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O mercado de carbono voluntário surgiu e se mantém como forma de precificar essa externalidade econômica (Qilai Shen/Bloomberg)
Colunista
Publicado em 11 de maio de 2024 às 09h00.
Última atualização em 13 de maio de 2024 às 13h49.
Por Tiago Ricci*
A precificação de carbono tem sido cada vez mais discutida como uma ferramenta crucial para lidar com as mudanças climáticas e promover a transição para uma economia de baixo carbono.
No entanto, a implementação de políticas de precificação de carbono levanta questões importantes sobre a redistribuição de renda e a responsabilidade socioambiental.
Ao examinar essas complexas relações, podemos fazer reflexões relevantes para embasar políticas e práticas que buscam conciliar objetivos econômicos, sociais e ambientais em um mundo em transformação.
O Brasil possui, atualmente, mais de 130 projetos de geração de ativos de carbono em ambiente florestal cadastrados nos padrões internacionais de certificação do mercado voluntário, como a Verra e o Gold Standard.
Parte desses projetos já passou por algum processo de verificação e emissão de ativos de carbono. O restante ainda está para ser validado e verificado por auditores independentes.
Dentre esses projetos, 33 são de reflorestamento (ARR), 97 de conservação florestal (REDD) e um de alternativa ao manejo florestal madeireiro (IFM). E o que isso significa em termos de números e importância socioambiental?
Segundo dados do IDESAM, obtidos no estudo Projetos de Carbono Florestal no Brasil: análise e propostas sob a perspectiva de territórios locais, contando apenas projetos já cadastrados no sistema da VERRA, o Brasil tem o potencial de emitir cerca de 17,2 milhões de créditos de carbono por ano a partir de projetos de reflorestamento e de 72 milhões oriundos de projetos de conservação florestal no período entre 2020 e 2050.
Hoje, cada crédito de carbono decorrente de reflorestamento ecológico pode custar entre 35 e 50 dólares no mercado voluntário. Já os créditos de carbono decorrentes de projetos de conservação florestal (REDD+), para safras novas com certificação adicional socioambiental, podem atingir preços de 10 a 15 dólares.
Ou seja, esses projetos poderão gerar mais de 1,3 bilhão de dólares, o equivalente a mais de 6 bilhões de reais, até 2050. Inclusive, a maior parte deles está localizada no Norte do país, região com menor índice de desenvolvimento humano no Brasil. Mais à frente, voltaremos ao assunto.
De acordo com dados informados pela Bloomberg (estudo Mega Boost for Carbon Offsets Market Seen from SBTi Easing), o mercado voluntário de carbono deve demandar 1.3GtCO2e em 2030 e 5.9GtCO2e em 2050, impulsionado pelas grandes corporações mundiais compromissadas com a meta de zerar suas emissões de GEE (net-zero).
Contudo, essa demanda deverá ser menos sensível a preço e mais preocupada com a integridade climática e social que os projetos devem entregar como resultados de suas atividades.
Outro ponto importante do estudo, é que essa demanda, pelos dados atuais e sem contar com eventual demanda corporativa para compensação de emissões de escopo 3, não será capaz de absorver toda a oferta projetada para esse período e, dessa forma, apenas os ativos gerados por projetos de alta qualidade climática e socioambiental terão liquidez.
O Brasil, por sua vez, possui um grande potencial de geração de créditos de baixo custo e de alta qualidade. Segundo dados da BloombergNEF, aproximadamente 6% do total de créditos de carbono aposentados desde 2015 foram brasileiros.
O potencial do país na geração de créditos em soluções baseadas na natureza, no entanto, pode atingir até 1.5 GtCO2eq/anuais, apontam estudos da McKinsey, ou seja, 15% da demanda global até 2050.
Feitas essas considerações, é possível chegarmos a algumas conclusões:
O mercado de carbono voluntário surgiu e se mantém como forma de precificar essa externalidade econômica, proveniente do meio ambiente e combate à mudança do clima, mas não é só isso.
A partir do aprimoramento das exigências metodológicas e dos grandes compradores, quais sejam, os projetos também devem certificar suas contribuições para a melhoria da qualidade de vida socioambiental na região onde são realizados, o mercado voluntário de carbono passou a ser um importante fator de geração de renda e diminuição da pobreza.
Em matéria publicada pelo Financial Times, no dia 21 de abril deste ano, ficou evidente a participação ativa do Emissário Americano para Mudança do Clima, John Kerry, para fomentar as transações no mercado de compensação de emissões. Isso porque, além de ajudar no combate à mudança do clima, tal ferramenta é importante para o crescimento de países em desenvolvimento.
Assim, projetos de alta qualidade, que deverão atender à demanda a ser gerada, são aqueles que entregarão resultados não apenas climáticos, mas também socioambientais, conforme regras emanadas pelos padrões globais de certificação.
Vale dizer que essa combinação, mercado de carbono e diminuição da pobreza, é uma diretriz contida, inclusive, no Acordo de Paris, ratificado pelo Brasil. O acordo passou a ser, portanto, de natureza de norma sobre Direitos Humanos.
Num país de proporções continentais como o Brasil, com regiões extremamente carentes (como o Norte, Nordeste e interiores de outras localidades), o mercado de carbono se transforma em uma oportunidade de empreendimento e distribuição de riqueza.
O mercado de carbono é, dessa forma, uma alternativa econômica para populações e produtores rurais que necessitam de recursos para o seu processo de produção e incremento de qualidade de vida. E isso tudo enquanto colabora para a estabilidade climática global e proteção da fauna e da flora.
Estamos em um momento decisivo para a discussão sobre a regulação do clima no Brasil, com o PL 2.148 sendo debatido no Congresso Nacional. O projeto mencionado visa regular o mercado de permissões de emissões e traz regras para o mercado voluntário. Por isso, é crucial que essa discussão seja orientada pela experiência, técnica e pelas necessidades socioambientais do país.
A precificação do carbono na economia global é fundamental como instrumento de promoção do bem-estar social, combate às mudanças climáticas, busca por melhores condições de vida para a população e proteção da nossa biodiversidade.
É fundamental dedicar atenção adequada a esse assunto, tanto no processo legislativo quanto nas decisões corporativas, de maneira capacitada, qualificada e técnica. Isso é essencial para impulsionar o desenvolvimento econômico, social e ambiental em regiões menos favorecidas e contribuir para o combate às mudanças climáticas.
*Diretor jurídico da Systemica.