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Gravidade: "Uma crise muito séria já se estabeleceu no Pantanal", analisa Côrtes (Michel Alvim - SECOM / MT/Divulgação)
Agência
Publicado em 10 de setembro de 2024 às 07h30.
Na última semana, a ministra Marina Silva, em audiência no Senado, disse que poderemos perder o Pantanal até o final do século, segundo pesquisas científicas. Ela afirmou que, a cada ano, a cobertura vegetal da região diminui devido ao desmatamento e às queimadas, o que prejudica seriamente a bacia hidrográfica. Durante a audiência, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima disse ainda que é preciso aumentar cada vez mais os esforços e recursos para lidar com as consequências das mudanças climáticas.
O professor Pedro Luiz Côrtes, do Instituto de Energia e Ambiente da USP, comenta: ”Os indicadores são cada vez mais evidentes de que uma crise muito séria já se estabeleceu no Pantanal. Nós estamos perdendo realmente o Pantanal a olhos vistos”.
Côrtes, na verdade, discorda da ministra. Mas não para aliviar a situação: o professor acredita que Marina Silva foi otimista e que, na sua visão, o Pantanal poderia acabar muito antes. “Baseado em um levantamento do MapBiomas, que mostra a redução da superfície de água no Pantanal, desde 1985 até o ano passado, eu digo que a ministra foi comedida nas suas observações. Porque, pelo avanço da degradação, da redução da quantidade de água no Pantanal, eu digo que na metade deste século ou por volta de 2060, já não tenhamos mais o Pantanal como um bioma.”
A característica marcante do Pantanal, de ser uma planície alagável, intercalando períodos de cheia com de seca, está em risco de acabar. Mesmo na seca, o bioma ainda mantém seus espelhos d’água, mas que diminuem de maneira acelerada. “A redução da quantidade de água é muito significativa nos últimos 40 anos e se acentuou neste século”, diz Côrtes.
Essa redução é causada por motivos como o desmatamento da Amazônia, que tem reduzido as chuvas que ajudam a irrigar o Pantanal, e do Cerrado, o que compromete o abastecimento de rios e nascentes importantes. O caso da Amazônia é o fenômeno dos rios voadores, em que a umidade da floresta atravessa o Brasil de Norte a Sul e precipita ao longo do caminho. Com menos área florestada, porém, diminui também o potencial desse ciclo hídrico.
Já o Cerrado é até mais preocupante, pois o problema segue sem perspectiva de melhora: “O Cerrado, hoje, está assumindo esse protagonismo negativo em termos de desmatamento porque a fiscalização na Amazônia aumentou, então, houve uma mitigação desse desmatamento ilegal”, afirma o professor.
“No Cerrado tem vários rios importantes que irrigam bacias do Nordeste, do Norte, do Sudeste e essas nascentes estão ficando comprometidas, ou seja, o rio no seu nascedouro já nasce com pouca água, com uma redução do volume de água, e isso vai impactar as bacias que são abastecidas por esses rios. Então, nós temos esse desmatamento do Cerrado repercutindo em outras bacias, repercutindo no Pantanal, e isso é evidente pelo levantamento do MapBiomas. Nós precisamos não só zerar o desmatamento, mas começar a recuperação de áreas degradadas”, explica ele.
Esse cenário também cria um ciclo vicioso, pois a diminuição dos níveis de água afeta o potencial energético das usinas hidrelétricas. Gerando menos energia pela água, a alternativa usada pelo governo é acionar as termoelétricas, que emitem muito carbono. Ao emitir muito carbono, contribui-se para o aquecimento global, que também piora a situação. A conclusão é que, se nada for feito, o ciclo de desastre tende a piorar de maneira contínua e acelerada.
Segundo Côrtes, será preciso uma clara e efetiva ação humana para que a situação mude. “Eu não acredito que o Pantanal atualmente tenha condições de se recuperar por conta própria. Nós precisamos não só zerar o desmatamento, mas precisamos começar a recuperar as áreas degradadas na Amazônia”, diz ele, complementando que o mesmo vale para o Cerrado.
Uma medida seria o mercado de carbono, em que uma empresa compra créditos de carbono negativo para compensar suas ações. Mas a proposta anda a passos de tartaruga, e atualmente só está previsto o mercado voluntário, como doação, e não como crédito que serviria para as empresas.
“O mercado certificado está na boca de caixa do Congresso para a aprovação da lei que regula o mercado de crédito de carbono. Isso está para ser votado desde o ano passado, era para ser entregue isso para a COP30. Nós vamos entrar numa nova COP e esse mercado não foi regulado. Isso permitiria que investimentos fossem realizados de maneira certificada, de maneira auditada, para permitir a recuperação de áreas degradadas, e isso consequentemente retiraria carbono da atmosfera. Mas nunca entra na pauta para aprovação [pelo Congresso]", afirma o professor.