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Na Amazônia, projeto alia tecnologia e conservação de patrimônios arqueológicos

Eduardo Neves, arqueólogo à frente de "Amazônia Revelada" falou à EXAME sobre a iniciativa que recebeu mais de R$ 9 milhões de investimento da National Geographic e agora busca novos parceiros

Eduardo Neves, do projeto Amazônia Revelada: "Queremos usar a arqueologia como uma ferramenta de proteção de áreas ameaçadas" (Divulgação)

Eduardo Neves, do projeto Amazônia Revelada: "Queremos usar a arqueologia como uma ferramenta de proteção de áreas ameaçadas" (Divulgação)

Sofia Schuck
Sofia Schuck

Repórter de ESG

Publicado em 16 de janeiro de 2025 às 08h00.

Última atualização em 16 de janeiro de 2025 às 10h00.

"Precisamos pensar a Amazônia como um lugar histórico, não só natural. A floresta é um legado dos povos do passado e patrimônio biocultural", disse em entrevista à EXAME, Eduardo Góes Neves, arqueólogo e professor e diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP).

Há mais de 30 anos desvendando os mistérios do bioma, Eduardo se dedica a arqueologia para estudar culturas e costumes de civilizações antigas e compreender aspectos culturais, sociais, econômicos e tecnológicos. 

Em 2021, a National Geographic o procurou, após ter lançado uma nova modalidade de financiamento para proteger locais históricos ameaçados pelo mundo e o fez 'a pergunta de milhões': "Se você tivesse dinheiro, o que faria"?. Foi esta provocação que motivou Eduardo a criar o projeto "Amazônia Revelada", que tem como missão localizar sitios arqueológicos em áreas de floresta ao longo do arco do desmatamento e fazer seu registro como patrimônio cultural do Brasil. 

Pela legislação brasileira, ao registrar estes territórios, se adiciona uma camada extra de proteção"Nos últimos 40 anos, perdemos mais de 20% da floresta. Eu sou testemunha de parte desta história de destruição que começou há 500 anos atrás. Nossa ideia é usar a arqueologia como uma ferramenta de preservação, além de criar um vínculo com as populações que vivem ali", contou. 

Na primeira fase com início em 2023, a iniciativa recebeu um investimento de R$ 9 milhões e utilizou a tecnologia Lidar (light detecion and ranging) -- um sensor que pode voar em um helicóptero, avião ou drone -- para sobrevoar as terras e realizar o mapeamento. Entre os parceiros, estão o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), Museu da Amazônia, Instituto Arapyau, Mapbiomas, Instituto Socioambiental e outras organizações. 

Segundo Eduardo, a tecnologia apresentou resultados maravilhosos, mas é bastante custosa e ainda pouco escalável. Na prática, é como se fosse um raio laser acoplado em um avião ou outro objeto voador. Ao sobrevoar, emite milhares de ondas por segundo: a maior parte bate na copa das árvores, mas outra permite que os pesquisadores vejam a topografia das superfícies encobertas pela vegetação. 

Até então, já foram 4 áreas de 400 mil km² mapeadas. Em 2025, o projeto entra em uma nova fase de análise e processamento dos dados coletados -- e busca novos parceiros no Brasil.

"Nem sempre a lei impede a destruição do patrimônio, mas é uma maneira de no mínimo dificultar. A ideia também é aumentar a conexão das populações com seus territórios e dar um sentido histórico mais profundo", destacou. 

Para desbravar e estudar o território amazônico, o projeto pediu permissão e entendeu o interesse dos seus grandes guardiões: os povos indígenas. Isto porque Eduardo acredita fortemente na arqueologia como o resgate de um conhecimento tradicional e ancestral.

"Não é um processo linear, mas sim uma troca muito bacana. Serve como uma espécie de gatilho para lembranças e memórias que estão ali, mas muitas vezes ficam esquecidas. É uma questão de identidade, de resgatar o que se perde.", complementou.

Em um ano marcado pela Conferência do Clima da ONU (COP30) em Belém, no Pará, o cientista acredita que a solução para os problemas ambientais está justamente nos territórios, suas populações e na aliança com acadêmicos e ativistas. Mirando o futuro, ele deseja que o projeto tenha vida longa e vire um programa maior de mapeamento. 

Visão colonialista e quebra de mitos

Na Amazônia, esta história é construída pelos povos originários: sua presença começa há pelo menos 13 mil anos. Em 1492, quando Cristóvão Colombo chegou às Antilhas, já haviam entre 8 e 10 milhões de indígenas em toda a região amazônica. Em Santarém, no Pará, Eduardo ressalta existir um solo muito escuro que conhecemos como 'terra preta' e está cheio de fragmentos de cerâmicas produzidas por quem já vivia ali há pelo menos 800 anos. 

O arqueólogo conta que houve uma grande mudança na visão que se tinha sobre seu passado. Até os anos 90, a própria ciência entendia a Amazônia como um lugar marginal e periférico, muito moldado pela visão colonialista.

"Quando passamos a entender que a floresta que conhecemos foi formada por estes povos e é um centro importante de cultivo de plantas e cerâmicas antigas, aconteceu uma virada de chave. Aquela imagem de um lugar atrasado, que até hoje é muito forte no Brasil, a arqueologia ajudou a mudar", ressaltou Eduardo.

Segundo ele, é preciso mostrar que a floresta não é este espaço esvaziado, mas sim ocupado e moldado por muitas culturas e diversidades. Antigamente, por exemplo, não se sabia que estruturas de terras ou estradas eram construídas pelas próprias comunidades. E foi justamente esta imagem de uma região esvaziada que justificou sua destruição pelo desmatamento. 

“A imagem pessimista que se tinha no passado neste território, também reflete sobre o futuro. E a grande mudança que apostamos é em quebrar estes mitos e levar a novas formas de pensar”, concluiu.

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