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Desafios e perspectivas para a implementação do mercado regulado de carbono no Brasil

Estudo da McKinsey indica que o Brasil poderia capturar oportunidades de até US$ 100 bilhões até 2030, integrando, entre outros setores, os mercados regulado e voluntário. Grande parte desses recursos poderia ser destinada à melhoria das condições socioambientais nas regiões mais carentes do país

Segundo dados da UNEP, a operação eficaz do sistema de comércio de emissões pode reduzir custos de cumprimento das metas de emissões (Petmal/Getty Images)

Segundo dados da UNEP, a operação eficaz do sistema de comércio de emissões pode reduzir custos de cumprimento das metas de emissões (Petmal/Getty Images)

Systemica
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Publicado em 8 de dezembro de 2024 às 09h00.

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Por Tiago Ricci*

O Brasil deu um passo significativo ao aprovar o Projeto de Lei que regula o mercado de carbono. O Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), considerado um novo marco para as políticas climáticas brasileiras, tem potencial para nos reposicionar na vanguarda global, que conta com 36 Sistemas de Comércio de Emissões (ETS) — como o SBCE —, movimentou 12,5 bilhões de toneladas de CO2 equivalente (CO2e) em 2023 e gerou transações de mais de 900 bilhões de dólares.

A regulação do mercado de carbono é uma ferramenta essencial para que o Brasil cumpra a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), compromisso formalizado no âmbito do Acordo de Paris. A meta brasileira, revisada para reduzir 67% das emissões de gases de efeito estufa até 2035 em comparação com os níveis de 2005, vai depender também de mecanismos eficientes para ser atingida. A implementação do SBCE pode ajudar nesse processo.

Isso porque o mecanismo pode abarcar, inicialmente, cerca de 30% das emissões dos setores da indústria e energia, o que corresponde a aproximadamente 6% das emissões totais do Brasil. O mercado resultante desse volume estimado pode movimentar entre 20 e 80 milhões de toneladas de CO2e anuais, dependendo da definição em regulamentação a ser produzida.

É importante entender que as reduções ou remoções de emissões resultantes ou incentivadas pelo SBCE vão além das que possam ser alcançadas entre os entes regulados pela lei, concentradas especialmente nos setores industrial e de energia. A regulação estabelecida pelo Congresso Nacional possibilita a interoperabilidade entre os mercados voluntário e regulado, permitindo que as reduções e remoções de gases de efeito estufa originadas no mercado voluntário, predominantemente no setor florestal, sejam incentivadas e demandadas pelo SBCE.

Esse ponto é relevante, pois estudo da McKinsey indica que o Brasil poderia capturar oportunidades de até US$ 100 bilhões até 2030, integrando, entre outros setores, os mercados regulado e voluntário. Grande parte desses recursos poderia ser destinada à melhoria das condições socioambientais nas regiões mais carentes do país.

Essa é a importância da aprovação do Projeto de Lei do Mercado de Carbono no Congresso. No entanto, o texto do PL aprovado ainda precisa de ajustes e maior clareza técnica em questões que podem ser solucionadas por meio de regulamentação, e exigir, ainda, mudanças legislativas.

Problemas estruturais e pontos de atenção

Apesar de avanços significativos, o texto da lei apresenta diversos problemas estruturais que desafiam sua operacionalidade. Aqui se apresenta alguns desses pontos, mas sem esgotá-los:

  1. Conceitos. O PL define conceitos importantes para a aplicação da lei, mas alguns carecem de maior rigor técnico. Um exemplo é a definição de créditos de carbono florestais como “frutos civis”, ou seja, rendimentos periódicos que não esgotam o recurso original. Mas isso não reflete a complexidade econômica e metodológica desses créditos que, portanto, não se encaixam na definição de “fruto civil”.
  2. Conselho Nacional de Redução de Emissões da Desmatamento e Degradação Florestal (CONAREDD+): O PL atribui à CONAREDD+ a responsabilidade de manter o registro nacional de programas estatais, jurisdicionais e de créditos de carbono, mas o Conselho não possui personalidade jurídica, infraestrutura ou pessoal capacitado para lidar com as complexidades do mercado. Será necessário esclarecer como a falta de capacitação e recursos será resolvida para garantir a implementação adequada do SBCE.
  3. Regulação do Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI): A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, já é uma norma legal. Todavia, a aplicação dos processos de CLPI para projetos de carbono no Brasil carece de parâmetros técnicos e uma regulamentação sobre esse tema seria bem-vinda, já que nem todos os territórios coletivos possuem protocolos de consulta ou planos de gestão territorial.
  4. Cobertura de vegetação nativa e compartilhamento de benefícios: O PL determina que proprietários ou usufrutuários privados sejam considerados beneficiários de programas jurisdicionais com base na vegetação nativa de suas áreas rurais, incluindo reserva legal ou área de preservação permanente. Isso exige esclarecimentos técnicos, dados atualizados e regulamentação clara. No entanto, o artigo sugere que até áreas ambientalmente irregulares poderiam ser beneficiadas, pois bastaria haver remanescente de vegetação nativa. Além disso, a definição de propriedade e usufruto esbarra no complexo sistema fundiário brasileiro. A matrícula do imóvel, por si só, não comprova plenamente o domínio sobre a área.
  5. Regulação fundiária e combate à grilagem: Sem uma regulamentação clara sobre a titularidade das terras e a documentação necessária para configurar essa regularidade, o sistema de registro previsto pelo SBCE poderá ser utilizado de forma temerária para legitimar áreas griladas. Essa lacuna prejudica a segurança jurídica dos projetos e desencoraja investidores sérios.

A implementação adequada do SBCE pode gerar grandes impactos econômicos e socioambientais. Um mercado bem estruturado tem o potencial de movimentar bilhões de dólares anualmente ao criar uma plataforma eficiente para a troca de créditos de carbono e permissões de emissões. No entanto, a falta de um texto legal técnico pode dificultar a implementação do Sistema, tornando-o menos atrativo para investidores e comprometendo a competitividade do Brasil no mercado global de carbono.

Segundo dados da UNEP, a operação eficaz do sistema de comércio de emissões pode reduzir custos de cumprimento das metas de emissões e estimular investimentos em tecnologia limpa e geração de empregos em setores como energia renovável, reflorestamento e eficiência energética.

Assim, corrigir falhas técnicas e operacionais é essencial não somente para a eficiência ambiental, mas para a competitividade econômica a longo prazo.

Por tudo isso, o mercado de carbono brasileiro possui grande potencial para ser um indutor de transformação de determinados setores da economia e posicionar o país como líder climático global. Porém, para que isso se concretize, é fundamental corrigir os problemas técnicos e jurídicos identificados. Investir em capacitação, regulamentação clara e infraestrutura sólida são passos imprescindíveis para garantir a credibilidade do sistema e atrair investimentos. Com ajustes adequados, o Brasil pode transformar este desafio em uma oportunidade de liderança e crescimento sustentável.

*Tiago Ricci é sócio-fundador e diretor jurídico da Systemica

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