ESG

Metade dos combustíveis fósseis poderá ser inútil em 2036, diz estudo

Cientista que liderou pesquisa alerta que transição energética poderá trazer grande instabilidade e até provocar uma crise financeira como a de 2008

Pesquisa foi publicada pela revista científica Nature (Sergio Moraes/Reuters)

Pesquisa foi publicada pela revista científica Nature (Sergio Moraes/Reuters)

AB

Agência Brasil

Publicado em 5 de novembro de 2021 às 15h34.

Última atualização em 5 de novembro de 2021 às 15h44.

Cerca de metade dos combustíveis fósseis do mundo poderá ser desnecessária e produzir muito pouco lucro dentro de 15 anos, devido à transição energética. Um novo estudo revela, no entanto, que os países que começarem mais cedo a desativar o uso desses combustíveis poderão conseguir reduzir algumas das perdas. Ou seja, a prevalência de energias mais limpas no mercado deverá ser benéfica para a economia de alguns países e irá compensar as perdas para a economia global. A transição, porém, pode trazer grande instabilidade e até provocar uma crise financeira como a de 2008, alertam os especialistas.

Estudo publicado nessa quinta-feira, 4, na revista Nature mostra que metade dos ativos de combustíveis fósseis no mundo pode tornar-se desnecessária dentro de 15 anos.

As empresas ligadas a esse tipo de exploração poderão ficar na posse de “ativos ociosos”: infraestrutura, terrenos, fábricas e investimentos. O valor desses combustíveis fósseis poderá cair ao ponto de já não ser possível às empresas lucrar de nenhuma forma.

Jean-François Mercure, da Universidade de Exeter, principal integrante do trabalho, diz que a mudança para a energia limpa irá beneficiar a economia mundial em geral, mas deve ser tratada com cautela para evitar colapsos locais e regionais, que provocariam uma possível instabilidade em nível global.

“Na pior das hipóteses, as pessoas vão continuar a investir em combustíveis fósseis até que, de repente, a procura que esperavam vai deixar de existir, e as empresas perceberão que o que têm em sua posse não vale nada. Podemos ter uma crise financeira à escala da crise de 2008”, alerta o coordenador.

Mercure destaca o impacto negativo para cidades dependentes da exploração de petróleo, como Houston por exemplo, que poderão ter o mesmo destino de Detroit com o declínio da indústria automóvel nos EUA, caso a transição não seja cuidadosamente gerida.

O estudo prevê uma mudança geopolítica significativa com a queda na procura dos combustíveis fósseis, porque os fluxos de investimento atuais e os compromissos dos governos para atingir a neutralidade carbônica até 2050 fazem com que a energia renovável vá se tornando gradualmente mais eficiente, mais barata e estável.

Por outro lado, os combustíveis fósseis terão maior volatilidade de preços. Muitos ativos de carbono, como reservas de petróleo, de carvão, ou as respectivas infraestruturas, vão deixar de produzir valor para os proprietários.

O estudo prevê que as perdas sejam mais evidentes em locais remotos ou onde a exploração e extração das matérias é mais difícil e desafiadora. Nesses locais, a viabilidade econômica da extração dos recursos irá perder-se mais rapidamente com a desvalorização dos mesmos. A pesquisa cita o exemplo da extração de areias e xistos betuminosos ou explorações petrolíferas no Mar Ártico ou em águas profundas.

A Noruega, o Canadá, os Estados Unidos, a Rússia ou o Brasil são considerados alguns dos principais perdedores, a menos que se diversifiquem rapidamente diante da dependência de combustíveis fósseis.

Nesse cenário, os países que mais ganham são os atuais importadores de petróleo, gás e carvão, como a União Europeia, o Japão e a Índia, por exemplo.

Para esses, de acordo com o estudo, a transição econômica trará independência energética e vantagens econômicas, ao passarem a investir o dinheiro anteriormente utilizado na compra de combustível ou em energias renováveis, modernização de infraestruturas e criação de empregos.

Metas climáticas

Outro estudo, do Instituto Europeu para a Política Ambiental (IEEP, na sigla original) e do Instituto Ambiental de Estocolmo (SEI), mostra que as emissões de dióxido de carbono de 1% das pessoas mais ricas do mundo deverão aumentar 30 vezes mais do que o previsto para se conseguir limitar a subida das temperaturas a 1,5 grau Celsius. Para os pesquisadores, os governos têm de "restringir o consumo de luxo de carbono", especialmente relacionado a jatos particulares, megaiates e viagens ao espaço. "A demora em fazê-lo custará vidas", alerta o estudo.

De acordo com os objetivos do Acordo de Paris, cada pessoa na Terra deveria reduzir as emissões de carbono a uma média de 2,3 toneladas até 2030, cerca de metade do valor atual.

No entanto, 1% da população — que equivale, aproximadamente, ao número de habitantes da Alemanha — está a caminho de emitir 70 toneladas de CO2 por pessoa a cada ano. Isso se a tendência de consumo continuar a aumentar, em vez de regredir.

Segundo o trabalho, esse índice da população será responsável por 16% do total de emissões de carbono até 2030. Em 1990, eram responsáveis por 13%.

Ao mesmo tempo, os 50% mais pobres do planeta vão emitir cerca de uma tonelada de CO2 por pessoa anualmente até o final da década.

“Uma pequena elite parece ter um livre passe para poluir”, criticou Nafkote Dabi, que liderou o estudo.

Tim Gore, diretor do IEEP, afirmou que a pesquisa revela como a luta para atingir 1,5 grau não está sendo dificultada pela maioria das pessoas no mundo, mas sim pelas emissões excessivas dos cidadãos mais ricos.

Os cientistas alertam que até o total de emissões produzidas pelos 10% mais ricos pode ser suficiente para exceder o limite necessário para que, até 2030, a meta de 1,5 grau seja cumprida — independentemente do carbono emitido pela restante fa população.

“Para travar as emissões de CO2 até 2030, é necessário que os governos estabeleçam medidas concretas para os mais ricos. As crises do clima e da desigualdade devem ser combatidas em conjunto”, considerou Tim Gore.

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