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Santos Lima, procurador aposentado e advogado especialista em compliance: "Infelizmente o presidente Bolsonaro e o ministro Salles não compreenderam a importância da preservação ambiental e da imagem brasileira no exterior" (Carlos Fernando Dos Santos Lima/Facebook/Reprodução)
Leo Branco
Publicado em 22 de setembro de 2020 às 14h00.
Última atualização em 22 de setembro de 2020 às 16h34.
Uma boa reputação é uma conquista diária que pode, como lembrava Benjamin Franklin, ser destruída com apenas uma má ação. Isso vale para todos, indistintamente, sejam trabalhadores, profissionais liberais, celebridades, empresas e marcas, e até mesmo governos. Em um mundo conectado, uma real aldeia global em que as notícias e versões se espalham como fogo em palha, ninguém está livre da obrigação de gerenciar adequadamente esse patrimônio chamado reputação.
Assim como uma boa reputação atrai empregos, negócios e relacionamentos, uma má reputação os afugenta como diabo da cruz. Quem é que gostaria de empregar alguém que faz postagens ofensivas na internet ou comprar de uma empresa envolvida em trabalho escravo ou infantil? Da mesma forma acontece com um país.
Dessa forma, uma gestão profissional da reputação é essencial para uma marca, uma empresa ou a um governo. Isso se chama compliance ou conformidade, e é um dos fundamentos modernos da boa administração pública ou privada. Todos irão aderir, por amor ou pela dor, a essa nova realidade. Infelizmente, o que se vê é que o governo brasileiro, especialmente em matéria ambiental, preferiu o caminho doloroso.
O caminho da dor em compliance envolve sempre uma crise reputacional. E em toda crise reputacional haverá perdas financeiras e econômicas por se ter permitido que a crise acontecesse, bem como por tê-la gerenciado inadequadamente. Um bom programa de compliance é, portanto, essencial, pois previne a crise, mas saber lidar com ela depois de instalada é uma arte. Infelizmente ao governo Bolsonaro falta ambos.
O primeiro de seus erros foi o de ter permitido que a crise ambiental acontecesse. É óbvio que os problemas ambientais do Brasil antecedem o seu governo, mas culpar administrações passadas pode funcionar durante um tempo, mas não para sempre. O cerne da crise ambiental atual é a visão de mundo anacrônica e disfuncional do atual governo, que reproduz um modo de pensar da metade do século XX para um mundo já entrando na terceira década do século XXI.
Assim, o conceito antagônico entre desenvolvimento e preservação ambiental é não só falso, mas também pouco conveniente para um negócio ou governo, pois a sociedade está cada vez mais conscientes da importância do meio ambiente para o futuro do planeta. E uma das primeiras perguntas a ser respondida por uma empresa ou governo que deseja evitar crises é se realmente sua administração está comprometida com boas práticas e experiências, bem como com as expectativas da sociedade onde se insere.
Infelizmente o presidente Jair Bolsonaro e o ministro do meio-ambiente Ricardo Salles não compreenderam a importância da preservação ambiental e da imagem brasileira no exterior. São eles, mais que madeireiros ilegais ou que os poucos agropecuaristas gananciosos, os responsáveis pelas enormes perdas financeiras e econômicas que ameaçam nesse aspecto nossa economia.
E mesmo o vice-presidente Hamilton Mourão ou o ministro da economia Paulo Guedes, que sem dúvida têm uma visão mais moderna da geopolítica e economia, caem no erro de não admitirem os equívocos de nossa política ambiental, justificando-os com erros do passado de outras nações e governos ou mesmo com a ilusão de perseguição de opositores. Um erro nunca justifica outros, e escalar ou apostar contra todas as evidências é sempre uma estratégia perdedora.
Nesta semana, por exemplo, oito países europeus (Dinamarca, França, Holanda, Alemanha, Itália, Noruega, Reino Unido e Bélgica) assinaram uma carta enviada ao vice-presidente Hamilton Mourão expressando preocupações com o crescente desmatamento da Amazônia. No documento, os signatários destacam que tanto consumidores quanto empresas e investidores estão preocupados com a situação, o que pode refletir diretamente numa queda de consumo de produtos brasileiros no continente.
O governo federal também recebeu outra manifestação, desta vez de mais de 200 grandes empresas e ONGs, que em um documento apresentaram propostas para reduzir o desmatamento na Amazônia e no Pantanal. Entre as ações está a retomada da fiscalização pelos órgãos oficiais (Ibama e ICMBio) e a efetiva punição dos responsáveis pelas queimadas; e a demarcação de 10 milhões de hectares como área protegida, destinada ao uso sustentável.
Assim, o compliance pode ensinar muito sobre o gerenciamento dessa crise e assim evitar a perda de importantes doações internacionais e de investimentos estrangeiros, de boicote aos nossos produtos ou a perda de certificações internacionais que permitem acessar os melhores mercados mundiais. A primeira coisa é compreender o mundo e suas expectativas e corrigir rumos. Não só com discursos e promessas, mas com ações concretas e transparentes. Pior que insistir em uma retórica beligerante é a mentira e manipulação. É preciso inteligência, ação e competência para restaurar uma reputação.
Por sorte a nossa economia é muito mais moderna que nossos governantes e já demonstrou compreender esse recado. Nossa agropecuária sabe da importância da conformidade para os bons negócios. Está na hora desse alerta ser compreendido pelo governo Bolsonaro e realmente adotado como paradigma para a inserção econômica do Brasil no mundo.
Podemos produzir mais e melhor com investimentos em pesquisas, com uma fiscalização eficiente e com a adoção de práticas ambientais sustentáveis. Isso só trará valor para nossos produtos e maior retorno para os produtores. De outra forma nos transformaremos em párias internacionais e nossos produtos serão aceitos somente em mercados menos interessantes e competitivos. É preciso compreender que reputação, enfim, significa bons negócios e prosperidade.