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Mais de 70 organizações ambientais, entre elas Greenpeace, WWF, Fundação Tide Setúbal e SOS Mata Atlântica, assinaram uma carta criticando a intenção do governo de limitar a atuação de ONGs na Amazônia (Ricardo Lima/Getty Images)
Rodrigo Caetano
Publicado em 11 de novembro de 2020 às 12h02.
Última atualização em 11 de novembro de 2020 às 12h39.
O Conselho da Amazônia, órgão criado para coordenar as ações federais de proteção à floresta comandado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, indicou, em documento oficial, a possibilidade de controlar o trabalho de ONGs na Amazônia ONGs segundo “interesses nacionais”. A informação, revelada pelo jornal O Estado de São Paulo, repercutiu mal entre as organizações da sociedade civil.
“O governo brasileiro não tem plano, meta ou prazo para acabar com o desmatamento e outros crimes ambientais, nem para implementar a meta brasileira no Acordo de Paris”, afirmou Marcio Astrini, secretário-executivo da ONG Observatório do Clima. “Mas tem plano, meta e prazo para controlar a sociedade civil.”
Mais de 70 organizações ambientais, entre elas Greenpeace, WWF, Fundação Tide Setúbal e SOS Mata Atlântica, assinaram uma carta criticando a intenção do governo. “A atuação de organizações da sociedade civil é a expressão viva do pluralismo de ideias e sua liberdade está garantida na Constituição. Querer controlá-las é, em última instância, tentar silenciar liberdades constitucionais”, afirma o documento, intitulado “Garantir a liberdade das ONGs é defender o interesse nacional”.
Os ruídos entre o governo de Jair Bolsonaro e as ONGs são antigas. Ainda na eleição, o então candidato prometeu dificultar a atuação dessas organizações. Em setembro, Bolsonaro chamou as ONGs que atuam na Amazônia de “câncer” e lamentou não conseguir “matar” a doença. “Você que está numa ‘ongzinha’ aí pegando grana de fora. Vocês sabem que as ONGs, em grande parte, não têm vez comigo, a gente bota para quebrar em cima desse pessoal lá”, afirmou o presidente, em uma de suas lives nas redes sociais.
Quando menciona “grana de fora”, Bolsonaro toca num dos pontos mais relevantes dessa disputa. Mourão busca recuperar o fluxo de investimentos no Fundo Amazônia, iniciativa criada em 2008 para financiar projetos de combate ao desmatamento na floresta. No ano passado, Bolsonaro alterou unilateralmente as regras de gestão do fundo, o que fez os dois maiores doadores, Alemanha e Noruega, parar de depositar o dinheiro.
Em maio, já no comando do conselho, Mourão se reuniu com os embaixadores dos dois países para apresentar a “nova visão” do governo sobre o fundo. Segundo o vice-presidente, o Brasil precisa desses recursos. “Se nós vivêssemos em um País com tranquilidade fiscal, com recursos sobrando, não precisaríamos de recursos de ninguém de fora”, disse o general.
Ao mesmo tempo, os governadores da Amazônia Legal, por meio do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal, iniciaram um movimento para negociar diretamente com Alemanha e Noruega a liberação dos recursos, passando por cima do governo federal. “Os governantes do bloco amazônico desejam participar diretamente das decisões para reformulação das regras do Fundo Amazônia”, afirmou Waldez Góes (PDT), governador do Amapá e presidente do consórcio.
Na quarta-feira, 4, Mourão organizou um tour pela Amazônia com embaixadores de vários países. Estavam representantes da União Europeia, Reino Unido, França, Espanha, Portugal, Suécia e Alemanha, Canadá, África do Sul, Peru e Colômbia, além dos ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente), Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Tereza Cristina (Agricultura). Foi mais uma ação para tentar reverter a imagem negativa do Brasil no exterior e, possivelmente, atrair mais recursos.
O problema é que os números do desmatamento seguem decepcionantes. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, entre janeiro e outubro, a Amazônia registrou 93.356 focos de incêndio, número maior do que o registrado em todo o ano de 2019. Quando assumiu o Conselho Amazônia, Mourão também deu início a uma operação do Exército para conter as queimadas. Até o momento, o plano não surtiu efeito, o que gerou críticas por parte das ONGs.
A principal crítica se deve ao fato de a operação militar ser mais cara do que as estruturas montadas pelas ONGs, que se mostraram mais efetivas. “O teatro militar montado pelo general Hamilton Mourão na Amazônia para iludir os investidores não conseguiu enganar os satélites”, afirmou Astrini, do Observatório do Clima. “Tudo isso porque as pessoas que estão no poder se recusam a implementar políticas públicas de combate ao desmatamento e ao fogo, que não apenas já existiam, como deram certo no passado.”
Mourão tem defendido uma abordagem mais ampla para o problema do desmatamento e da falta de desenvolvimento na Amazônia. Em live transmitida pela EXAME, em julho, ele afirmou que a região deve ser compreendida a partir da sua enorme complexidade. Há uma falta crônica de infraestrutura, o que deixa boa parte do seu território sem integração com o restante do País.
“Os europeus não têm a dimensão disso”, afirmou o vice-presidente. “O nosso projeto inclui a repressão ao desmatamento. Mas só isso não basta. É preciso considerar o zoneamento ecológico, com a regularização fundiária, a infraestrutura e a bioeconomia”.
Existem, atualmente, 120 mil propriedades não regularizadas na região, de acordo com Mourão. Sem a possibilidade de financiamento, esses fazendeiros optaram por atividades predatórias. Como resultado, a produtividade é muito baixa. “Na média, o Brasil coloca 8 ou 9 cabeças de gado por hectare de terra. Na Amazônia é uma cabeça por hectare”, afirmou.
A situação na Amazônia preocupa a população. Uma pesquisa realizada pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) aponta que o brasileiro é um defensor da preservação do meio ambiente. O trabalho entrevistou 1.500 pessoas, entre os dias 11 e 19 de agosto. Para 90% dos entrevistados, a situação na Amazônia, com o aumento recente do desmatamento, é preocupante.
Mais da metade (55%) considera o cenário atual muito preocupante e 60% apontam a Floresta Amazônica como o ecossistema mais ameaçado do país. Esse percentual é especialmente relevante considerando que 94% dos entrevistados consideram que a preservação da Amazônia é essencial para a identidade nacional.
As lideranças indígenas são encaradas positivamente, com 73% de aprovação, o maior índice entre os grupos e entidades que melhor defendem a floresta. Em seguida, aparecem os militares, com 69%. Mais de dois terços dos entrevistados são contra a redução das reservas índigenas na região.
Já o governo e os madeireiros aparecem empatados como os maiores responsáveis pela alta no desmatamento. Fazendeiros e garimpeiros também são apontados como culpados pela destruição da floresta. A perda da diversidade é considerada a consequência mais grave do desmatamento. Também foram destacadas as mudanças climáticas e do regime de chuvas no Brasil.