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Agricultores passam por capacitação sobre plantio, colheita e armazenamento da erva-baleeira, planta cujo óleo essencial tem valor comercial de R$ 2 mil por quilo (Veracel/Divulgação)
Repórter de ESG
Publicado em 23 de agosto de 2024 às 07h00.
Na comunidade de Miramar, em Eunápolis, ao sul da Bahia, agricultores familiares de fazendas de cacau, café e pimenta-do-reino lutavam há anos contra a invasão da erva-baleeira. A planta, nativa da Mata Atlântica, se espalha com muita facilidade, e ocupa as áreas destinadas a pastagens e cultivo. Agora, a erva pode se tornar uma fonte de renda para as famílias.
A alta concentração da maria-preta – nome que recebe na região – chamou atenção de pesquisadores e empresas. Isso porque a planta tem valor medicinal: o óleo essencial extraído das suas folhas pode ser usado como um anti-inflamatório e analgésico natural, com grande potencial de venda na indústria farmacêutica como pomada contra dores musculares. A venda de um quilo do óleo essencial gera aproximadamente R$ 2 mil, podendo chegar a até R$ 3 mil.
Por isso, uma parceria da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e da indústria de celulose Veracel busca capacitar os agricultores familiares para que possam obter uma renda extra a partir da extração do óleo essencial da baleeira. O processo, no entanto, esbarra por mudar a mentalidade dos produtores, e tornar a planta, antes vista como uma ameaça, em uma oportunidade de negócios.
A UFSB já atua na comunidade Miramar desde 2014, com o intuito de fortalecer e incentivar a agricultura familiar e disseminar as melhores técnicas de agroecologia. A Veracel, que opera na região, entrou na iniciativa em 2019, parte de sua estratégia de responsabilidade social e apoio à inclusão produtiva que já impacta 60 comunidades agrícolas em 11 cidades. Dessa forma, foi formado o programa Desenvolvimento Socioambiental para a Agricultura Familiar (DSAF).
O projeto começou com a identificação da ocorrência da espécie na região, o que trouxe resultados animadores desde o início. A pesquisadora e especialista em responsabilidade social da Veracel Celulose, Dra. Carolina Kffuri, conta que a quantidade de mudas da maria-preta surpreendeu os pesquisadores envolvidos no projeto. “Para os olhos do botânico, foi uma maravilha. Começamos a explorar a região para verificar a quantidade, e foi uma visão impressionante. Com a UFSB, fizemos fotos com drones e conversamos com os moradores e agricultores para entender se conheciam a planta”, explica.
Apesar de conhecerem, a erva-baleeira era vista como uma praga na região. “Quando chegamos lá, perguntamos ‘Quem aduba essa planta para ela crescer desse jeito?’ e os agricultores responderam ‘Adubo? Não, adubo de maria-preta é o facão’”, conta. Além do corte das mudas, a população também costumava atear fogo na área invadida para destruir a planta.
A equipe colheu mudas de diferentes áreas para estudar em laboratório e identificar as propriedades inseridas na planta. De acordo com a coordenadora do projeto e professora de USFB, Dra. Gabriela Narezi, por ser uma vegetação nativa à região, era necessário entender a qualidade do óleo. “Entre 2019 e 2022, na fase embrionária, pesquisamos e trocamos informações com outros pesquisadores para avaliar a viabilidade da planta enquanto óleo essencial”, conta.
Para que o óleo possa ser utilizado pela indústria farmacêutica, é necessário que contenha ao menos 2% de compostos fitoterápicos: alfa-humuleno e trans-cariofileno, compostos anti-inflamatórios e relaxantes. Os resultados dos testes mostraram uma concentração superior a 2%, indicador do potencial de venda do óleo. “Trouxemos todas as informações para os agricultores. Fizemos cortes para entender quanto tempo demora até o novo brotamento e buscamos o melhor formato para extrair a folha, de modo que o trabalho não fosse tão duro, considerando o calor e o conforto dos agricultores. Eles foram dando sugestões e testando com a gente”, conta Kffuri.Os alunos e pesquisadores envolvidos no projeto passaram a capacitar os agricultores e suas famílias sobre os usos e o potencial econômico da maria-preta, além dos métodos de colheita, armazenagem e extração do óleo. Por conta da dificuldade de acesso à energia e água, a extração do óleo não pode ser realizada na comunidade de Miramar. Por isso, a Veracel adquiriu os equipamentos necessários para a extração, que é realizada na sede do Instituto Fotossíntese, organização de iniciativas ambientais parceira do projeto.
O projeto-piloto do negócio começou a ser feito com dez famílias da comunidade. Ao longo dos meses, a participação das famílias foi caindo, até que após os três meses de treinamento, apenas três famílias estavam dispostas a continuar do projeto. Para as especialistas, um dos motivos foi a dificuldade de mudar a visão dos agricultores, já que para eles imaginar um potencial de uso na maria-preta era uma tarefa difícil. “Nenhum agricultor conhecia o óleo da erva-baleeira ou sabia para que ele servia. Eles usavam como chá, mas na pele realmente é uma novidade. Há poucos grupos de agricultura familiar nesse mercado, pois ele é mais elitizado”, explica Narezi.
Uma das ações tomadas para engajar novamente as famílias de agricultores foi a compra garantida: todo o óleo extraído seria adquirido pelo Instituto Fotossíntese, que revende para a indústria sem ganho financeiro. O plano deu certo. Atualmente, 12 famílias de agricultores participam da ação.
Para Ryu Okada, diretor executivo do Instituto, a ideia foi garantir às famílias que seriam recompensadas pelo tempo utilizado no cultivo da maria-preta. “Nós sabemos que a agricultura familiar enfrenta muitas dificuldades no Brasil. Mostrar para eles que a erva proporcionaria uma fonte de renda extra foi de grande valor”, explica.
De acordo com capacidade dos equipamentos, cada família pode colher até 250 quilogramas de folhas, o que gera por volta de 2,5 quilos de óleo essencial. O lucro médio é de R$ 5 mil, valor que ajuda a pagar o aluguel das fazendas em que produzem suas culturas. A expectativa do projeto é conseguir mais clientes para a revenda do óleo. Outra proposta, sendo alinhada entre a UFSB e o governo do Estado da Bahia, é a comercialização do óleo essencial para o Sistema Único de Saúde, considerando o uso de plantas medicinais e fitoterápicas no tratamento de pacientes.
O próximo passo para os agricultores familiares é entender novas oportunidades de negócio entre suas fazendas e cultivos. Em outra comunidade em que a Veracel e a UFSB atuam, chamada Nova Vitória, também em Eunapólis, o plantio da melaleuca tem sido alvo de testes. Muito utilizado como um antifúngico no mercado de produtos naturais, os agricultores avaliam as possibilidades comerciais enquanto um defensivo agrícola, evitando a proliferação de fungos nas plantações.
Para Kffuri, as novas oportunidades desbloqueiam o potencial econômico de soluções baseadas na natureza para a agricultura de base. “Imagino que vai ser uma virada de chave na vida dos agricultores. Em qualquer lugar, já é um trabalho difícil; às vezes se perde a colheita inteira por causa do clima. Por exemplo, há dois meses, a Veracel comprou toda a produção de mamão de uma das fazendas próximas porque eles perderiam a safra por falta de logística. São pequenas ações, mas que são muito importantes para as famílias”, conta.