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Fragilidade: o Cerrado enfrenta desafios com o avanço do desmatamento (Ramesh Thadani/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 28 de maio de 2024 às 13h43.
Última atualização em 28 de maio de 2024 às 13h57.
O Relatório Anual do Desmatamento (RAD) do MapBiomas, de 2023, divulgado nesta terça-feira, 28, alertou que os dois maiores biomas do Brasil – Amazônia e Cerrado – somaram mais de 85% da área total desmatada no Brasil.
Apenas quatro estados com Cerrado, que formam a região conhecida como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), ultrapassaram a área desmatada nos estados da Amazônia e responderam por quase metade (47%) de toda a perda de vegetação nativa no país no ano passado.
O levantamento apontou que, nos últimos cinco anos, o Brasil perdeu 8.558.237 hectares de vegetação nativa. A área é equivalente a duas vezes o estado do Rio de Janeiro. Por outro lado, houve uma queda de 11,6% na área desmatada. Ao todo, 1.829.597 hectares de vegetação nativa foram suprimidos em 2023. Em 2022, esse total foi de 2.069.695 hectares. Essa redução ocorreu apesar de um aumento de 8,7% no número de alertas, na mesma comparação.
Os dados, no detalhe, mostram como a situação é crítica. Em 2023, a área média desmatada por dia no Brasil foi de 5.013 hectares ou 228 hectares por hora. Mais da metade foi no Cerrado, onde foram suprimidos 3.042 hectares de vegetação nativa por dia. O resultado é mais do que o dobro da área desmatada na Amazônia, 1.245 hectares por dia, que, ainda assim, equivale a cerca de oito árvores por segundo.
Em 2023, o dia com maior área desmatada em todo o país, no ano passado, foi 15 de fevereiro, quando a estimativa é que uma área equivalente a quase 6 mil campos de futebol foi desmatada em apenas 24 horas.
Os dados, segundo MapBiomas, indicam a primeira queda do desmatamento no Brasil desde 2019. No entanto, a avaliação é de que o perfil do desmatamento tem se alterado ao se concentrar nos biomas onde predominam formações savânicas e campestres e diminuindo nas formações florestais.
A mudança acontece ao mesmo tempo que se aproxima a data de início de novas regras para as exportações brasileiras para a União Europeia. O Parlamento Europeu aprovou uma lei que determina a proibição da importação de produtos provenientes de áreas com qualquer nível de desmatamento identificado até dezembro de 2020, legal ou ilegal. O Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR) vale para diversos produtos que fazem parte da cadeia produtiva brasileira, como couro, soja, carne bovina, cacau, madeira, borracha e café. O texto trata de áreas florestais e não deixa explícito se o Cerrado faria parte das restrições.
Entre as principais punições estão a suspensão do comércio importador, a apreensão ou completa destruição de produtos, além de multas em dinheiro correspondentes a até 4% do valor anual arrecadado pela operadora responsável. Para entrar em território europeu, as commodities precisarão passar por rigorosa verificação para afastar a possibilidade de terem sido produzidas em áreas desmatadas.
Dos quatro estados do Matopiba, apenas no Piauí teve redução da área desmatada, enquanto nos demais houve crescimento. Em 2023, a perda foi de 858.952 hectares de vegetação nativa, o que significa um aumento de 59% em relação ao ano de 2022, o qual já havia registrado aumento (36%) em relação a 2021. Segundo o relatório, três em cada quatro hectares desmatados no Cerrado em 2023 (74%) foram no Matopiba.
Ainda segundo o RAD, ao todo, 33 dos 50 municípios que mais desmataram no Brasil em 2023 ficam no Cerrado, sendo que os dez municípios com maior área desmatada no Cerrado em 2023 estão todos localizados no Matopiba, apontou o levantamento.
O relatório chama a atenção para o fato de, desde o início da série histórica, em 2019, o Cerrado ter ultrapassado pela primeira vez a Amazônia em área desmatada. Quase todo o desmatamento do Brasil (97%), nos últimos cinco anos, teve a expansão agropecuária como vetor, destacou o RDA.
No ano passado, 61% da área desmatada em todo o país estava no Cerrado e 25% na Amazônia. Foram 1.110.326 hectares desmatados no Cerrado, em 2023, um crescimento de 68% em relação a 2022. Na Amazônia, a área de vegetação suprimida foi de 454,3 mil hectares – queda de 62,2% em relação a 2022.
