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Bandeira LGBT e ao fundo o Stonewall National Monument fora do Stonewall Inn, local da revolta de Stonewall de 1969. Nova York, Estados Unidos. (Mike Segar/Reuters)
Colunista
Publicado em 28 de junho de 2023 às 06h00.
No dia 28 de junho, pessoas do mundo inteiro unem-se para comemorar o Dia do Orgulho LGBTQIA+. A data possui uma história de resistência, revolução e união, significado que surgiu na década de 1960, nos Estados Unidos.
Durante esse período, identificar-se como LGBTQIA+ era um crime nos Estados Unidos da América e em diversos outros países ao redor do mundo. As Leis específicas relacionadas à criminalização da comunidade variavam entre os Estados do país norte-americano, mas incluiam: leis de sodomia, que criminalizavam atos sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo; e leis de obscenidade, que eram utlizadas para censurar a expressão de identidades (principalmente entre pessoas trans e quaisquer indivíduos que expressassem não conformidade com as normas de gênero). Aqueles que não cumprissem essas leis eram castigados usando técnicas de castração, terapia de choques elétricos e internação psiquiátrica. Outro método de repressão era a exposição da vida do indivíduo, fazendo com que suas relações pessoais e sociais fossem diretamente prejudicadas.
A repressão da comunidade LGBTQIA+, no entanto, ia muito além da criminalização por Lei. A mídia difundia diversas propagandas contra o grupo, seus valores e seus membros, gerando desgosto e medo coletivo em relação ao que representavam. Exemplos de tais rumores incluem a caracterização de homens homossexuais como predadores e pedófilos, e de pessoas LGBTQIA+ como indivíduos que necessitam de assistência psiquiátrica. Assim, membros da comunidade se viam na obrigação de esconder esse lado de suas vidas para que não fossem rejeitados pela sociedade, o que criou a necessidade de refúgios para esses indivíduos.
Um desses refúgios foi encontrado no Bairro Village, na cidade de Nova Iorque. A região era povoada por bares LGBTQIA+ localizados em ruas escondidas, fugindo dos holofotes da polícia e da sociedade como um todo. Além disso, é importantíssimo mencionar que a principal audiência de tais refúgios eram indivíduos racializados não conformes com as normas de gênero.
Com o passar do tempo, a localidade ficou mais movimentada, atraindo atenção de políticos e policiais. O ano de 1969 foi marcado pelo período de eleições e o prefeito de Nova Iorque, John Lindsay, estava em busca de mais votos. Sendo assim, com o objetivo de ganhar apoio político, reprimiu brutalmente a cultura LGBTQIA+ na cidade. Durante esse período, locais comumente frequentados por indivíduos LGBTQIA+ foram frequente e violentamente invadidos. O procedimento realizado pela polícia durante esses ataques incluíam a checagem dos documentos de identidade de todos os clientes e a verificação de caso suas roupas correspondiam ao gênero adequado. Depois disso, tais indivíduos eram presos.
Na madrugada do dia 28 de junho de 1969, o bar Stonewall Inn foi brutalmente invadido pela polícia. No entanto, durante essa ocupação, os indivíduos presentes no bar naquela noite não cooperaram com as ordens da polícia. Pelo contrário, lutaram contra as autoridades que buscavam reprimi-los, atirando moedas, pedras e outros objetos nos repressores. A cena evoluiu e tornou-se uma revolta de centenas de pessoas LGBTQIA+ contra a polícia. Esse levante acabou durando vários dias, ficando conhecido como a “Rebelião de Stonewall ” e tendo sido liderado por figuras importantes como Sylvia Rivera, uma mulher trans latina, Stormé DeLarverie, uma mulher lésbica “butch” (termo usado para se referir a uma mulher com expressão de gênero desfeminilizada) negra, e Marsha P. Johnson, uma mulher trans negra.
