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Fórum global de favela desafia a lógica e valoriza a diversidade

Celso Athayde, fundador da Central Única das Favelas, escreve experiência no Cazaquistão e outros países

Celso Atahyde (ao centro), em conferência no Cazaquistão (Celso Athayde/Divulgação)

Celso Atahyde (ao centro), em conferência no Cazaquistão (Celso Athayde/Divulgação)

Celso Athayde
Celso Athayde

CEO da Favela Holding

Publicado em 12 de maio de 2024 às 11h20.

Quando comecei essa saga de viajar para 41 países e organizar cerca de 80 conferências pensando no G20, eu sabia que seria cansativo e apaixonante. O que eu não sabia é que descobriria que as diferenças culturais e linguísticas eram tão gritantes.

Uma coisa é você viajar para um determinado lugar a passeio, outra é mergulhar em tão pouco tempo em tantas vidas e sonhos. Mexer com tantos interesses e objetivos, sejam eles coletivos ou individuais. De toda forma, as próximas lideranças do Brasil terão menos trabalho quando decidirem fincar suas bandeiras em outros continentes um dia. Já terei errado tudo ou quase tudo por eles.

Essa viagem para o Uzbequistão, Rússia e Cazaquistão é tão surreal que até parece mentira. A mentira é ainda mais aproximada quando penso que estou aqui para fazer o lançamento de conferências de favelas que ocorrerão ao longo dos próximos três meses até chegarmos ao G20 no Rio de Janeiro.

Mas como se não bastasse, a loucura é ainda maior quando chego aqui e as pessoas que fazem parte da CUFA, que são donas da CUFA, são apaixonadamente parte de um sonho que iniciei em uma salinha em Madureira, no Rio de Janeiro, e sequer sabia para onde ia. Para ser bem franco, só mudou o tamanho e ainda não sei para onde vou. Um dia vou escrever sobre tudo isso, mas hoje não, vou me ater a contar como foi a viagem de Estocolmo para cá.

Estou muito bem acompanhado do meu filho mais novo, Vinícius Athayde. Na realidade, ele não tem Athayde no nome, estamos ainda em fase de formalização de paternidade. Mas ele já meteu uma de louco e está usando. Ele é um jovem muito inteligente, apesar de dar uns vacilos.

Um cara organizado e que vem sendo preparado para assumir parte dos ativos da família no exterior. É um exercício intrigante porque sua inteligência impõe, e seus desejos o impulsionam nessa direção. Ele acaba de se formar em economia no Ibmec Rio e ganhou bolsa para cursar a Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Mas, infelizmente, seu visto foi negado e ele terá que adiar esse projeto. Mas vamos deixar o tio Sam de lado e vamos embarcar para a terra de "putinho", a Rússia.

Embarcamos, e já de cara vi uma senhora com três crianças espalhadas nos três assentos. Quando esse tipo de coisa acontece, a primeira desconfiança é que estamos vendo o número do assento errado. Depois de olhar 10 vezes para o papel e 10 vezes para ela, resolvi mostrar o meu bilhete.

Não sei o que ela entendeu, mas virou a cara e continuou ali, como quem não quer ser incomodada. A essa altura, entre deixar algumas pessoas passarem e chamar a comissária, o sangue ia subindo. O pior dos problemas não era ela usar a minha janelinha. O problema é que ela estava usando todos os assentos.

A aeromoça então se aproximou, tentou falar com ela, que se recusou a levantar. O voo estava saindo da Suécia, indo para o Cazaquistão, com escala na Turquia. O fato é que elas não falavam a mesma língua e a invasora parecia não falar inglês. Ou era estratégia para ficar ali no meu lugar. A funcionária desistiu e foi lá para frente.

Eu até poderia arrumar uma confusão, afinal a razão era minha. Mas naquela altura eu não precisava de razão, queria apenas percorrer minhas dez horas de viagens e chegar na CUFA Cazaquistão sem nenhum trauma. Meu filho ainda tentou me ajudar, mas nem ela e nem a aeromoça entendiam o que ele falava.

Ou seja, o dinheiro que dei a ele para fazer curso de inglês deve ter sido remanejado para outra prioridade e ele não aprendeu o que deveria. Me joguei no meio de duas pessoas na frente da minha fileira e decidi que também não sairia dali e assim foi feito. Partimos.

Descemos do avião, e lá estavam nossos parceiros felizes da vida. Era para eles uma grande festa, para nós também. Ir a esses lugares é como operar um milagre todo dia. Mas uma coisa me intrigava, era o rosto fechado da Marthina. Aliás, ela não deveria estar ali, porque nossa ida para a Rússia seria no dia seguinte.

Mas imaginei que ela estivesse vindo para o país vizinho para entender a dinâmica e fazer bonito lá. Mas não era. Na primeira oportunidade, ela e mais dois cufianos soviéticos me chamaram e disseram que a conferência estaria suspensa e que todos de lá, 60 pessoas, viriam de trem para fazer no Cazaquistão.

O que houve? Perguntei a ela, que cuida da CUFA há cerca de 2 anos.

Senhor, eu tenho dito que nosso país é complexo, eles querem saber sobre o nosso posicionamento sobre a geopolítica. Isso é obrigatório e como não tenho esse posicionamento, eles pediram para cancelar.

Aquela menina, branquinha e aparentemente frágil, era pura resistência. Por mais que eu tivesse a leitura de tudo que ela dizia, era impossível mergulhar naquele mundo. Ela não disse, mas me parecia ter risco concreto, seja para mim e Vinícius se fôssemos lá; assim como para ela, caso os órgãos de controle descobrissem que a CUFA é uma organização que depõe contra seu país. Ou seja, uma brincadeira está virando algo que nem mesmo eu sei. Nesse caso, vou de Zeca. Vou deixar a onda me levar.

O trem chegou, eles se incorporaram ao nosso time e fizemos as duas cerimônias de lançamento.

Criar um fórum de favela global foi um golaço. Ele desafia a lógica, a regra, garante a representação e a participação das comunidades, sejam elas de primeiro ou décimo mundo. Valoriza a descoberta e a comunhão de todos que desejam diminuir as diferenças culturais e linguísticas entre pares que não se reconhecem.

Se inicia um movimento que, se eu não estiver errado, irá ativar a compreensão mútua entre essas diferentes identidades para que o fórum seja e foi um verdadeiro canhão de representatividade. Só não me perguntem qual o objetivo e qual o próximo passo. A minha resposta será sempre: - não tenho a menor ideia.

Eu sou suspeito porque amo todo mundo. Quando vou em orfanatos ou presídios, eu quero levar todo mundo pra minha casa. Mas no caso do Cazaquistão, eu amei esse país. O cazaque e o russo são os idiomas mais amplamente falados. No entanto, há uma diversidade linguística significativa devido à presença de várias minorias étnicas, cada uma com seu próprio idioma. É uma torre de babel isso aqui. O Guerreiro, presidente da CUFA no país, me disse que eles são uma ex-colônia da Rússia. A cidade é dividida entre pessoas com aparência de japonês e outra metade com cara de alemão.

Mas agora é hora de partir, tenho que ir para Bruxelas e Londres. E depois vamos invadir a África, a grande mãe de todos nós. Por falar nisso, quero mandar um beijo grande para minha mãezinha que, apesar de não estar mais entre nós, está presente eternamente em mim, beijo pra Marilza em nome de quem saúdo todas as mães que estarão nesse domingo lutando no Rio Grande do Sul ou pelo Rio Grande do Sul em busca de alívio para as famílias. #PartiuBélgica

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