Com exceção do Piauí, São Paulo e Paraná, todos os outros estados que concentram o Cerrado registraram aumento do desmatamento em 2023 na comparação com 2022. No caso do Maranhão, Tocantins, Goiás, Pará e Distrito Federal, a área desmatada mais do que dobrou.
Coordenadora do MapBiomas Cerrado, Ane Alencar lembra que o Cerrado, que já perdeu mais da metade de sua vegetação nativa, passou a ser o protagonista do desmatamento no país, o que desperta preocupação.
“O Cerrado é um bioma estratégico no que diz respeito à questão hidrológica e o desmatamento do bioma tem um impacto grande na questão hídrica. Várias bacias que nascem no Cerrado banham outros biomas, então, nesse sentido, o desmatamento e a perda do Cerrado representa um impacto para os outros biomas", informa Ane Alencar.
Ainda segundo a coordenadora, o combate ao desmatamento no Cerrado exige uma abordagem multifacetada. "Primeiro, é essencial distinguir claramente o que é legal e ilegal, para que as ações de fiscalização possam efetivamente inibir o desmatamento ilegal. Ao mesmo tempo, devemos oferecer incentivos para o melhor aproveitamento das áreas já desmatadas, reduzindo assim a pressão sobre novas áreas e reduzindo portanto o desmatamento legal", pontua.
Ane Alencar avalia que o aumento do desmatamento no Cerrado parece ser o resultado de uma percepção de que tudo pode ser legalizável no bioma. “Temos de entender que não é porque a reserva legal é menor no Cerrado que todo o desmatamento vai ser legal. Na realidade, precisamos sim ter claramente o número da ilegalidade para que as ações de comando e controle possam ser efetivas, assim como as ações de desestímulo à abertura de novas áreas também”.
O MapBiomas ressalta que a liderança do Cerrado em área de desmatamento no ano passado se reflete em outros indicadores. O maior alerta de desmatamento do Brasil aconteceu no Cerrado, com área de 6.691 hectares, no município do Alto Parnaíba (MA). No bioma, foi detectado ainda o alerta de maior velocidade média diária de desmatamento, sendo 944 hectares em oito dias, no município de Baixa Grande do Ribeiro (PI).
São Desidério (BA), cujo principal bioma também é o Cerrado, lidera o ranking dos municípios que mais desmataram no país em 2023, com 40.052 hectares. No ano passado, 70% dos municípios do Cerrado registraram pelo menos um evento de desmatamento.
O ranking dos cinco estados com maior área desmatada no Brasil inclui ainda dois líderes históricos: Pará e Mato Grosso. No entanto, ambos registraram queda em 2023 – de 60,3% e de 32,1%, respectivamente. A supressão de vegetação nativa no Pará foi de 184.763 hectares; em Mato Grosso, 161.381 hectares.
“Essa mudança se refletiu também no tipo de vegetação suprimida. Em 2023, pela primeira vez, houve o predomínio de desmatamento em formações savânicas (54,8%) seguido de formações florestais (38,5%) que predominaram nos quatro primeiros anos do levantamento”, destacou a entidade.
Pela primeira vez, o estado do Maranhão saiu da quinta para a primeira posição em área total suprimida, com 331.225 hectares desmatados – aumento de 95,1% em relação ao ano passado. A Bahia ficou em segundo lugar, com 290.606 hectares suprimidos e crescimento de 27,5%. O terceiro estado no ranking foi o Tocantins, com 230.253 hectares desmatados e aumento percentual de 177,9%, em relação a 2022.
A redução (62,2%) no desmatamento no bioma Amazônia aconteceu em todos os estados, exceto no Amapá, onde houve crescimento de 27%. Na região de Amacro, que reúne os estados do Amazonas, Acre e Rondônia, e que já foi considerada a principal frente de desmatamento do Brasil, houve queda de 74% na área desmatada, que ficou em 102.956 hectares em 2023.
Dos 559 municípios do bioma, 436 tiveram algum desmatamento detectado em 2023, ou seja, 78% do total. Nos dez municípios que mais desmataram na Amazônia houve queda. Dos 50 municípios que mais perderam vegetação nativa em 2023, 13 estão presentes na lista de municípios do bioma Amazônia considerados prioritários (Portaria GM/MMA nº 834 de 2023) e todos eles apresentaram queda na área desmatada em relação a 2022.