No dia 28 de junho de 1970, um ano depois da Revolta de Stonewall, uma passeata em Nova Iorque foi organizada pelo Gay Liberation Front. Inicialmente, a caminhada contava com apenas cem pessoas que transitavam pela cidade manifestando os seus direitos. Conforme o grupo passava por diversos pontos da cidade, outras pessoas uniram-se ao movimento, sendo eles parte da comunidade ou apoiadores da causa. Posteriormente, a passeata tornou-se uma tradição, realizada em cidades de todo o mundo. A Parada do Orgulho LGBTQIA+ de São Paulo, por exemplo, acontece anualmente na Avenida Paulista e reúne milhões de pessoas que lutam pelos direitos LGBTQIA+, fazendo desta a maior do mundo.
Agora que você conhece a história dessa data, quer conhecer indivíduos da comunidade LGBTQIA+ que revolucionaram o mundo científico? Leia abaixo as histórias de quatro cientistas que impactaram as suas respectivas áreas de estudo e ajude o Jovens Cientistas Brasil a propagar a representatividade de pessoas LGBTQIA+ na ciência!
Nota da equipe: A sigla LGBTQIA+ incorpora diversas identidades de gênero e orientações sexuais diferentes que não se limitam a Lésbica, Gay, Bissexual e Transgênero. Muitos cientistas e outros profissionais se identificam com identidades que não exploramos neste artigo por questões de espaço.
Leslie M. Kay é uma renomada neurocientista estadunidense. Desde 2000, ela ocupa uma posição de destaque como professora do Departamento de Psicologia da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. Leslie, que tem seu próprio laboratório na universidade, conduz pesquisas explorando os efeitos do contexto comportamental na neurofisiologia dos sistemas olfativo e límbico.
A trajetória da neurocientista começou com um bacharelado em artes liberais pelo St. John 's College em 1983. Em seguida, Kay trabalhou no projeto GenBank, no Los Alamos National Laboratory, até 1985. Nesse mesmo ano, Kay iniciou seu doutorado em biofísica na Universidade de Califórnia, Berkeley, culminando em sua dissertação, intitulada Interação Dinâmica dos Sistemas Olfativo e Límbico durante a Percepção Olfativa (traduzido do inglês: Dynamic Interaction of Olfactory and Limbic Systems during Olfactory Perception).
Com mais de 4.650 citações e um impressionante Índice H (índice que mede o impacto dos trabalhos de um pesquisador) de 34, é evidente que as pesquisas de Leslie M. Kay amplamente impactaram sua área de estudo.
Leslie corajosamente abraçou sua identidade como lésbica desde seus anos universitários, construindo uma carreira de grande sucesso como uma acadêmica LGBTQIA+ assumida desde a década de 1980. Atualmente, Leslie está envolvida no projeto 500 Queer Scientists e é defensora dos direitos LGBTQIA+. Dessa forma, Leslie demonstra a importância da inclusão de pessoas LGBTQIA+ na ciência: sua área de estudo não seria a mesma sem o seu trabalho, e seu trabalho não seria possível sem inclusão.
Martin Lo é um matemático estadunidense. Em 1975, Lo se formou em CalTech (California Institute of Technology) com um bacharelado em ciências matemáticas. Depois disso, em 1981, o cientista recebeu seu doutorado em matemática pela Cornell University. Desde 1986, Martin Lo trabalha no JPL (Laboratório de Propulsão a Jato, ou, em inglês, Jet Propulsion Laboratory), um centro de pesquisa estadunidense responsável pelo desenvolvimento de sondas espaciais não tripuladas para a NASA.
Em 2000, Lo, em conjunto com outros cientistas do laboratório, desenvolveu o programa LTool, utilizado para calcular trajetórias de sondas próximas a pontos de Lagrange (locais no espaço onde a força gravitacional de dois corpos se equilibra). Comparado a outras ferramentas previamente utilizadas pela NASA, o LTool é capaz de calcular órbitas 50 vezes mais rápido. Além disso, é importantíssimo ressaltar que o LTool foi utilizado no desenvolvimento da missão Genesis, em 2001. O emprego dessa ferramenta reduziu o tempo de geração de uma única trajetória do Genesis de oito semanas para apenas algumas horas.
