Apoio:
Parceiro institucional:
Simulação do reformador de hidrogênio (Shell/Divulgação)
Repórter de ESG
Publicado em 10 de agosto de 2023 às 14h00.
Última atualização em 10 de agosto de 2023 às 14h14.
A primeira estação experimental de abastecimento de hidrogênio renovável do mundo a partir do etanol é a aposta da Shell no Brasil. Nesta quinta-feira, 10, a companhia inaugura a estação na Cidade Universitária, da Universidade de São Paulo, e espera que a novidade amplie o uso de hidrogênio no país com um transporte menos complexo a partir do etanol, em parceria com a Raízen.
"O hidrogênio é um elemento com importante papel na transição energética, mas é um gás volátil e complicado de transportar. A nossa solução é transportar o etanol, uma prática simples no Brasil, e transformá-lo em hidrogênio na estação. Se der certo, vamos aumentar a escala e fazer novas estações para que o uso do hidrogênio esteja próximo e fácil", diz Olivier Wambersi, gerente geral de tecnologia e inovação da Shell em entrevista à EXAME.
De acordo com o executivo, o Brasil foi escolhido para o teste pela facilidade no uso do etanol e também pela importância dentro do negócio da Shell. "É um país importante para a nossa agenda. Quase 10% dos investimentos da Shell em pesquisa e desenvolvimento (P&D) são no Brasil".
O projeto tem investimento total de R$ 50 milhões, obtido com recursos da cláusula de PD&I da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Como parceiros, participam no desenvolvimento da estação a Hytron, a Raízen, o SENAI CETIQT, a Universidade de São Paulo, através do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI). Ainda, para testar a viabilidade desse projeto, as partes assinaram um memorando de entendimento junto com a Toyota para testar o hidrogênio em um veículo.
O etanol usado na estação será fornecido pela Raízen. Para Ricardo Mussa, CEO da Raízen, o grande ponto do projeto é como ele pode resolver problemas: do transporte de hidrogênio ao desafio do uso de baterias em veículos, por exemplo. "A bateria num veículo elétrico ainda é um desafio, visto o peso e a manutenção, especialmente quando falamos de grandes veículos. Com o uso de hidrogênio estamos falando da potência da bateria, mas com o peso leve do etanol", afirma.
Outro ponto é a sustentabilidade. "Podemos ser ainda mais sustentáveis usando o etanol de segunda geração, feito a partir de resíduos. O Brasil tem uma vantagem competitiva enorme para isto em relação aos outros países".
Agora, apesar do teste ainda ser numa pequena escala, Mussa sonha com passos largos, saindo de uma estação para outras em todos os mais de 8.300 pontos de abastecimento da Raízen no médio prazo. "Como já levamos o etanol para os postos, a diferença seria fazer o investimento na estação para que lá houvesse a transformação em hidrogênio. O potêncial é enorme, mas sabemos que não será para daqui um ou dois anos, por exemplo".
Hoje, o deslocamento do etanol do local de produção até o destino é feito em caminhões-tanque, que têm capacidade para armazenar 45 mil litros, o equivalente a aproximadamente 6.000 kg de hidrogênio. Esse mesmo veículo conduzindo como carga hidrogênio comprimido conseguiria transportar somente 1.500 kg de hidrogênio, ou seja, 4 vezes menos. Outro ganho trazido por essa solução é a facilidade de se replicar a tecnologia, devido ao baixo custo de transporte do biocombustível.
"O que estamos tentando mostrar com esse projeto é que consigo levar o etanol de São Paulo ao Acre em postos que já existem, garantindo o abastecimento do veículos de forma rápida, sustentável e segura. Isto não seria possível se o trasnporte fosse o de hidrogênio", diz Mussa.
No conjunto de equipamentos que serão instalados no local, haverá um reformador a vapor de etanol desenvolvido e fabricado pela empresa Hytron. É nesse equipamento que irá ocorrer a conversão do etanol em hidrogênio por meio de um processo químico chamado de reforma a vapor. Ou seja, quando o etanol, submetido a temperaturas e pressões específicas, reage com água dentro de um reator. "Estamos mostrando uma solução na qual o hidrogênio produzido do etanol passa a ter um papel ainda mais relevante e de elevado impacto para a transição energética do país e do mundo”, diz Daniel Lopes, diretor comercial da Hytron.
Ao longo do funcionamento da estação experimental, os pesquisadores vão validar os cálculos sobre as emissões e custos do processo de produção de hidrogênio. “Nossa estimativa no momento é de que o custo da produção de hidrogênio a partir de etanol é comparável ao custo do hidrogênio de reforma do gás natural no contexto brasileiro. Já as emissões são comparáveis ao processo que realiza a eletrólise da água alimentada com energia elétrica proveniente de fonte eólica”, afirma Julio Meneghini, diretor científico do RCGI. Já o Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos e Fibras do SENAI CETIQT irá fazer simulações computacionais para tornar o equipamento mais eficiente, identificando oportunidades de aperfeiçoamento e aumentando a taxa de conversão.
A planta-piloto ocupará uma área de 425 metros quadrados e terá capacidade de produzir 4,5 quilos de H2 por hora, dedicada ao abastecimento de até três ônibus e um veículo leve. "Sabemos que ainda é pouco. Mas, não encontramos a bala de prata. Estamos testando uma solução que, se der certo, tem tudo para ser ampliada. Além disto, a transição energética não acontecerá de um único modelo, mas sim de um mix de soluções", diz Wambersi, da Shell.
O hidrogênio produzido na estação vai abastecer os ônibus cedidos pela Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU/SP). Eles vão circular exclusivamente dentro da cidade universitária. Já para testar a performance do hidrogênio, a Toyota cedeu ao projeto o Mirai, primeiro veículo a hidrogênio do mundo comercializado em larga escala, cujas baterias são carregadas a partir da reação química entre hidrogênio e oxigênio na célula combustível (Fuel Cell Eletric Vehicle). "Temos muitos atores envolvidos no processo e penso que muitos outros estarão de olho nos resultados. Este é um novo passo para acelerar a corrida da transição energética no país", finaliza Wambersi.