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Dividir para conquistar: por que licença-paternidade é chave para o avanço feminino

Como a extensão da licença para homens tem se mostrado fundamental para equilibrar, além dos cuidados e responsabilidades, as oportunidades para mulheres que são mães

A executiva Carolina Ragazzi, colunista que ao longo de cinco artigos mostrará impacto da licença paternidade na construção de ambientes corporativos mais justos para mulheres (Leandro Fonseca/Exame)

A executiva Carolina Ragazzi, colunista que ao longo de cinco artigos mostrará impacto da licença paternidade na construção de ambientes corporativos mais justos para mulheres (Leandro Fonseca/Exame)

EXAME Plural
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Plataforma feminina

Publicado em 17 de março de 2025 às 12h26.

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*Por Carolina Ragazzi

Não é porque um papel sempre foi desempenhado por um determinado gênero por simples convenção, que o outro não tenha a mesma habilidade de fazê-lo. Um exemplo clássico é o da Orquestra Sinfônica de Chicago. Para aumentar a diversidade dos seus músicos, decidiu-se fazer o recrutamento às cegas, para que nada, além da capacidade técnica, influenciasse a seleção.

Nos primeiros testes, notou-se que nenhuma mulher fora aprovada. No entanto, os organizadores perceberam que as mulheres entravam de salto alto e, além do ruído, podia-se espiar os calçados por baixo da cortina. Os organizadores da seleção então resolveram que os músicos entrariam descalços e o resultado foi que a participação feminina subiu de 5 para 25% da orquestra e atualmente supera 50%.

O viés da maternidade é um dos mais punitivos para as carreiras femininas. Existe a ideia de que quem decide ser mãe será automaticamente menos produtiva e que o homem, ao se tornar pai, ficará mais comprometido, independentemente de como os filhos impactam o trabalho de cada um.

Segundo um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) publicado em 2018, mães no Brasil têm salários 8% menores que mulheres sem filhos, enquanto homens com filhos têm rendimentos 7% maiores do que homens sem filhos.

Assim como o viés da maternidade, outras graves questões que prejudicam, não apenas mulheres, mas a sociedade como um todo, emergem a partir da persistente rigidez de papéis que cabem a cada gênero do ponto de vista cultural, reforçado inclusive pela legislação vigente.

O Brasil oferece apenas 5 dias corridos de licença-paternidade, um cenário alarmante que posiciona o país em 37º lugar entre 43 países analisados pela OCDE, muito atrás das melhores práticas internacionais. Este contexto prejudica diretamente a equidade de gênero, o pleno desenvolvimento das crianças e ainda limita o potencial econômico do país.

Atualmente, está em curso o prazo de 18 meses dado pelo Supremo Tribunal Federal para que o Poder Legislativo regulamente a licença-paternidade, tema praticamente ignorado pelo Congresso Nacional desde 1988, quando o então deputado constituinte Alceni Guerra incluiu, por meio de uma emenda de sua autoria, o direito à licença-paternidade na Constituição.

Guerra já relatou, em diversas ocasiões, as dificuldades enfrentadas para debater o assunto à época, frequentemente tratado com ironia pelos colegas parlamentares, por simplesmente sugerir corresponsabilidade masculina nos cuidados com os filhos. Passadas cerca de três décadas, pouco parece ter mudado culturalmente nesse sentido.

O grupo de trabalho criado em 2023 na Câmara dos Deputados para analisar e discutir amplamente o tema, que reúne pouco mais de 40 integrantes entre parlamentares, órgãos públicos, entidades patronais e da sociedade civil, além de organismos internacionais, tem menos de 20% de representatividade masculina.

Esse baixo interesse fica ainda mais evidente ao considerar que homens representam mais de 80% dos deputados federais na composição atual da Câmara, mas apenas 21% do pequeno grupo parlamentar disposto a aprofundar o debate.

À primeira vista, tal discrepância poderia parecer paradoxal, considerando tratar-se de um benefício diretamente voltado aos homens. No entanto, o debate em questão transcende amplamente a concessão de uma licença: trata-se de romper um modelo cultural enraizado e promover efetivamente a equidade de gênero na sociedade brasileira.

