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Enquanto empresas com maior lucro investem em créditos de remoção, empresas com margem menor reduzem suas ambições climáticas (georgeclerk/Getty Images)
Colunista
Publicado em 23 de setembro de 2024 às 11h02.
Por Munir Soares*
O Acordo de Paris, assinado em 2015, representou um marco ao unir países em torno do objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5ºC. Seu valor foi amplamente reconhecido por promover um compromisso global, permitindo que cada nação definisse suas metas priorizando o consenso.
A Science Based Targets Initiative (SBTi) emergiu como uma referência para avaliar se as estratégias climáticas empresariais têm base científica. Recentemente, a SBTi foi alvo de controvérsia durante a revisão de seu padrão Net-Zero, em especial no que diz respeito às emissões de escopo 3, que envolvem a cadeia de valor das empresas. As críticas focam na flexibilização do uso de certificados de atributos ambientais (EACs), como os créditos de carbono, para compensar essas emissões. Os opositores argumentam que tal flexibilização reduz a pressão por cortes diretos nas emissões e destacam riscos ligados a eficácia limitada dos créditos e o da dupla contagem das reduções.
Em julho, a SBTi publicou quatro documentos técnicos como parte da revisão de seu padrão Net-Zero, abordando a efetividade dos créditos de carbono e cenários para sua inclusão na mitigação do escopo 3. Esperava-se que os documentos trouxessem clareza sobre o uso de offsets, mas, sem um posicionamento definitivo, as decisões foram adiadas para 2025, deixando o mercado em maior incerteza.
O debate sobre os offsets proposto pela SBTi, no entanto, ignora que os compromissos climáticos são voluntários. As emissões globais continuam a aumentar, colocando em risco o cumprimento do Acordo de Paris. Um estudo comissionado pela International Emissions Trading Association (IETA) mostrou que as emissões de escopo 1 e 2 das empresas com compromissos superaram, em média, 26% dos objetivos, enquanto para o escopo 3 excederam 62%, resultando em um excedente anual de 1,5 GtCO2e. Se essa tendência persistir, as empresas podem ultrapassar as suas metas em até 4,5 GtCO2e até 2030. Além disso, 81% das companhias ainda não estabeleceram nenhuma meta climática, deixando 7,5 GtCO2e de emissões sem planos de redução.
Diante desse cenário, surgem dois caminhos. Empresas com maiores margens de lucro, como Google e Microsoft, estão investindo em créditos de remoção, uma solução parcialmente aceita pela SBTi e de maior custo. Ambas as companhias enfrentam o aumento de suas emissões devido à expansão de datacenters para inteligência artificial e optaram por reforçar investimentos em reflorestamento e captura de carbono como parte de sua estratégia, visando cumprir seus objetivos.
Já empresas com menores margens, como a Air New Zealand, que enfrenta dificuldades para implementar tecnologias de aeronaves mais limpas e combustíveis sustentáveis até 2030, reduziram suas ambições climáticas, abandonando suas metas. No segundo trimestre de 2024, 123 empresas tiveram seus compromissos expirados ou retirados da SBTi, representando cerca de 300 milhões de toneladas de carbono equivalente.
Nesse contexto, cabe indagar se a posição da SBTi pode comprometer a ação climática imediata, ao não permitir que soluções de curto prazo sejam adotadas na ausência de soluções técnicas. Estimativas da MSCI apontam que restam menos de 28 meses para limitar o aquecimento global a 1,5ºC, indicando que já não há espaço para inação. Os créditos de carbono, embora não sejam a solução final, são ferramentas disponíveis hoje para promover ações efetivas de redução das emissões e podem além disso viabilizar tanto a preservação de ecossistemas quanto o desenvolvimento sustentável de países do sul global.
Iniciativas para assegurar a integridade dos créditos de carbono estão avançando rapidamente. Mudanças metodológicas, como a VM0048 para REDD+ da Verra, abordam as principais críticas, e benchmarks de qualidade baseados nos princípios fundamentais do carbono (CCP) estão sendo implementados. Portanto, além de uma base científica sólida, é necessário pragmatismo para resolver essa equação complexa.
*Munir Soares é doutor em Política Energética, Ambiental e de Recursos Naturais pela USP, sócio-fundador e CEO da Systemica