Além disso, Martin Lo contribuiu para a descoberta da Rede de Transporte Interplanetário, uma rede teórica de trajetórias entre corpos celestes que permite viagens com consumo reduzido de energia. Quando seguem as trajetórias dessa rede, espaçonaves conseguem aproveitar assistências gravitacionais de diversos astros ao longo do caminho.
Em 2012, Martin Lo recebeu o prêmio de cientista LGBTQIA+ do ano da organização Out to Innovate (previamente conhecida como National Organization of Gay and Lesbian Scientists and Technical Professionals). O matemático, dessa forma, exemplifica não apenas a excelência acadêmica e profissional, mas também o poder de abraçar sua verdadeira identidade e a importância da luta LGBTQIA+ por inclusão e reconhecimento. Sem as suas descobertas, a ciência não seria a mesma.
John Maynard Keynes (1883-1946) foi um importante filósofo e economista inglês. Em 1902, entrou para o competitivo programa de economia de King’s College da Universidade de Cambridge, mas seu impacto foi mesmo reconhecido apenas em 1930, durante a Grande Depressão.
Keynes foi responsável por criar a teoria que revolucionou a macroeconomia e a economia social: o “Keynesianismo”. Sua teoria defende a intervenção governamental na economia para estimular o emprego e a demanda agregada por meio de políticas fiscais e monetárias. Seu objetivo era evitar ou corrigir recessões e promover o crescimento econômico, uma preocupação muito presente nos Estados Unidos, que procurava soluções para a crise da quebra da Bolsa de Nova Iorque de 1929. Através de sua teoria, Keynes conseguiu desafiar as ideias da economia neoclássica, desencadeando uma revolução na forma de pensamento em relação à economia. Após sua teoria se provar eficaz ao tirar os Estados Unidos da crise, o Keynesianismo se espalhou pelo Ocidente.
Keynes também desenvolveu diversas outras teorias que são essenciais e muito presentes nas relações econômicas da contemporaneidade, como sua famosa “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, publicada em 1936. Tal teoria enfatiza a necessidade de intervenção governamental para estabilizar a economia e alcançar o pleno emprego, contrastando com as visões liberais clássicas estabelecidas que confiavam na autorregulação do mercado. O impacto desta foi enorme tanto no meio de pesquisas quanto no de formulação de políticas públicas.
Em suma, o legado de John Maynard Keynes é inegavelmente significativo no campo da economia. As diversas teorias desenvolvidas pelo economista revolucionaram a compreensão da macroeconomia e o papel da intervenção governamental na estabilidade econômica. Além de suas contribuições na área da economia, a identidade sexual de John Maynard Keynes destaca sua importância como um dos muitos cientistas LGBTQIA+ que fizeram contribuições significativas às suas respectivas áreas de estudo. Sua orientação sexual reforça a diversidade e a inclusão nas ciências, mostrando que a comunidade LGBTQIA+ pode alcançar grande sucesso e impacto em campos tradicionalmente dominados por heterossexuais. A história de Keynes serve como um exemplo inspirador de como indivíduos LGBTQIA+ podem deixar um legado duradouro e moldar o mundo em que vivemos.
Ben Barres (1954-2017), foi um importante neurobiólogo transgênero, que levantou diversos tópicos sobre representatividade LGBTQIA+, machismo, misoginia e transfobia na comunidade científica. Felizmente, ele conseguiu superar desafios e quebrar barreiras do preconceito na ciência, conquistando a posição de chefe de departamento da universidade de Stanford. O cientista possui uma trajetória verdadeiramente admirável.
