(AFP/AFP)
Da Redação
Publicado em 21 de agosto de 2022 às 11h08.
O planeta está aquecendo mais rápido do que imaginavam as previsões científicas e as consequências são visíveis. Incêndios descontrolados de enormes proporções acontecem em regiões da Grécia e na Califórnia. Na Europa, na Asia central, na Índia, recordes seguidos de temperatura máxima causam mortes e muita preocupação. No Brasil, de janeiro a junho perdeu-se para o desmatamento quase 5.000 quilômetros quadrados de floresta, quase 20% a mais do que no mesmo período do ano passado, segundo o Imazon.
O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), órgão das Nações Unidas que faz a revisão da produção científica relacionada às mudanças climáticas, afirma que há 90% de certeza de que o aumento de temperatura na Terra é causado pela ação humana. Com a Revolução Industrial, passamos a emitir quantidades significativas de gases de efeito estufa (GEE), notadamente o dióxido de carbono. A concentração de 280 ppm deste gás cresceu até os atuais 400 ppm, intensificando o efeito estufa e com isso aumentando a temperatura do planeta. O que fazer?
Em 1992, na Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro, foi assinada a Convenção Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas, cujo objetivo é a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa (GEE) em níveis que não coloquem em risco o sistema climático. A convenção, porém, não traz limitações de emissão ou instrumentos obrigatórios. Esses limites deveriam ser criados por novas atualizações, ou protocolos.
Em 1997, o Protocolo de Quioto, no âmbito da Convenção, fixou um calendário pelo qual os países-membros, essencialmente os desenvolvidos, tinham a obrigação de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em pelo menos 5,2% em relação aos níveis de 1990, no período entre 2008 e 2012. O acordo não atingiu seus objetivos, particularmente em razão de os EUA, então maior emissor, não o terem ratificado, movido por ceticismo climático e pela alegação de que os países em desenvolvimento não estavam obrigados a semelhantes compromissos, e a China aumentava rapidamente suas emissões.
Naquele contexto, me lembro de ter que analisar – e defender um ponto de vista – em meu mestrado sobre qual seria o melhor modelo para se proporcionar o controle das emissões de gases de efeito estufa: criação de um mercado de emissões ou tributação do carbono? Entendi que a tributação seria mais eficiente do ponto de vista da redução das emissões. Lá se vão 25 anos, e pode-se dizer que estamos longe de termos implementado qualquer mecanismo em nível global que cumpra a missão de “internalizar” o custo ambiental e social das emissões de gases de efeito estufa. Há vários mecanismos de precificação do carbono estabelecidos pelo mundo, o mais relevante sendo o Esquema de Comércio de Emissões Europeu. Tais mecanismos existem em muitos países, sob diversas formas: há sessenta e oito iniciativas regionais, nacionais ou subnacionais pelo mundo, em quarenta e oito jurisdições.
No entanto, se em 1997 o mundo emitia cerca de 24,3 bilhões de toneladas (Gt) de CO2 equivalentes por ano (apenas do uso de combustíveis fósseis e da indústria, não computadas as relativas ao desmatamento), hoje estamos próximos de 36 bilhões de Gt ao ano. As iniciativas de precificação das emissões, taxas e mercados, cobrem em 2022 cerca de 12 Gt, representando 23% das emissões globais.
Em 2016, também no quadro da Convenção da ONU, entrou em vigor o Acordo de Paris, que busca assegurar que o aumento da temperatura média global fique abaixo de 2 °C acima dos níveis pré-industriais, e fazer esforços para limitar o aumento da temperatura a até 1,5 °C. O Acordo obriga que cada país defina suas metas de emissão dentro das suas possibilidades, que devem ser redefinidas e ampliadas a cada 5 anos pelo menos. Por ser um acordo “universal”, gera esperanças, mas parece faltar-lhe mecanismos obrigatórios e formas claras de financiamento para o que pretende atingir.
No Brasil, foi editado no final de maio um Decreto federal que estabelece procedimentos para a elaboração de planos setoriais de mitigação das mudanças climáticas para diversos setores da economia e institui o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa. Atende em parte à Lei 12.187/2009, Política Nacional sobre Mudança do Clima, mas não parece ainda suficiente para a construção de um mercado, que exige a limitação das emissões privadas e públicas e, portanto, não deve se fundar apenas em mecanismo infralegal. Outras normas deverão ainda ser editadas para que a criação deste mercado se efetive. Até lá, o mercado “voluntário” será o único a existir, em que compradores tem motivações próprias, mas não suficientes para determinar uma redução expressiva das emissões.
