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David Hessekiel: fundador do congresso Engage for Good aponta para a necessidade de incorporar valores à gestão (Divulgação/Divulgação)
Há cerca de um século, convivemos com a ideia de responsabilidade social relacionada ao mundo corporativo. Tendo impactos múltiplos — econômicos, políticos, ambientais e sociais —, as organizações devem, também, ter um engajamento em causas voltadas às comunidades e, é claro, ao planeta.
Um dos marcos iniciais deste pensamento é o livro A filosofia da administração, publicado em 1923 pelo britânico Oliver Sheldon, que comandava a produtora de chocolates Rowntree’s, hoje sob gestão da Nestlé.
Segundo uma publicação da Universidade Federal de Lavras, a obra lançava um olhar para a administração em sua totalidade, considerando a ética social como uma prática corporativa. Desta forma, as organizações não deveriam se limitar à sua produtividade interna, mas expandir sua atuação com base em valores relevantes para a sociedade.
De lá para cá, o conceito saiu do universo das teses e começou a ganhar espaço na prática, primeiro nos países do hemisfério norte e, depois, por aqui. Com a evolução das sociedades, outras questões éticas surgiram e, hoje, não faltam causas para o engajamento corporativo: de equidade social à defesa do meio ambiente.
As iniciativas de responsabilidade social empresarial, no entanto, parecem não ser suficientes. Uma pesquisa do Instituto Ipsos, obtida com exclusividade pela EXAME, mostrou que 83% dos entrevistados concordam que muitas empresas usam a linguagem do propósito social sem, no entanto, um comprometimento efetivo com as mudanças.
O estudo consultou 150 executivos seniores de comunicação em grandes empresas de 19 países. "Acho que passamos impunes por isso no passado, mas, se você parar para pensar, isso não deve passar despercebido daqui para frente”, diz um dos gestores consultados. “As pessoas vão saber diferenciar se estamos realmente sendo autênticos e confiáveis — e se seremos capazes de construir uma reputação a partir disso.”
Em um outro dado, 72% dos entrevistados afirmam que as organizações investem muito tempo em comunicar causas sociais, deixando a escuta em segundo plano. “Você fica preso à sua bolha e diz o que você acha que as pessoas querem ouvir”, comenta outro respondente. “Nunca se tenta, realmente, ouvir as comunidades.”
Uma das explicações para isso é o fato de que muitas empresas ainda não percebem a responsabilidade social como uma área de extrema relevância para os negócios. Em 2016, um estudo do Boston Consulting Group mostrava que, apesar de 90% dos executivos descreverem a sustentabilidade como algo importante, apenas 60% das companhias tinham o tema incorporado em sua estratégia, e 25% integravam a sustentabilidade ao modelo de negócios.
A responsabilidade social é um dos temas do 4º Fórum de Marketing Relacionado à Causa, evento promovido pelo Instituto Ayrton Senna em parceria com a ESPM, o Instituo Ipsos e a Cause, organização que apoia marcas e organizações na identificação e gestão de causas sociais.
Inteiramente virtual, o fórum ocorre nesta quarta e quinta, 16 e 17, e terá palestrantes de empresas como Danone, Suzano, P&G e Lenovo. Fundador e presidente do Engage for Good, principal congresso mundial de engajamento de organizações em causas sociais, David Hessekiel também fala no evento.
Conhecido por suas habilidades na combinação de busca por lucro com base em um propósito, o americano falou à EXAME sobre as peculiaridades desta integração. Veja os melhores trechos da entrevista:
e. Qual é o maior desafio em ensinar o marketing de causa aos CEOs, já que eles são tão orientados por lucro?
Nos 20 anos em que venho me envolvendo com este campo, vejo que experimentamos uma mudança radical nas atitudes corporativas pela injeção de propósito no DNA das empresas. Um número cada vez maior de líderes entende que stakeholders de todos os tipos (consumidores, empregados, investidores e reguladores) esperam que as companhias sejam bons cidadãos corporativos.
Dito isso, os CEOs são responsáveis por tantos aspectos do negócio que é difícil, para eles, alocar tempo ao marketing de causa. Especialmente quando eles enfrentam uma grande pressão para entregar lucro a curto prazo.
É crítico que a alta liderança desenvolva marcas que incorporem conceitos baseados em valores a suas formas de gestão e comunicação com stakeholders. Quanto mais intrínseco isso for à cultura da companhia, mais necessárias serão as ações de sustentabilidade – e não apenas algo bom, mas secundário.
e. É comum ver ações de marketing de causa e, depois disso, detectar contradições entre o que uma companhia diz e o que ela faz. Por que as empresas acreditam que é mais importante parecer socialmente responsáveis do que realmente ser socialmente responsáveis?
Excelente pergunta. Eu não acho, necessariamente, que muitos líderes pensem assim, mas é muito mais difícil operar organizações complexas de uma forma que elas fiquem isentas de serem percebidas como irresponsáveis. É mais fácil fazer afirmações que comuniquem seus valores, mas com as quais você crie um longo caminho até se tornar consistente.
e. Algumas companhias são profundamente conectadas a ações que não têm bom impacto nas comunidades. Um exemplo são as grandes redes de fast-food: é controverso que elas se declarem a favor de causas ligadas à saúde. Que aspectos uma organização deve considerar antes de adotar uma ação de marketing social?
Eu aconselharia as marcas a não comunicar conexões a causas que são inconsistentes com as áreas de negócios nas quais elas operam. Infelizmente, há tantos problemas no mundo que não deve ser difícil encontrar uma causa para apoiar que seja compatível com o trabalho da companhia.