Sua história começa em 1954, quando ainda se identificava pelo nome de Bárbara, em West Orange, Nova Jersey. Desde pequeno, impressionava o mundo com sua inteligência, obtendo a chance de estudar em diversas das mais prestigiosas universidades do mundo como MIT, Dartmouth, Harvard, Stanford, entre outras.
Quando ainda era estudante do MIT, Barres enfrentou diversos problemas que teve que superar pelo fato de ser mulher. O cientista conta a história de quando se destacou entre diversos de seus colegas homens ao resolver uma questão matemática, mas não recebeu o reconhecimento por ter realizado tal ato pelo fato de ser mulher. Relata também que acabou perdendo uma bolsa de estudos para um homem cisgênero com um currículo muito menos qualificado, evidenciando a presente desigualdade de gênero na ciência.
Em uma entrevista com o canal de mídias “Charlie Rose” em 2015, Ben Barres contou a história de quando havia desenvolvido um câncer de mama. Barres menciona que já tinha dúvidas em relação à sua identidade de gênero, mas que foi apenas após retirar seus dois seios na cirurgia para remover o câncer que se sentiu mais à vontade com sua identidade. Ben afirma que a remoção de seus seios foi uma sensação de alívio, e que foi nesse momento que percebeu que ele não se sentia confortável no corpo de uma mulher.
Em 1997, Barres decidiu realizar um ato que revolucionou não apenas sua história, mas a de toda a comunidade científica, ao fazer uma cirurgia de readequação de gênero. O neurobiólogo, após sua cirurgia, passou a observar que muitas pessoas que não sabiam que ele era transgênero começaram a tratá-lo de maneira muito mais respeitosa ao apresentar suas pesquisas e resultados científicos.
"Quando decidi mudar de sexo 15 anos atrás, eu não tinha modelos para me guiar. Pensei que eu tinha que decidir entre identidade ou carreira. Eu mudei de sexo pensando que minha carreira poderia ter acabado ali. A alternativa que considerei seriamente na época foi o suicídio, pois não podia continuar como Barbara", disse o cientista.
Ben Barres teve uma contribuição tremenda para a pesquisa sobre células gliais e sua importância, estudos que são utilizados para diversas pesquisas na área de ciências neurais até o dia atual.
Infelizmente, em 2016, Barres foi diagnosticado com câncer de pâncreas, morrendo um ano depois, em dezembro de 2017. Como membros dos Jovens Cientistas Brasil, somos eternamente gratos pela porta que Ben Barres abriu para maiores e melhores oportunidades na ciência para diversas pessoas que, assim como ele, não se identificam com o gênero atribuído a elas ao nascimento.
A revolta de Stonewall não marcou o início da luta por direitos LGBTQIA+, mas marcou o início do movimento como o conhecemos atualmente. Vários direitos foram conquistados desde o princípio de tal evento, mas ainda há muito o que melhorar. Relações entre pessoas do mesmo sexo ainda são crime em 69 países, incluíndo a Arábia Saudita, Qatar, Mauritânia e Iêmen, sendo que em 11 deles podem ser punidas com pena de morte. Além disso, 14 países ainda criminalizam a identidade e expressão de gênero de pessoas transgênero. Em muitos outros, o acesso a recursos médicos para realizar a transição de gênero é extremamente limitado.
O Brasil, por sua vez, é o país que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo. Ainda assim, vê-se esperança no fato de que é aqui que acontece a maior Parada de Orgulho do planeta. Isso é dizer que enquanto existem desafios para a comunidade, existe também uma forte resistência por parte dela.
A luta por direitos está longe de acabar e se fortalece ainda mais com a presença de pessoas LGBTQIA+ em cargos importantes. Cada cientista LGBTQIA+ que se orgulha de sua identidade serve como prova para as próximas gerações que sim, é possível ser uma neurocientista lésbica, um matemático gay, um economista bissexual ou um neurobiólogo transgênero.