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Nouriel Roubini, o Dr. Catástrofe: "Para cada ameaça, há uma solução" (Win McNamee/Getty Images)
Editor ESG
Publicado em 6 de agosto de 2024 às 12h07.
Última atualização em 6 de agosto de 2024 às 13h26.
Inflação, deflação, globalização, desglobalização, juros altos, corte de juros, protecionismo, laissez-faire, populismo, tecnocracia, mudanças climáticas. A visão realista de Nouriel Roubini, o Dr. Catástrofe, pressupõe que mudanças são necessárias e inevitáveis, mas nunca tranquilas. Em palestra nesta segunda-feira, 5, para o evento Fronteiras do Pensamento, em São Paulo, o economista de origem turca e radicado nos Estados Unidos apresentou os argumentos de seu mais recente livro, Megatendências: Dez Tendências Perigosas que Ameaçam Nosso Futuro e Como Sobreviver a Elas. Por quase 2 horas, Roubini elencou motivos para desespero econômico e social de maneira direta e didática. E encerrou com uma mensagem de otimismo: “Para cada ameaça, há uma solução.”
Professor emérito de economia na Stern School of Business, da Universidade de Nova York, Roubini ganhou o apelido de Dr. Catástrofe ao prever, com exatidão, a crise financeira global de 2008 – nomeando, inclusive, sua causa, o estouro da bolha do subprime no mercado de hipotecas americano. Nos últimos anos, o economista com Ph.D. pela Universidade Harvard tem se dedicado ao estudo das maiores tendências que moldam a economia global, com ênfase nas dinâmicas geopolíticas, nos avanços tecnológicos e nas mudanças climáticas. O cenário imaginado por ele é complexo e negativista.
A humanidade, afirma, está presa em uma teia de riscos sistêmicos que perpassam todas as dimensões econômicas, das estruturas financeiras aos aspectos profundos da vida em sociedade. Financeiramente, o mundo pós-pandemia é quase uma versão de ponta-cabeça do que se viu até o final de 2019. Antes, os riscos eram hiperglobalização, deflação e estagnação. Hoje, se fala em desglobalização, inflação e estagflação (quando inflação e estagnação se unem). Preceitos econômicos indiscutíveis hoje são questionados. “Pré-covid, o dólar era supremo, a única moeda possível para reservas internacionais. Hoje, todos falam de desdolarização”, aponta Roubini.
Essa mudança radical de cenário gera ansiedades. Antes da pandemia, os bancos centrais se engajaram em uma série de políticas monetárias não convencionais. Foi o tempo do quantitative easing, credit easing, e das taxas de juro negativas. Esse tempo acabou. Os juros subiram, as políticas monetárias apertaram e honrar as dívidas públicas ficou mais difícil para diversos governos. O preço das commodities disparou, assim como a inflação, e os mercados entram em parafuso a qualquer sinal de crise – vide o pânico generalizado espalhado a partir da bolsa de Tóquio nesta mesma segunda-feira.
Sobre essa reorganização forçada da estrutura financeira global, Roubini acrescenta as camadas geopolítica e socioambiental. As rivalidades estão afloradas, e se multiplicam os conflitos. A Rússia invadiu a Ucrânia, Israel e Irã estão à beira de uma guerra e as duas maiores potências globais, China e Estados Unidos, podem se confrontar a qualquer momento pela questão de Taiwan. São componentes que pressionam ainda mais os custos de produção e geram inflação. E tem a guerra contra as mudanças climáticas, muito mais custosa e complicada.
Neste aspecto, Roubini vai na contramão do discurso mais otimista difundido pelos defensores da nova economia e do modelo ESG de fazer negócios. “Há um trade-off entre crescimento econômico e descarbonização”, afirma. A ideia de que fazer a transição para uma economia de baixo carbono induz o crescimento em razão dos investimentos necessários está na base do pensamento do capitalismo de stakeholder. Roubini, no entanto, enxerga um descompasso. A velocidade de adoção de energias alternativas, como eólica e solar, não compensa a pressão pela queda nos investimentos em exploração de petróleo. O resultado é um aumento no custo da energia e, mais uma vez, pressão inflacionária.
O economista chega, por fim, à inteligência artificial. E o que ele vê é uma legião de desempregados, cuja qualificação é insuficiente para competir com sistemas automatizados, que já precisam lidar com um cenário de pressão inflacionária, redução do poder de compra, aumento da desigualdade. Naturalmente, haverá a necessidade de fortalecer políticas de bem-estar social, complicando ainda mais o cenário fiscal de muitos países, especialmente os emergentes e os dependentes de commodities importadas. Para qualquer direção que se vá, o ciclo da catástrofe se fecha, e a única certeza é de que o futuro não se parecerá em nada com o passado.
Há esperança, no entanto. Nenhum desses riscos é inevitável, e as soluções para as megatendências são conhecidas. A humanidade só precisa escolher o caminho da cooperação e trabalhar para evitar o desastre. Pode parecer utópico, e Roubini nomeia essas ideias especificamente de utopias, mas o economista verifica na juventude um espírito de luta e a consciência de que, no final do dia, são eles que terão de lidar com as consequências de qualquer catástrofe. O surgimento de novas lideranças políticas será a força motriz de uma correção de rota.
Roubini não é de dourar a pílula. Sua fala assertiva e a maneira rápida de responder às perguntas da plateia carregam suas palavras de segurança. Ele não tem a energia de um profeta do apocalipse. É um cientista, baseado em dados e evidências, a prever a destruição do mundo conhecido com objetividade e precisão. Roubini, no entanto, não se considera um pessimista, e sim um realista. Talvez o que falte para a sociedade reagir e deixar de paralisar diante de riscos tão evidentes seja exatamente isso: uma boa dose de realidade e ações concretas.