Michael Bloomberg e Bill Gates em Nova York: políticos não vão resolver o problema e o setor privado terá de investir muito e rápido (Rodrigo Caetano/Exame)
Rodrigo Caetano
Publicado em 22 de setembro de 2022 às 11h39.
Última atualização em 22 de setembro de 2022 às 12h03.
De Nova York
“Se você quer ficar deprimido, olhe para a produtividade da agricultura”, afirmou Bill Gates, o fundador da Microsoft. O bilionário conversava, durante evento organizado pela Bloomberg Philanthropies, com Christina Figueres, co-presidente do conselho do The Earthshot Prize, prêmio lançado há dois anos pelo Príncipe William, em conjunto com Sir David Frederick Attenborough, biólogo, escritor e apresentador da BBC. Na África, diz Gates, até 2030 a produção de grãos cairá 25%, e 75% nas duas décadas seguintes.
Há muito tempo que a produtividade agrícola global só crescia. Mais de um século, na verdade. Antes que o acusem de enveredar por uma versão atualizada da teoria malthusiana, Gates sabe que a tecnologia pode reverter o quadro. “Os africanos não têm boas sementes”, disse o homem que popularizou o Windows. “Mas, hoje, temos a genética e a inteligência artificial.” A inovação e a inventividade humana podem, mais uma vez, salvar a lavoura.
O problema é que, como diz a canção: quem tem fome tem pressa. Quanto tempo uma população de centenas de milhões de pessoas pode esperar até que a elite que controla o capital e os meios de produção desenvolvam a solução para a falta de comida? A sabedoria popular americana tem uma frase perfeita para descrever a situação: timing is a bitch -- algo como “o tempo é sacana”, numa versão amenizada.
Gates usa o Paquistão como exemplo. Enchentes históricas no país este ano estão causando uma crise humanitária de grandes proporções, cujo custo deve ultrapassar 10 bilhões de dólares. Ao mesmo tempo, o desastre climático provoca o deslocamento de grandes massas populacionais, gerando uma crise migratória. Tudo isso em uma região já afetada por conflitos e grupos radicais. É a receita do desastre.
Anfitrião de Gates, Michael Bloomberg acredita que o assunto não está recebendo a atenção devida. Que fique claro, o problema identificado por Gates é consequência das mudanças climáticas. “A parte boa”, diz Bloomberg, “É que se você deixa de poluir em um lugar, o mundo todo se beneficia. A ruim é que se você polui, o mudo inteiro sofre.”
A equação envolve muitas variáveis. As emissões de carbono, resultantes da ação humana, interferem no clima. Mudanças climáticas provocam instabilidade e imprevisibilidade. Eventos raros, como grandes secas ou inundações, se tornam frequentes. Rupturas na cadeia de alimentação geram crises humanitárias, que evoluem para crises migratórias e políticas. Zerar as emissões de carbono resolve a equação, é verdade. Porém, há outra variável: o tempo. E o tempo, como dizem os americanos, é sacana.
“O aquecimento global não acaba imediatamente após zerar as emissões”, explica Gates. É um desafio existencial. A Terra, segundo a ciência, tem mais de 4 bilhões de anos. Os seres humanos surgiram na África há 2,5 milhões de anos. A revolução industrial começou há 200 anos e mais da metade da queima de combustíveis fósseis se deu nos últimos 30 anos. O Acordo de Paris, aprovado por 195 países há 7 anos, estabeleceu a meta de manter o aquecimento global abaixo de 2 graus Célsius e, para isso, o mundo precisa zerar as emissões até 2050. Agora explica isso para o agricultor paquistanês que perdeu toda a colheita. “Falamos de 2050, mas estou preocupado com 2023”, disse Bloomberg.
Bloomberg não espera que os políticos resolvam o problema. Para sair dessa situação, o setor privado deve investir enormes quantias na transição energética e em medidas de adaptação climática. Mas se o esforço financeiro é gigantesco, em compensação, o tempo é curto. O futuro da humanidade depende de uma transformação econômica profunda, de larga escala e em tempo recorde.
O caminho está traçado. Gates elencou diversas inovações que podem tirar a economia desse nó evolutivo, entre elas o hidrogênio verde, a fusão nuclear e outras modalidades de energia limpa. Para a questão da produção de alimentos, ele propõe o desenvolvimento da agricultura na África e na Ásia, com o desenvolvimento de técnicas adaptadas à realidade local e que já considerem os efeitos das mudanças climáticas.
Daí é uma questão de direcionar recursos para os lugares certos. Há 10 anos, por exemplo, Bloomberg lançou uma iniciativa para financiar o fechamento de um grupo de usinas a carvão nos Estados Unidos. Conseguiu acabar com 68% delas. Agora, ele promete ir atrás da indústria petroquímica. E nenhum governo irá escapar de ter de montar estruturas de ajuda emergencial aos mais vulneráveis, como se viu na pandemia. A vantagem de ser um bilionário é que, se alguma coisa te tira o sono, dá pra mudar.