Companhia endureceu as metas relacionadas à sustentabilidade e governança (Denis Balibouse/Reuters)
Juliana Estigarribia
Publicado em 14 de maio de 2020 às 06h00.
Última atualização em 17 de junho de 2020 às 13h02.
A Vale criou recentemente novas metas de sustentabilidade e governança para balizar a remuneração de seus executivos, em mais um movimento para reconquistar a confiança dos investidores - que por sua vez estão aumentando as cobranças neste sentido. Embora a mineradora venha apresentando resultados robustos, mesmo em tempos de pandemia do novo coronavírus, o ambiente continua desafiador para seus planos de longo prazo.
Na terça-feira, 12, o fundo soberano da Noruega anunciou a exclusão da Vale de seus investimentos "após uma avaliação do risco de contribuição para danos ambientais graves", resultado de "repetidas violações de barragens".
Para especialistas, o anúncio do banco central norueguês é apenas reflexo de um movimento que vem crescendo e veio para ficar: a cobrança por melhores práticas ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) das empresas.
"Quando um sistema de metas de ESG é criado, com previsão de prêmio ou punição, a chance é maior de enraizar essa nova cultura", afirma Luiz Marcatti, presidente da Mesa Corporate Governance, consultoria especializada em governança corporativa.
Ele pondera, entretanto, que não só a mineradora precisará cumprir as suas metas, mas o investidor terá que cobrá-las. "Todas as empresas que adotarem essa postura terão uma enorme lupa sobre elas."
De acordo com a Vale, 12% da remuneração total dos executivos agora está vinculada a métricas de ESG. Os compromissos para 2030 também foram revisados, com metas mais "ambiciosas", conforme informou a companhia.
Entre elas, estão carbono neutro até 2050 - alinhado ao acordo de Paris - e 100% de autoprodução de energia limpa globalmente.
Com metas claras, os investidores tendem a cobrar a empresa para entregar uma operação mais sustentável do ponto de vista ambiental e de governança. Também poderão exigir que a companhia faça tudo que estiver ao seu alcance para evitar novos desastres como os de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, sob pena de redução drástica de gratificações. Isso significa, é claro, muito menos lucro.
"O mercado está entendendo que não adianta só lucrar e não ser sustentável", afirma Pedro de Marco, analista especializado em commodities da gestora Reach Capital. Segundo ele, os investidores estão cobrando muito mais a adoção de práticas de ESG, porém, este ainda não é um consenso, especialmente na indústria extrativa.
"Na mineração, adotar metas claras de ESG é um caminho inovador, a Vale está subindo a barra em seu setor", diz. O analista lembra que suas principais concorrentes - Rio Tinto, BHP e Fortescue - não definiram claramente números e metas na área, o que coloca a mineradora brasileira em destaque nas práticas de ESG.
O analista pondera, entretanto, que a gestão precisa concentrar esforços para entregar essas metas. Marcatti corrobora. "Depois de Brumadinho, ficou claro que as mudanças propostas pela Vale para evitar desastres como o de Mariana eram cosméticas. Quando a companhia crava metas de remuneração, trata-se de uma mensagem forte ao mercado de que ela quer mudar, só precisa cumprir."
Embora a Vale deva continuar enfrentando diversos obstáculos para reconquistar a plena confiança do mercado, analistas avaliam que as ações da mineradora continuam baratas.
A mineração está amplamente ligada ao desempenho da economia global, especialmente da China, que representa metade da demanda do setor e da Vale. Com a retomada gradual da economia chinesa, os preços do minério de ferro têm subido nas últimas semanas e superaram a casa dos 90 dólares por tonelada nesta quarta-feira, 13. Uma ótima notícia para a companhia.
Neste cenário, as ações da mineradora brasileira fecharam em alta nesta quarta, mas ainda longe do valor de antes do desastre de Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019.
Adriano Cantreva, sócio da Portofino Investimentos, observa que depois da pandemia do coronavírus as empresas estão buscando liquidez. "A situação da Vale está muito confortável, principalmente em relação ao caixa, uma vez que a empresa acabou não pagando dividendos depois de Brumadinho."
Apesar das cifras expressivas envolvendo desembolsos e provisões para passivos do desastre, o caixa da companhia, hoje, lhe compete vantagem, avalia Cantreva. "As ações da companhia estão baratas, mas esse ajuste só deve acontecer quando tivermos uma visibilidade melhor da economia global."
Para ele, as iniciativas de ESG da mineradora serão importantes principalmente porque este movimento só deve crescer no mundo e, quanto mais a Vale demorar para se adaptar a esses novos padrões, mais tempo a ação vai ficar descontada. "O número de investidores que cobram metas de ESG só aumenta e a Vale precisa começar a tomar atitudes a partir de agora."