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Colunista
Publicado em 29 de outubro de 2024 às 03h00.
Por Munir Soares*
Os valores praticados no mercado de carbono nos últimos anos têm apresentado volatilidade notória. A valorização significativa observada no período de 2020-2021 foi seguida por uma queda, impulsionada pelo impacto da guerra na Ucrânia e por questões emergentes sobre a integridade dos créditos de carbono como mecanismo para a redução das emissões. Um estudo recente publicado na Nature estimou que 87% dos créditos adquiridos entre 2020 e 2023 foram considerados de alto risco, de acordo com critérios de avaliação. Esse comportamento sugere que, apesar das críticas e preocupações sobre a integridade, o preço ainda é um fator-chave nas decisões de compra. Mas será que é possível determinar, a partir do período de transição e das diversas mudanças no mercado, qual é o perfil dos compradores?
Em primeiro lugar, é importante salientar que o mercado voluntário de carbono, apesar de ter observado um fortalecimento nos últimos anos (26% CAGR entre 2016-2021), ainda é pequeno. A demanda total em 2023 foi de aproximadamente 180 milhões de toneladas de CO2 equivalente, ou cerca de 0,2% das emissões totais das companhias. Esse cenário tem se mantido estável nos últimos três anos, mas, devido às mudanças no padrão de exigência por integridade, grande parte do estoque disponível não atende à necessidade atual, de modo que o mercado opera hoje com um excesso de créditos de baixa liquidez. Estudos recentes da MSCI Carbon Markets apontam que apenas cerca de 7% dos projetos atuais, entre os mais de 4 mil avaliados, apresentaram nota A ou superior em termos de qualidade, enquanto 47% foram considerados de baixa integridade.
Projetos de energia renovável representam cerca de um terço das negociações em termos de volume de créditos emitidos. Esses, no entanto, têm tido a sua integridade questionada. Recentemente, as principais metodologias para a validação desses projetos foram rejeitadas pelo ICVCM (Conselho de Integridade do Mercado Voluntário de Carbono) devido a preocupações com a adicionalidade, uma vez que os custos de implantação de parques eólicos e solares foram significativamente reduzidos nos últimos anos, tornando-os menos dependentes das receitas de carbono e levando à inadequação aos padrões de qualidade mais recentes. Entre 2020 e 2023, cerca de 30% dos créditos aposentados foram originados de projetos de energia renovável, vendidos a preços que variaram de 0,98 a 5,39 US$/tCO2e. A previsão para 2024, após os recentes anúncios do ICVCM, indica uma redução de 22% nas aposentadorias desse tipo de crédito, em comparação com o ano anterior, evidenciando o impacto da definição de indicadores de qualidade na demanda por créditos de carbono.
Em contraste, os créditos REDD+, que correspondem a aproximadamente um quarto do volume negociado, enfrentaram um aumento do escrutínio e uma desvalorização significativa desde 2022. Ao contrário das energias renováveis, projetos de conservação possuem, em geral, uma adicionalidade maior do que a média do mercado, de acordo com estimativas da MSCI. As principais críticas a eles concentram-se em questões técnicas, como as estimativas sobre linhas de base, e questões reputacionais. Melhorias nas metodologias já estão em curso para confrontar essas críticas. Hoje, projetos de alta qualidade representam cerca de 16% do montante e ainda obtêm preços superiores a 15 US$/tCO2e. As aposentadorias de créditos REDD+, por sua vez, se mantiveram em 2024 até o momento, indicando que as melhorias técnicas podem levar aos patamares de valor de 2021-2022.
Do lado da demanda, duas tendências têm se estabelecido. Por um lado, ainda se vê a busca por preços baixos, com as empresas optando frequentemente por créditos mais baratos, mesmo quando são classificados como de alto risco. Esse comportamento é característico de um mercado ainda em transição, com uma defasagem em termos de padrão de qualidade e oferta.
Por outro lado, há um movimento crescente de empresas que buscam fontes de maior confiabilidade e qualidade, mesmo a custos mais altos. Empresas líderes em suas áreas, incluindo as de tecnologia e organizações como a Natura, estão ajudando a moldar um novo padrão de preços que reflete a integridade dos créditos. Esse movimento, embora embrionário, pode sinalizar o início de uma normalização de quantias mais elevadas, especialmente para casos de restauração ecológica. Estima-se que a viabilidade desses projetos pode ser alcançada apenas considerando valores entre 30 e 50 US$/tCO2e. A própria Verra, maior certificadora no mercado voluntário, já antecipou a demanda por créditos de maior impacto em reflorestamento, lançando recentemente seu padrão ABACUS para projetos de restauração com alto impacto social e na biodiversidade.
No atual período de transição, uma coisa é certa: ainda é cedo para apontar tendências definitivas no perfil de consumo das organizações em relação aos créditos de carbono. A resposta sobre qual dos movimentos citados prevalecerá e ditará os rumos no curto e médio prazo depende, em grande parte, de uma maior clareza sobre o ecossistema do mercado de carbono. Um modelo para o uso integrado dos créditos de carbono pelas organizações pode vir de iniciativas como o VCMI e as diretrizes da Casa Branca, mas elas dependem da existência de opções de qualidade do lado da oferta, que ainda precisam se desenvolver nos próximos anos. Portanto, um sinal de preço que permita tanto o planejamento dos consumidores quanto dos desenvolvedores para créditos de maior valor, como reflorestamento, está condicionado a um ambiente mais claro e previsível. Ainda assim, é pouco provável que soluções de menor custo desapareçam, potencialmente com REDD+ nas novas metodologias e J-REDD (REDD jurisdicional) garantindo integridade e reduções de emissão de maneira mais custo-efetiva.
Em suma, o mercado voluntário de carbono está em uma fase de transformação significativa. O equilíbrio entre preços e integridade dos créditos continuará a evoluir, refletindo as mudanças nas expectativas dos compradores e as respostas do setor regulatório e metodológico. Assim, a dinâmica do mercado deve ser monitorada de perto, à medida que ele se adapta a um ambiente mais estruturado e transparente e que novos padrões e metodologias se consolidam.
*Munir Soares é doutor em Energia e Mudanças Climáticas pela USP, sócio-fundador e CEO da Systemica