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O governador Tarcísio de Freitas afirmou que a privatização da Sabesp pode acontecer em 2024 (Sabesp/Divulgação)
Editor ESG
Publicado em 30 de março de 2023 às 16h29.
Imagine não poder receber pessoas em casa. André Salcedo, diretor-presidente da Sabesp, enxerga nessas pequenas dificuldades o drama de quem não possui saneamento. “A pessoa não consegue reunir os parentes e amigos porque passa um esgoto a céu aberto na rua. É uma falta de dignidade e cidadania”, explica Salcedo, que conversou com a EXAME durante um evento na sede das Nações Unidas, em Nova York.
O executivo viajou aos Estados Unidos para participar da Conferência das Águas da ONU, fórum de discussões que não era realizado desde 1977 -- esses 46 anos, por sinal, coincidem com o tempo de vida de Salcedo. “Muita coisa aconteceu nesse período, com a expansão das cidades, a favelização etc.”, afirma. “E esquecemos da água, até que ela ficou escassa.”
Hoje, diz o presidente da Sabesp, a água é um recurso escasso e é fundamental que todos os elos da cadeia estejam conscientes disso. Por elos da cadeia, entenda-se basicamente todas as empresas, governo, sociedade e qualquer stakeholder que dependa da água para viver, ou seja, tudo no planeta. A partir dessa constatação, Salcedo determina a grande meta da companhia, responsável por levar água a mais de 28 milhões de pessoas em 375 municípios.
“O importante é o resultado para a sociedade, o que independe da estrutura de controle”, afirma.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, se elegeu a partir de uma plataforma econômica liberal, prometendo eficiência e um governo enxuto. Sua ascensão política aconteceu a partir do seu trabalho no Ministério da Infraestrutura do governo de Jair Bolsonaro, elogiado por diversas instâncias do setor privado pela celeridade com que conduziu obras e concessões.
Com esse background, era de se esperar uma certa pressão por privatizações, especialmente de uma companhia de economia mista em um setor aquecido, como a Sabesp. “Acredito que é uma operação que pode transcorrer no ano que vem”, afirmou Freitas ao ser questionado sobre o prazo para a privatização da empresa de Saneamento, há duas semanas. No final de fevereiro, o governador autorizou a contratação de estudos sobre a viabilidade financeira da desestatização.
Salcedo não se preocupa com essa questão. Ao assumir a Sabesp, garante o executivo, recebeu do governador autonomia para gerir a companhia, juntamente com a missão de elevar o nível de eficiência das operações. “Esse é meu papel. A decisão sobre privatizar cabe a quem tem as ações”, diz ele. O que não o impede de opinar sobre o papel do Estado. “O desafio do saneamento é tão grande, que demanda uma combinação entre o público e o privado. Em alguns lugares, onde não há viabilidade econômica para o setor privado, o Estado terá de atuar”, explica.
Saneamento é ESG na veia
Nesse papel de aumentar a eficiência da operação, Salcedo destaca a importância da estratégia social, ambiental e de governança (ESG, na sigla em inglês). “Saneamento é ESG na veia”, se empolga o executivo. A parte ambiental é óbvia, manifesta no fato da Sabesp lidar com um recurso natural altamente impactado pelas mudanças climáticas e pela poluição.
A conferência da ONU trouxe preocupações adicionais nesse ponto. Dados divulgados pela entidade mostram que o cenário não é nada animador. De 11 indicadores estabelecidos para acompanhar as metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6, que trata do acesso à água, cinco sequer contam com dados efetivos. E alguns precisam quadruplicar o desempenho se o mundo quiser resolver o problema.
Que problema é esse, afinal? Nada menos do que a falta d’água. Segundo a ONU, 26% da população mundial, o equivalente a 2 bilhões de pessoas, não contam com acesso seguro a água potável. Quando se trata de saneamento, a situação é ainda pior: mais de 3,6 bilhões de pessoas, quase metade dos humanos no planeta, carecem de tratamento adequado de seus excrementos, o que agrava outro problema urgente em se tratando de água, a poluição, um dos catalisadores da endemia de falta d’água.
Os dados conectam a questão ambiental com a social, que se manifesta de diversas formas na sociedade, desde a falta de dignidade de quem não conta com tratamento adequado para seus rejeitos, até questões sistêmicas envolvendo saúde pública. Não por acaso, há quem defenda uma lógica de orçamento de guerra para lidar com o desafio, caso da economista Mariana Mazzucato, professora da . “Todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável têm ligação com a água, não apenas os óbvios”, afirmou Mazzucato à EXAME.
Para problemas complexos, soluções complexas
Mazzucato, professora da College University em Londres, defende o modelo de ‘outcome oriented budgeting’, um tipo de orçamento público focado em resultados que já foi utilizado com sucesso em Porto Alegre, por exemplo. Para ela, uma solução é tratar o desafio de resolver problemas sociais como se faz com a guerra. Em períodos de conflito, recursos financeiros são alocados com a velocidade e o volume adequados para superar o inimigo – e geralmente, no caso dos perdedores, ultrapassam a capacidade de gastos da nação. Por que não fazer isso, em menor escala, para situações como crises de violência nas cidades e a falta de saneamento?
O presidente da Sabesp compara o saneamento a outras infraestruturas básicas, como saúde, segurança e educação, que também demandam grandes investimentos de longo prazo. E sugere ao poder vigente um olhar estruturado para a expansão das cidades, para se estabelecer um plano abrangente de segurança hídrica, que direcione os recursos financeiros disponíveis ao que realmente importa: o atendimento da população. Se quem vai prestar o serviço é uma empresa de economia mista, como a Sabesp, ou privada, como a Sabesp do futuro (talvez), não faz tanta diferença assim, especialmente pra quem está há anos esperando uma ligação de esgoto.