“Houve redução no tamanho médio dos alertas e na área desmatada na maioria dos estados, incluindo a crítica região do Amacro. Por outro lado, observa-se um possível deslocamento deste desmatamento, que está crescendo em outros biomas, particularmente no Cerrado, que apresentou a maior área desmatada no Brasil em 2023”, apontou Larissa Amorim, da equipe de Amazônia do MapBiomas, em nota.
Em 2023 o Pantanal registrou a maior área média dos eventos de desmatamento entre os biomas (158,2 hectares) e um aumento de 59,2% no desmatamento em relação a 2022. Ao todo, 49.673 hectares de vegetação nativa foram suprimidos no ano passado. Pelo terceiro ano consecutivo, o bioma apresentou a maior velocidade média de desmatamento, sendo 2,1 hectares/dia por evento de desmatamento.
Formações florestais e savânicas respondem por 73% do desmatamento no bioma. Quase todo (99%) o desmatamento no bioma está em áreas privadas registradas no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
“O município de Corumbá (MS) responde por 60% do território do Pantanal e por metade do desmatamento registrado no bioma no ano passado. É também o quinto município que mais desmatou no Brasil em 2023. Mais da metade (52%) do desmatamento do Mato Grosso do Sul está no Pantanal, bioma que representa menos de um terço do território do estado”, destacou o MapBiomas.
Além de eventos extremos de seca no bioma, a entidade avalia que o desmatamento tem sido uma grande ameaça ao Pantanal. “O desmatamento de florestas e savanas para a formação de pastagem exótica acontece em grande escala. A preservação dessas áreas florestadas e o manejo das pastagens são fundamentais para a manutenção da biodiversidade de fauna e flora, em conjunto com os sistemas tradicionais de pecuária do Pantanal”, pontuou Eduardo Rosa, coordenador da equipe do Pantanal do MapBiomas, em nota.
Quase um quarto (22%) dos alertas validados em todo o Brasil no ano passado vieram da Caatinga, que respondeu por 11% da área desmatada no país. Foram 201.687 hectares, um aumento de 43,3% em relação a 2022. Houve registro de pelo menos um evento de desmatamento em 1.047 dos 1.209 municípios (87%) que compõem o bioma, em 2023.
A Bahia lidera o desmatamento, com 93.437 hectares, o que representa aumento de 34% em relação a 2022. Em seguida, vem o Ceará, com 32.486 hectares – crescimento de 28%. O maior aumento percentual foi registrado no Rio Grande do Norte: 62% (total de 9.133 hectares). Em apenas um estado houve redução na supressão de vegetação nativa: Pernambuco, com 15.996 hectares, ou seja, queda de 35% em relação a 2022.
“O maior desmatamento verificado na Caatinga foi impulsionado pela expansão de atividades agropecuárias, principalmente na fronteira agrícola do Matopiba. Um exemplo é o município de Barra, na Bahia, onde há registro do maior desmatamento e alerta no bioma. Um fenômeno que capturamos é o desmatamento para fins de implantação de parques solares e eólicos crescendo pelo bioma”, explicou Washington Rocha, coordenador da equipe da Caatinga do MapBiomas, em nota. Mais de 4.302 hectares foram desmatados por empreendimentos de energia renováveis (eólica e solar).
Em 2023, 12.094 hectares de Mata Atlântica foram desmatados. Com isso, houve uma queda de 59% em relação a 2022. A redução ocorreu em todos os estados do bioma, tanto em área desmatada quanto em número de alertas. No bioma, Minas Gerais reduziu a área desmatada em 60%, ou seja, mais de 7 mil hectares. Na Bahia, a queda foi de 53%, enquanto no Paraná a redução foi de 71%. Apesar disso, dos 10 municípios que mais desmataram, os dois primeiros ficam na Bahia e os oito restantes em Minas Gerais.
A média de área desmatada por dia e a média de eventos de desmatamento caíram mais de 50% em relação a 2022. As maiores reduções proporcionais foram observadas nos alertas de mais de 100 hectares, com 88% menos área desmatada se comparado a 2022 e 90% menos eventos de desmatamento.
“A agropecuária ainda é o principal vetor de desmatamento na Mata Atlântica, além da expansão das cidades. Em 2023, observamos áreas devastadas por desastres naturais causados pelas chuvas em São Paulo e por mineração em Minas Gerais”, observou Natalia Crusco, coordenadora técnica da equipe da Mata Atlântica do MapBiomas, por meio de nota.