Os benefícios proporcionados por períodos mais longos de licença-paternidade são inquestionáveis, e essa política deve ser vista pelo governo e pela sociedade como um investimento estratégico, não como um custo.

Estudos acadêmicos e relatórios de organismos internacionais reforçam que a licença-paternidade remunerada traz vantagens significativas não apenas para as famílias, mas também para as empresas e toda a sociedade. O convívio próximo entre pai e bebê fortalece vínculos afetivos essenciais, contribuindo para o desenvolvimento da criança.

Uma pesquisa realizada pela OCDE em 2013, envolvendo Austrália, Dinamarca, Estados Unidos e Reino Unido, concluiu que pais que usufruíram de pelo menos duas semanas de licença após o nascimento dos filhos têm maior probabilidade de permanecer envolvidos ativamente nos cuidados infantis ao longo dos anos seguintes.

Tal envolvimento paterno resultou em melhores indicadores de desenvolvimento cognitivo e comportamental das crianças, em comparação àquelas que não tiveram participação ativa dos pais no início da vida.

A presença ativa do pai nos primeiros meses após o nascimento permite um retorno mais tranquilo das mães à vida profissional, ajudando a reduzir as desigualdades de gênero no ambiente de trabalho. A extensão da licença-paternidade reduz significativamente a sobrecarga doméstica das mulheres, diminuindo o impacto negativo da maternidade em suas carreiras.

Isso possibilita que elas retornem ao trabalho com menor nível de estresse, mais segurança e melhores perspectivas de crescimento profissional. Na Suécia, por exemplo, pesquisas indicam que cada mês adicional de licença para os pais aumenta em cerca de 7% a renda das mães quatro anos após o nascimento do filho.

Essa divisão equilibrada das responsabilidades domésticas iniciais diminui também o preconceito e a discriminação enfrentados pelas mulheres no mercado, reduzindo os custos profissionais da maternidade.

Uma licença-paternidade com duração semelhante à oferecida às mães ajudaria ainda a nivelar o ambiente competitivo entre homens e mulheres, desde a contratação até a permanência no mercado formal de trabalho.

Embora a dificuldade de colocação profissional de mulheres casadas em idade fértil não seja totalmente documentada por pesquisas formais, é amplamente reconhecida e constantemente ilustrada por relatos cotidianos.

Outro cenário frequente é o esvaziamento de funções das mulheres que retornam ao trabalho após a licença-maternidade, já que suas atribuições são frequentemente assumidas por outros funcionários durante a ausência.

Em ambos os casos, uma licença-paternidade estendida mitigaria esses riscos à carreira das mulheres. Primeiro, deixaria de ser relevante para empregadores a escolha entre candidatos homens ou mulheres em idade de ter filhos, uma vez que ambos poderiam se ausentar igualmente.

Segundo, com mais homens usufruindo da licença, as mulheres teriam melhores condições para preservar ou recuperar suas posições profissionais. Em resumo, a tendência seria de um ambiente corporativo mais justo e equilibrado entre os gêneros.

Do ponto de vista sociodemográfico, o atraso na implementação de políticas como a extensão da licença-paternidade tem impactos diretos nas decisões femininas sobre casamento e maternidade. Um estudo recente do Morgan Stanley revela que, até 2030, aproximadamente 45% das mulheres norte-americanas entre 25 e 44 anos estarão solteiras e sem filhos, refletindo uma tendência global que também pode ser observada no Brasil.

Ouso dizer que a explicação para grande parte dos casos não está em uma suposta rejeição feminina à maternidade ou ao casamento em si, mas no reconhecimento crescente das mulheres sobre o alto custo pessoal dessas escolhas, sobretudo diante das barreiras culturais ainda predominantes que freiam a corresponsabilidade masculina nas obrigações que provêm de tais decisões.

*Carolina Ragazzi é executiva, cofundadora do Mulheres do Mercado e mãe de Isabella, Matteo e Martina. Neste primeiro de uma série de cinco artigos, demonstra por que o compartilhamento de responsabilidades parentais é decisivo para o progresso feminino nas empresas.

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