este não pode ser um problema das próximas gerações, acrescentou.
"Não podemos colocar todos os nossos desafios ecológicos e riscos tecnológicos no futuro. Isso é colonialismo — e precisa parar. Todos nós devemos mudar a lógica de crescimento para um equilíbrio", complementou.
No fim, a solução pode estar na inovação social — e nas tais conversas sobre a vida. Até porque, ele lembra, as evidências que tecnologias verdes sejam de fato resolutivas são bem pequenas. "Nós como espécie, conseguimos resolver problemas: gerenciar recursos hídricos, construir cidades e civilizações, lutar contra a escravidão. E é assim que precisamos agir", concluiu.