(Petmal/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 15 de maio de 2022 às 12h28.
João Paulo Minetto*
A temática ESG é, sem dúvida, um dos assuntos mais importantes no âmbito das finanças corporativas. Nesse espaço, buscaremos ser didáticos e objetivos em relação ao tema, trazendo aspectos práticos e históricos a respeito de como as companhias podem se beneficiar dos financiamentos sustentáveis e educá-las para que se preparem para a adoção de medidas e antecipem riscos e mudanças que podem trazer impactos transformacionais para o ambiente de negócios e suas estratégias de desenvolvimento.
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Em 2020, a BlackRock, uma das maiores gestoras do mundo, com mais de US$10 trilhões sob gestão, deu o tom a respeito do que seria a pauta das principais discussões envolvendo o financiamento de empresas ao destacar a necessidade de reformulação do modelo de financiamento e que, no âmbito de tal reformulação, em um futuro mais próximo do que a maioria prevê, haverá uma significativa realocação de capital, chamando a atenção, por exemplo, para a necessidade de governos, empresas e acionistas enfrentarem os desafios e consequências impostas pelas mudanças climáticas. [1] Desde então, pode se dizer que, embora paulatina e em um ritmo condizente com as idiossincrasias dos desafios da transição energética e de um mundo em constante agitação geopolítica, a alocação de capital em ativos que respeitem os princípios ESG veio para ficar.
Além de ser uma potência verde com seus vários biomas fundamentais para a contenção do ritmo de aceleração da temperatura global, o Brasil recebeu a notícia da ênfase ESG com a certeza de que havia muitos desafios a serem enfrentados, mas que seu mercado de capitais, recém democratizado, com recorde de pessoas físicas investidoras, possuía terreno fértil para a catalisação dos princípios ESG. Afinal, por exemplo, no âmbito da governança, de um total 253 companhias brasileiras pertencentes a segmentos de listagem, 203 estão listadas no Novo Mercado da B3, criado em 2000.
O Novo Mercado obriga as empresas listadas a se comprometerem com alto nível de governança, que inclui, dentre outras, as seguintes obrigações:
Há ainda muitos desafios, como por exemplo, a necessidade de maior pluralidade de perfis dos membros de suas respectivas administrações e, em alguns casos, compromissos estabelecidos de maneira mais objetivas em relação às métricas ESG.
No âmbito do uso dos recursos obtidos por meio de mercado de capitais, o país também já vinha dando passos na direção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável[2], ao criar arcabouços legais e regulatórios que culminaram, por meio de incentivos fiscais, na propulsão do financiamento imobiliário, do agronegócio e da infraestrutura. Produtos como Certificados de Recebíveis Imobiliários, Fundos de Investimentos Imobiliários, Certificados de Recebíveis do Agronegócio, Debêntures e Fundos de Infraestrutura se popularizaram no mercado de capitais brasileiro e, em certa medida, contribuíram para:
É, claro, que incentivos fiscais e produtos de investimento voltados para setores específicos não são suficientes para atingirmos objetivos mais ambiciosos e consistentes com o prazo em que eles precisam ser implementados. Para isso, é fundamental que a sociedade, em especial o conjunto de stakeholders do mercado de capitais brasileiro, assuma compromissos nesse sentido.
E é nessa direção que estamos caminhando: atualmente as emissões locais e internacionais de companhias brasileiras já somam mais de 200 operações de títulos verdes concluídas, com um volume total de mais de US$14 bilhões (cerca de R$ 70 bilhões). As emissões são categorizadas de acordo com (a) destinação: modalidade em que os recursos serão alocados no financiamento de projetos que fomentem a sustentabilidade (i.e. financiamento de projeto de determinada matriz energética neutra em relação à emissão de carbono); e (b) desempenho: modalidade em que são assumidos compromissos para atingir metas sustentáveis (i.e. diminuição da emissão de carbono, aumento da diversidade nas posições de liderança da empresa).
As obrigações pactuadas nos documentos de cada oferta endereçam os compromissos verdes e metas de desempenho ESG, os quais podem trazer vantagens para a emissora, como por exemplo benefícios financeiros (taxas de captação mais atrativas), e maior amplitude de investidores da oferta, uma vez que gestores têm condicionado cada vez mais a realização de investimentos a compromissos ESG.
O olhar ESG, como consequência dessa demanda de mercado, tem também chamado a atenção dos órgãos reguladores. Por exemplo, a partir de 2023, a CVM vai passar a exigir que as companhias abertas expliquem a não adoção de práticas ESG, ou incluam informações em seus respectivos formulários de referência a respeito de documentos ou relatórios ESG que venham a produzir, incluindo:
Finalmente, é importante destacar que, como discutido aqui, a agenda ESG pode trazer grandes benefícios para as companhias brasileiras e ao mercado de capitais em geral. Contudo, para evitar o greenwash[4] (que tende a ser cada vez mais analisado com rigor pelos órgãos reguladores), e, ao mesmo tempo, extrair todo o valor que a agenda ESG pode representar, é importante que as companhias estruturem as etapas do processo de adoção de tais práticas e se cerquem de prestadores de serviços qualificados. O processo de seleção de tais prestadores de serviços deve compreender a escolha adequada das instituições financeiras responsáveis pela intermediação da oferta, advogados responsáveis pela elaboração dos documentos e auditoria legal da emissora, consultoria ESG especializada e auditores responsáveis pela confirmação da consistência das informações financeiras prestadas pela emissora.
[1] https://www.blackrock.com/americas-offshore/en/larry-fink-ceo-letter
[2] https://brasil.un.org/pt-br/sdgs
[3] https://assets.bbhub.io/company/sites/60/2021/10/FINAL-2017-TCFD-Report.pdf
[4] Expressão que significa “maquiagem verde” ou “lavagem verde”. Nesses casos, as marcas criam uma falsa aparência de sustentabilidade, sem necessariamente aplicá-la na prática. Em geral, a estratégia é utilizar termos vagos e sem embasamento.( https://idec.org.br/greenwashing)
*João Paulo Minetto é Sócio de M&A e Mercado de Capitais do Demarest Advogados