Uma terceira “abordagem” ao problema de se buscar limitar as emissões de gases de efeito estufa – que não o mercado de emissões ou tributos sobre emissões – decorre da própria demanda do mercado por informações sobre resultados e impactos não financeiros das empresas, movimento que está na origem do que conhecemos como ESG. A lógica dessa abordagem é a de tornar transparente a performance das empresas, dando ao mercado a oportunidade de traduzir as informações não financeiras e refleti-las na avaliação de valor das empresas e dos títulos. Muitas regulamentações foram criadas a esse respeito, voluntárias e obrigatórias, em muitos países inclusive no Brasil.
Essa forma de a sociedade lidar com as externalidades das empresas tem se tornado relevante pois a percepção de que a performance não financeira das empresas gera impactos na sociedade e que esses impactos podem significar riscos – como as mudanças climáticas. Como riscos são “precificados” pelos analistas de mercado, essa é uma forma que tende a internalizar os custos sociais e ambientais gerados pelas empresas.
Ser transparente pode ser um bom negócio, na medida em que as empresas que menos emitem (na comparação com seus pares) ou que tem melhores indicadores não financeiros em geral, podem ser percebidas como menos arriscadas e serem valorizadas, ou seu custo de captação pode ser reduzido – e isso deve, ao final, ajudar a limitar as emissões.
Por essa razão, houve um grande crescimento no volume financeiro dos “investimentos sustentáveis” no mundo. Segundo relatório da Comissão de Valores Mobiliários (O ASG e o Mercado de Capitais) que teria atingido US$ 35,3 trilhões nos cinco mercados analisados pelo relatório GRIS 2020 (Austrália, Canadá, Europa, Estados Unidos e Japão), significando um aumento de 15% entre 2018 e 2020, e de 55% entre 2016 e 2020. Os investimentos sustentáveis passaram a significar 36% do total de ativos sob gestão nestes mercados em 2020. Esse movimento reflete o interesse dos investidores.
Para que a divulgação de informações ASG seja eficiente, ela deve ser precisa, de maneira a possibilitar a comparação e prevenir a “maquiagem verde” (ou greenwashing), que inclui a omissão e distorção de informações. Nesse sentido, as informações a serem publicadas e utilizadas pelos investidores deve se voltar à padronização de forma a gerar comparabilidade e facilitar a integração das informações não financeiras aos resultados das empresas.
Nessa linha, a série de normas publicadas no ano passado pelo Banco Central, Conselho Monetário Nacional e Comissão de Valores Mobiliários, começa a entrar em vigor e a impor novo regime de divulgação de informações não financeiras relevantes a instituições financeiras, bancos e empresas de capital aberto.
O Banco Central divulgou em setembro de 2021 três novas normas regulando riscos ambientais, sociais e de governança, aplicáveis às instituições financeiras e demais entidades autorizadas pelo Bacen a funcionar; a norma que dispõe sobre a divulgação do Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas, será obrigatória a partir de 1º de dezembro de 2022; tal relatório deverá explicar a governança dos riscos climáticos.
Já o Conselho Monetário Nacional publicou normas que determinam o gerenciamento dos riscos climáticos pelas instituições financeiras, e a elaboração de Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC), que entraram em vigor em julho; determinam que o gerenciamento de riscos deve ser integrado, possibilitando a identificação, a mensuração, a avaliação, o monitoramento, o reporte, o controle e a mitigação dos efeitos adversos resultantes das interações entre os riscos. As instituições enquadradas devem a partir de 1 ª de dezembro de 2022 promover a análise de cenários, no âmbito do programa de testes de estresse, que considerem hipóteses de mudanças em padrões climáticos e de transição para uma economia de baixo carbono.
Além disso, em dezembro de 2021, a Resolução do Conselho Monetário Nacional n°59 foi publicada e determinou a revisão do conteúdo do Formulário de Referência, documento obrigatório para a disponibilização ao mercado de informações sobre as empresas com ações negociadas em bolsa.
A norma obriga a divulgação de informações que visam trazer mais transparência no mercado acionário brasileiro em relação a divulgação de informações de práticas ambientais, sociais e de governança corporativa (ASG); alinhamento as iniciativas de padronização no âmbito internacional e mais robustez a divulgação, pelas companhias abertas, de informações inclusive com relação às questões climáticas.
Muito importante esse pacote normativo, pois fará com que as informações relevantes sobre emissões sejam públicas, para boa parte das grandes empresas e instituições financeiras. Essa é uma forma de, aos poucos, fazer refletir nos preços das empresas a sua performance social e ambiental. À falta de um mecanismo que internalize diretamente os custos das emissões, seja um mercado de emissões, seja uma tributação delas, a transparência deverá fazer a sua parte. Mas um mecanismo direto de internalização de custos sociais e ambientais das emissões – mercado de emissões ou tributação? – não pode perder seu lugar proeminente nesse processo e deverá fazer a sua parte também, é o que esperamos.
*Pedro Lehmann Baracui é advogado e sócio do CQS-FV