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Fomentando oficinas de 'colaborradicalização'

O engajamento público, arena de trocas, ideação e criação de um mundo inclusivo, pode ser um contraponto ao campo minado da radicalização

Talvez não seja coincidência o fato de os espaços digitais ocultos e anônimos terem se tornados campos de radicalização e desumanização (Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

Talvez não seja coincidência o fato de os espaços digitais ocultos e anônimos terem se tornados campos de radicalização e desumanização (Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

Da Redação
Da Redação

Redação Exame

Publicado em 16 de abril de 2023 às 07h00.

São vários os elementos comuns entre o ataque à escola Thomazia Montouro (SP), no último mês, à escola de Aracruz (ES), em 2022, Suzano (SP), em 2019, e Realengo (RJ), em 2011. Além das referências ao nazismo, os autores destes atentados frequentavam fóruns ocultos na internet, espaços de aliciamento, radicalização e propagação de grupos neonazistas e masculinistas, movimentos pautados pelo ódio ao diferente e às mulheres.

Efetivamente, os grupos anônimos na deep web, os chans, são conhecidamente oficinas de radicalização e misoginia, propagação de discursos de ódio e ideologias extremistas. Nas plataformas ocultas, protegidos pelo anonimato, os participantes, principalmente jovens, expostos à propaganda que promove o ódio e a intolerância, organizam-se para concretizá-la tanto nos ambientes digitais como presenciais. Os efeitos das agressões no ambiente virtual foram mapeados na pesquisa ‘Muito Além do Cyberbulling: a violência real do mundo virtual’, do Instituto Avon[1]. Quanto aos efeitos letais, uma longa lista de crimes se soma às tragédias e ataques citados acima, mas têm em comum seus alvos preferenciais: mulheres, negros, homossexuais e grupos minoritários.

Certos perfis de homens jovens podem ser particularmente vulneráveis a esse aliciamento e radicalização, devido a sentimentos de isolamento social, inadequação, bem como à experiência de vulnerabilidades econômicas e sociais diversas que os fazem sentir-se marginalizados. Os fóruns em ambientes de games também ensejam uma alta incidência de conteúdo misógino que parece especialmente atraente para os incels (celibatários involuntários), mais suscetíveis ao apelo da ação violenta. Nestes espaços digitais eles se encontram, se radicalizam, se organizam, alimentam suas distorções cognitivas comuns e idealizam ataques violentos em que os autores são alçados ao status de heróis, algo como um resgate da banalidade e irrelevância que experimentam no mundo presencial.

No ano passado, período pós-isolamento social pandêmico, as ameaças detectadas nestes espaços virtuais pelas autoridades cresceram muito.  O Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio do Ciberlab, passou a concentrar esforços no auxílio à desarticulação de possíveis atentados, tendo enviado 80 alertas aos estados, com o intuito de auxiliar as polícias a desarticular novos ataques. Este trabalho preventivo, com base na inteligência e monitoramento de espaços virtuais pode ter prevenido diversos desdobramentos trágicos, mas a superação desta crescente onda de misoginia e violência nos remete à necessidade de uma combinação de iniciativas que enderecem as causas subjacentes do fenômeno, tais como, a intolerância, a exclusão e a estigmatização social.

Engajamento público

O engajamento público, arena de trocas, ideação e criação de um mundo potencialmente inclusivo, pode ser um contraponto a este campo minado de radicalização e incitação à violência. Mas não qualquer engajamento público, principalmente não aquele que temos visto nas redes, também pautado mais pela intolerância e polarização do que pela colaboração e pensamento crítico. Estamos falando do engajamento público em que as pessoas se identificam, não como heróis ou vítimas, mas como coparticipantes de uma trama cuja história final não pode ser controlada por nenhum autor ou autora, individualmente.  Para fazermos parte desta criação coletiva, a partir da nossa história individual, precisamos desenvolver - ao lado da proficiência tecnológica -, habilidades filosóficas  e éticas, como o pensamento crítico, a sensibilidade moral e a consciência humana.

Talvez não seja coincidência o fato de os espaços digitais ocultos e anônimos terem se tornados campos de radicalização e desumanização. Talvez a própria ascensão do método científico e da tecnologia como principais, se não únicas, disciplinas válidas de conhecimento humano, acompanhada de correspondente desconfiança e desprezo em relação à arte, à filosofia e à retórica, tenha contribuído para uma cisão entre tecnologia e ética que nos confronta em seus efeitos. Talvez a violência cultivada no isolamento do anonimato virtual só possa ser confrontada por meio de seu oposto: a convivência face a face, algo como um espaço em que nos encontramos, reconhecemos, compartilhamos nossos nomes, nossas histórias e nossos afetos. Ali reaprendemos a conviver, a respeitar e a buscar um mundo em que todos façam parte por meio da colaboração.

*Daniela Grelin é diretora executiva do Instituto Avon


[1] Muito Além do Cyberbulling: a Violência Real do Mundo virtual. https://institutoavon.org.br/wp-content/themes/avon-wp/images/estudo-21/E-BOOK%20-%20Avon_Ebook_Ciberbullyng_2021.pdf

Acompanhe tudo sobre:Violência urbanaEducação

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