O futuro depende de uma correção de rota agora, e isso envolve o conjunto da sociedade, o que inclui todo o ecossistema de inovação, dos fundos de venture capital às startups, passando pelas empresas (Thithawat_s/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 3 de dezembro de 2022 às 08h02.
Por Clayton Melo
Se imaginarmos que a vida na Terra é uma partida de futebol dentro da Copa do Mundo – já na fase do mata-mata –, então poderíamos dizer que o nosso time, a Humanidade, passou o primeiro tempo fazendo bobagem. Entrou de salto alto, levou vários amarelos e fez até gol contra. Insiste em tocar de lado quando o jogo já está perto dos 40 do segundo tempo e o placar mostra 2x0 para o adversário. Pior: parece não acreditar na eliminação. Acha que vai dar tudo certo. O VAR vai aparecer de última hora para anular os gols do outro time ou, se isso não rolar, é só ir pro tapetão, anular a partida e começar de novo – em Marte. Mas na Copa da Emergência Climática Mundial não é bem assim. Ou joga pra valer, agora, ou já era.
Brincadeiras à parte, o fato é que vivemos um momento decisivo. A crise climática, que coloca o planeta na iminência de desastres ambientais irreversíveis, impõe a necessidade de revermos um modelo de desenvolvimento econômico extrativista e predatório e traz um sentido de urgência para as estratégias corporativas. O futuro depende de uma correção de rota agora, e isso envolve o conjunto da sociedade, o que inclui todo o ecossistema de inovação, dos fundos de venture capital às startups, passando pelas empresas.
A sociedade vem cobrando das organizações o compromisso com diversas pautas, como políticas antirracismo, valorização da diversidade, transparência e equidade de gênero. E também uma atuação responsável do ponto de vista ambiental.
É nesse contexto que a agenda do ESG entrou na agenda de negócios. Sobre isso, é emblemático o puxão de orelhas que Larry Fink, CEO da BlackRock, uma das mais poderosas gestoras de investimento do mundo, deu nas empresas há pouco mais de um ano, quando disse que as organizações precisam desenvolver modelos de negócios compatíveis com uma economia neutra em carbono até 2050. Ele alertou que o “risco climático é um risco de investimento” e que essa preocupação vai influenciar o destino do capital.
“Não se trata de política. Não é uma agenda social ou ecológica. Não é justiça social. É o capitalismo, conduzido por relacionamentos mutuamente benéficos entre você e os funcionários, clientes, fornecedores e comunidades dos quais sua empresa depende para prosperar. Esse é o poder do capitalismo”, escreveu o CEO da BlackRock. “Diante desse cenário, empresas inovadoras que se adaptam têm acesso mais fácil do que nunca ao capital para concretizar suas visões.”
A responsabilidade do venture capital
Ainda engatinhamos nesse processo, mas é bom saber que o topo da pirâmide do capital começa a se mexer. E nesse ponto é importante discutir a responsabilidade dos fundos de venture capital e das organizações que investem em startups. Não estaria na hora de o ecossistema investir com mais afinco em empreendedores de impacto socioambiental?
Segundo um artigo publicado pelo Fórum Econômico Mundial, as firmas de venture capital são uma “força crítica na formação do futuro das pessoas, do planeta e da sociedade, à medida que continuam a investir nas empresas líderes e nas tecnologias inovadoras do futuro”. O problema é que, embora tenha esse poder, o “capital de risco está atrasado quando se trata de incorporar preocupações ambientais, sociais e de governança (ESG)”. Por quê? Porque só está de olho em retornos desproporcionais ao escalar startups para um crescimento rápido a qualquer custo e porque não é pressionado a investir em ESG.
A análise do Fórum Econômico Mundial também serve para o ecossistema brasileiro. Basta uma pesquisa rápida nas notícias e documentos sobre teses de investimento para constatar que o ESG e os investimentos em startups de impacto socioambiental ainda estão no banco de reservas – há avanços, mas esse tipo de investimento ainda não é visto como estratégico na maioria dos casos.
Além do mecanismo tradicional de VC, temos agora outra oportunidade que não pode ser desperdiçada. As empresas começaram a ocupar um papel ativo no ecossistema de inovação, apostando cada vez mais em projetos de Corporate Venture Capital (CVC), ou venture capital realizado por elas próprias.
Para dar uma dimensão, os investimentos globais em CVC cresceram 142% em 2021, alcançando a marca de US$ 169 bilhões investidos, segundo o relatório State of CVC, da plataforma americana CB Insights. No Brasil, o total aplicado nessa vertente foi de US$ 622 milhões de janeiro a julho do ano passado, o triplo do investido em 2020, conforme dados do Distrito.
ESG na reserva?
O fortalecimento do CVC se deve, entre outros fatores, à transformação digital acelerada pela pandemia, ao barateamento da tecnologia e à existência de capital disponível nas empresas. A sofisticação das estratégias de inovação nas companhias é uma boa notícia. Mas a ressalva é que, quando se observa o perfil dos principais dos fundos de CVC lançados nos últimos meses, fica nítido que a pressão da sociedade por diversidade, equidade de gêneros e modelos de negócios sustentáveis ainda não se refletiu nos investimentos.
Está na hora de virarmos esse jogo. Isso requer uma mudança no entendimento sobre a razão de ser dos negócios, que não devem se guiar apenas pela inovação que maximiza o lucro e nada mais. Lucro sim, mas o momento demanda outro tipo de atuação. O lucro que vai valer daqui pra frente é aquele que coloca o time pra fazer gol. Em outras palavras, significa provocar impacto social, promover qualidade de vida para todos – e não apenas para uma parcela da sociedade – e garantir um planeta saudável para a nossa e as próximas gerações.
*Jornalista, é articulador urbano e curador de festivais de inovação e criatividade. É cofundador da plataforma de conteúdo e inovação social A Vida no Centro e foi finalista do Prêmio Governo do Estado de São Paulo para as Artes 2020. Acompanha profissionalmente o mundo digital e de inovação desde 1999, com atuação em redações como Istoé Dinheiro, Meio e Mensagem e Gazeta Mercantil e tem textos publicados em veículos como UOL, El País, HuffPost, Carta Capital, Veja SP, Fast Company Brasil e Istoé. Tem MBA em Marketing pela FGV e atualmente é mestrando em Cidades Inteligentes e Sustentáveis pela UNINOVE.