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Mudança climática, seca e crime: a combinação que incendeia a América do Sul

O país mais afetado é o Brasil, onde as chamas devastaram 40,2 milhões de hectares de vegetação em 2024, muito acima da média anual da última década, segundo Copernicus

Prevenção: "Todos querem contratar milhares de bombeiros, comprar aviões. Tudo bem, mas é muito pouco e chega tarde demais", critica pesquisadora (AFP Photo)

Prevenção: "Todos querem contratar milhares de bombeiros, comprar aviões. Tudo bem, mas é muito pouco e chega tarde demais", critica pesquisadora (AFP Photo)

AFP
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Agência de notícias

Publicado em 27 de setembro de 2024 às 15h38.

Última atualização em 27 de setembro de 2024 às 17h10.

Uma onda desenfreada de incêndios florestais arde na América do Sul, onde os efeitos da mudança climática, das secas históricas e das más práticas no campo alimentam uma crise que já deixou mortos, cidades cobertas por fumaça e perdas avaliadas em milhões. Esta série de incêndios é "completamente diferente" da que devastou florestas no Brasil, Peru e Bolívia em 2019, que desencadeou protestos mundiais, alerta a ecologista Erika Berenguer, pesquisadora das universidades de Oxford e Lancaster.

Na ocasião, as chuvas ajudaram a conter os focos iniciados sobretudo por agricultores que apoiavam o ex-presidente de extrema direita Jair Bolsonaro.

Agora, quase todo o continente "vive uma seca severa", diz Berenguer à AFP. Até mesmo na Amazônia, "uma das regiões mais úmidas do planeta (...) a paisagem se torno muito inflamável devido à mudança climática", alertou.

A maior floresta tropical do mundo registra seus piores incêndios em quase duas décadas, segundo o observatório europeu Copernicus.

 Qual a dimensão da crise?

Entre 1º de janeiro e 26 de setembro, foram contabilizados mais de 400.000 incêndios em toda a região, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). "Em 9 meses já superamos o número de focos registrados em todo [o ano de] 2023", segundo a pesquisadora.

O país mais afetado é o Brasil: as chamas devastaram 40,2 milhões de hectares de vegetação em 2024, muito acima da média anual da última década (31 milhões), segundo Copernicus. A imprensa registrou a morte de cerca de dez bombeiros devido aos incêndios.

O Equador, que na quarta-feira retirou uma centena de famílias ameaçadas pelas chamas na capital, e o Peru, com 21 mortes provocadas pelo fogo e a fumaça, declararam estado de "emergência" em várias províncias.

Já a Argentina tem focos ativos na província de Córdoba (centro) e na Colômbia, as chamas atingiram principalmente o departamento de Huila (sudoeste).

Qual a causa dos incêndios?

Especialistas e autoridades estimam que uma combinação entre secas agravadas pela mudança climática e ações humanas teriam sido responsáveis pelos incêndios.

"É um claro exemplo da mudança climática. Se alguém pensava que ela não existia, olhem, aqui está", declarou a ministra do Meio Ambiente do Equador, Inés Manzano.

No Peru e na Bolívia os incêndios ocorrem em meio à temporada de queimada de terras para o cultivo, uma prática tradicional dos agricultores que não é criminalizada.

Em meio à pior seca na história recente no Brasil, muitos incêndios ficaram fora de controle na Amazônia, onde o fogo é uma "ferramenta" usada por pequenos e grandes proprietários do agronegócio para transformar a floresta em pastagens ou lavouras.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva considera que muitos desses focos têm origem "criminosa".

Também há sinais de piromania. Um jovem de 19 anos foi preso sob suspeita de ter provocado um incêndio com combustível em Quito, onde ocorreram cerca de trinta incêndios florestais.

A Argentina e o Brasil também prenderam dezenas de pessoas suspeitas de iniciar conflagrações.

Como afetam a população?

São Paulo, a maior cidade da América Latina, esteve no início de setembro no topo da lista de cidades mais poluídas do mundo, segundo a empresa suíça IQAir, devido à fumaça resultante dos incêndios.

Boa parte do Brasil segue envolta nesta nuvem de fumaça tóxica, que se estendeu aos países vizinhos e chegou a Montevidéu e Buenos Aires, onde provocou um fenômeno conhecido como "chuva negra".

Com índices de qualidade do ar que ultrapassam os níveis recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), muitos moradores de cidades brasileiras relatam doenças respiratórias e sintomas como ardência nos olhos.

O ar da cidade boliviana de Santa Cruz está em uma condição "extremamente ruim" e as autoridades de saúde recomendaram o uso de máscaras.

Os impactos também são sentidos na economia: as perdas no setor do agronegócio foram avaliadas em R$ 14,7 bilhões entre junho e agosto, em sua maioria nos cultivos de cana-de-açúcar que foram atingidos pelas chamas, segundo o sindicato.

No Equador, mais de dois meses sem chuvas deixaram o país em um "déficit hidráulico" e sob o racionamento de energia. Quase 45.000 cabeças de gado morreram.

O que os governos estão fazendo?

Milhares de bombeiros e militares foram mobilizados. Espanha e Venezuela, um dos poucos países da região que não foi atingido pelas chamas, enviaram especialistas à Bolívia.

"Todos querem contratar milhares de bombeiros, comprar aviões. Tudo bem, mas é muito pouco e chega tarde demais", critica Berenguer.

"Precisamos prevenir os incêndios, porque uma vez que ganham força, são muito difíceis de combater", acrescenta a especialista, ao defender a contenção do desmatamento e a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE).

Segundo Berenguer, "a maioria dos modelos climáticos mostra que estes eventos serão cada vez mais intensos e frequentes".

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