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Edu Lyra e As Maras: empresa de vendas diretas espera alcançar 25 mil vendedoras até o final de 2024 - foto: Malu Monteiro (Gerando Falcões/Divulgação)
Editor ESG
Publicado em 26 de novembro de 2023 às 09h40.
Última atualização em 26 de novembro de 2023 às 11h15.
“Elas já são digitais, fazem tudo pelo WhatsApp”, comenta, animado, Edu Lyra. O empreendedor social explicava à EXAME, ao lado de Mayara Lyra, sua esposa, como funcionará a empresa de venda direta que a Gerando Falcões, organização social criada pelo casal, lança nesta semana. A As Mara promoverá, esperam os seus fundadores, uma verdadeira revolução capitalista nas favelas, utilizando o recurso mais abundantes desses locais: capital humano.
A ideia é simples e complexa ao mesmo tempo, como tudo que Lyra coloca em movimento. A partir do Bazar da Gerando Falcões, projeto comandado por Mayara, a empresa irá organizar sacolas com produtos diversos, que serão distribuídas às Maras para serem comercializadas na vizinhança, de modo semelhante ao que fazem grandes companhias de venda direta, como Boticário, Natura, Tupperware etc. O business ganha complexidade à medida que se avança na sua estrutura financeira.
Lyra começa a explicar como será dividida a receita – que a reportagem da EXAME falha em anotar corretamente. As Maras ganham 30% de comissão, outros 20% remuneram a ONG parceira, que ficará responsável por recrutar as vendedoras. Os 50% que sobram voltam para a Gerando Falcões para o pagamento de impostos, custos e para reinvestir no negócio social -- conceito, aliás, que Lyra faz questão de enfatizar. "Quero muito popularizar essa ideia no Brasil", afirma. Dessa conta, o mais importante a se relatar é que a maior parte fica com a vendedora, uma equação cujo resultado deixaria de cabelo em pé um executivo da Natura, do Boticário ou da Tupperware.
O objetivo do negócio, no entanto, não é apenas o lucro, é retirar essas mulheres da vulnerabilidade social de forma permanente, sem depender de filantropia e, ainda, gerando dinheiro para quem se dispuser a entrar na parceria, incluindo a Tupperware, o Boticário e a Natura. Em sua simples complexidade, o projeto se apodera do conceito de microcrédito, notabilizado pelo economista e banqueiro bengali Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, para financiar a distribuição das sacolas às Maras.
Na prática, nem a vendedora, nem o fornecedor do produto, precisarão desembolsar um centavo para entrar no negócio. A expectativa é chegar a 25 mil Maras até o final de 2024, e meio milhão num prazo de até cinco anos.
Um aspecto importante da empresa é o foco nas mulheres. Mayara Lyra, c0-fundadora da Gerando Falcões, destaca o quanto é importante se concentrar no público feminino quando se pensa em projetos de eliminação da pobreza, afinal, elas são maioria entre chefes de família no Brasil, especialmente nas camadas de baixa renda. A EXAME questiona se As Maras já não seriam associadas de outras empresas de venda direta, o que é possível, porém, a empresa dos Lyra pretende trabalhar com mulheres em condição de vulnerabilidade social, como as egressas do sistema prisional, que não possuem renda, ou perfil, para ingressar nas redes de venda direta já estabelecidas. Isso será viabilizado pelo microcrédito.
No início, as sacolas chegarão às Maras com produtos do Bazar, que são fruto de doações. À medida que as parcerias forem formalizadas, a ideia é que entrem no estoque bens de consumo diversos. Segundo Edu, neste primeiro momento, é esperada uma renda de 800 reais para a vendedora, por sacola. A ideia é chegar a 3.000 reais.
Os produtos usados, no entanto, não serão abandonados, isso porque o negócio abarca outro conceito econômico badalado, o de economia circular. Grandes varejistas de moda, por sinal, já adotam a ideia da sacola para viabilizar projetos de economia circular. Casos da Renner, dona do brechó online Repassa; da Arezzo, que tem a Troc; e da C&A, que opera o Movimento ReCiclo. A dificuldade desses projetos é ganhar escala, já que, nas classes mais abastadas, é preciso criar a cultura da compra e venda de produtos usados.
Lyra não tem esse problema, já que, na baixa renda, essa cultura é bastante enraizada. Com isso, ele conta com um universo de quase 6 milhões de domicílios em favelas, que abrigam cerca de 18 milhões de pessoas, segundo o mais recente Censo, cuja capacidade de consumo ultrapassa os 200 bilhões de reais, de acordo com pesquisas feitas pela Data Favela, empresa de pesquisas especializada no segmento.
As Maras é a resposta da Gerando Falcões para o que Edu Lyra considera uma crise na filantropia. Ele afirma que, considerando o número de ONGs no Brasil, e o volume de doações efetuado nos últimos anos, chega-se a um resultado de 30 mil reais anuais por organização, um valor irrisório frente aos desafios sociais do país. A solução, diz o empreendedor, é hackear o capitalismo, e usar conceitos econômicos e estratégias de negócios a favor do social.
O que Lyra oferece é uma oportunidade para o topo de ganhar com a base, considerando um significado mais holístico de ganho, em que o capital é remunerado, a pobreza é reduzida, o pobre tem sua qualidade de vida elevada e, de quebra, os ricos desfrutam de seus privilégios em um ambiente de maior segurança e serviços mais sofisticados. A Accenture, parceira de Lyra no projeto Favela 3D, focado em infraestrutura, parece ter compreendido essa mecânica, e está junto também no As Maras, auxiliando com sua consultoria.
A primeira parceria das Maras, aliás, está para sair. Tudo indica que será com o WhatsApp, o aplicativo de mensagens da Meta (dona do Facebook). Will Cathcart, CEO global da empresa, visitou a Favela dos Sonhos, na Grande São Paulo, onde será iniciado o projeto, e teria ficado maravilhado com a ideia. Ainda mais ao saber que As Maras utilizam massivamente o aplicativo, inclusive para realizar transações. A expectativa é de usar a plataforma para pagamentos digitais, eliminando o dinheiro físico. Como diz Lyra, suas vendedoras já são digitais. Só falta serem reconhecidas e empoderadas.