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Agronegócio: são necessários avanços rápidos na agenda ESG para lidar com a matriz de risco imposta às empresas do agronegócio (Cristiano Mariz/Exame)
Especialista em agronegócio
Publicado em 30 de setembro de 2023 às 07h00.
A visão da sustentabilidade corporativa através das lentes das práticas ambiental, social e de governança (da sigla em inglês, ESG) entrou no radar estratégico corporativo, mas não é algo recente. Foi introduzida há quase 20 anos atrás, em 2004, através de um relatório intitulado “Quem se importa, vence” (“Who Cares Wins: Connecting Financial Markets to a Changing World”). A iniciativa foi liderada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e endossada por 20 instituições financeiras bancárias e não bancárias globais, entre as quais, o Banco do Brasil. O relatório já trazia à época a visão de que as empresas com melhor performance nesses aspectos podem aumentar o valor para o acionista, por exemplo, gerindo adequadamente riscos, antecipando ações regulatórias ou acessando novas oportunidades, ao mesmo tempo contribuindo para o desenvolvimento sustentável da sociedade.
É fato que, ao longo da última década, houve uma escalada dos riscos de natureza ESG, com destaque para o aumento da frequência e da intensidade dos chamados eventos climáticos extremos, tendo como pano de fundo a emergente “nova economia” que imprimiu mudanças intensas na dinâmica de negócios globalmente. A crescente interconectividade entre os riscos ESG e a intrínseca relação entre questões ambientais e sociais também trouxeram mais complexidade à gestão de riscos das empresas, em especial para as integrantes da cadeia de valor agroalimentar com elevada exposição ao mercado global. Para uma efetiva gestão de riscos neste novo ambiente de negócios não basta mais determinar apenas a probabilidade e a gravidade dos riscos; é vital analisar a interconexão e a velocidade em que se materializam.
Para o agronegócio global, as ameaças relacionadas às mudanças climáticas estão no topo da nova matriz de risco, correlacionadas com tópicos como escassez de água, degradação do solo e preservação de nutrientes, diminuição da biodiversidade, agricultura antieconômica e qualidade e acessibilidade ao alimento. Para o setor no Brasil, em particular, também são relevantes os riscos decorrentes de natureza geopolítica, dada a elevada dependência externa de fertilizantes e demais insumos importados pelo país, e regulatória, particularmente, o que tangem as exportações para a União Europeia, em um contexto eminente de comércio pautado por aspectos como exigências de produtos livre de desmatamento, mecanismos de ajustes de carbono nas fronteiras, e prevenção à “lavagem verde” (os chamados greenwashing) nos rótulos dos produtos.
Outro grupo de riscos correlacionados que não pode ser negligenciado pelo agronegócio são aqueles atrelados à mudança no comportamento do consumidor, à desconexão destes com os agricultores, assim como, à mídia adversa e reputação. Nesta “nova economia”, é fundamental entender os valores que pautam a decisão dos novos e emergentes compradores, como preocupações socioambientais, valorização do bem-estar animal, valorização do alimento como fonte de saúde e da nutrição, busca por qualidade e confiabilidade. E, para tanto, é importante se comunicar adequadamente como esse consumidor, atrelando aos produtos informações como procedência, balanço de emissões, entre outras; é preciso contar a narrativa da saúde e da imunidade desses alimentos, de forma a gerar confiança na sua qualidade.
A complexa matriz de risco imposta às empresas do agronegócio e a relevância do Brasil como exportador líquido de alimentos alertam para a necessidade de avanços rápidos na agenda ESG. A heterogeneidade da natureza e os diferentes portes econômicos das empresas do setor influenciam o nível de maturidade socioambiental e de governança. Em um espectro, ainda existem as empresas que têm dificuldade em estar em conformidade com a regulamentação e boas práticas ESG, sendo os passivos atrelados ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) um bom exemplo disso. À medida que as empresas aprimoram a gestão de riscos, a adequação à regulamentação e boas práticas torna-se mandatória. Em um estágio de maturidade mais avançado, o ESG passa a integrar a estratégia do negócio e ser uma alavanca de geração de valor para o acionista, partes relacionadas e para a sociedade.
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São inúmeras as avenidas de geração de valor atreladas à agenda ESG no agronegócio. “Antes da porteira”, representado pelas empresas do segmento de máquinas e implementos agrícolas e de insumos para a produção agropecuária, existem oportunidades em tecnologias e soluções ligadas à agricultura de precisão, digitalização, irrigação, descarbonização e, particularmente, no desenvolvimento de ampla gama de bioinsumos, com destaque para a biotecnologia. Já “dentro da porteira”, a agropecuária propriamente dita, a intensificação do uso de múltiplas tecnologias e de atividades como a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta sinaliza para o contínuo aumento da geração de valor sobre a mesma base de ativos; destaque especial para o os serviços ecossistêmicos remunerados, que consolidam a visão da multifuncionalidade ambiental, territorial e social da atividade, e, neste contexto, para as oportunidades atreladas à recuperação de pastagens degradadas.
Por fim, “depois da porteira”, a agroindústria e agrosserviços, o destaque são os biocombustíveis, em especial, o etanol, o biodiesel e o “diesel verde”, fundamentais dentro da estratégica de transição energética não apenas do Brasil mas também mundial. Atenção especial merece ser dada à redução de perdas e ineficiências na distribuição de produtos agropecuários e agroindustriais, para maximizar os esforços de crescimento sustentável de toda a cadeia de valor.
Em suma, a agenda ESG tem o potencial de trazer novos contornos para o agronegócio no Brasil, pautando e redirecionando a estratégia setorial e empresarial. Dada a interdependência e correlação de riscos emergentes para o setor, para que avanços aconteçam será fundamental uma nova arquitetura de governança entre todos os seus integrantes, em direção a uma atuação cada vez mais colaborativa e proativa. Avançar na agenda ESG significa trazer resiliência a uma cadeia de valor responsável por 25% do Produto Interno Brasileiro (PIB), em 2022, e por 27% da população ocupada no país no 1º trimestre deste ano, segundo a Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Isso significa destravar todo o potencial do agronegócio não apenas como exportador líquido de alimentos como também de sustentabilidade.