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Brasil em Davos: cientistas alertam para riscos de pontos irreversíveis enquanto Brasil se prepara para sediar conferência. ( World Economic Forum/Gabriel Lado/Divulgação)
Editora ESG
Publicado em 24 de janeiro de 2025 às 16h40.
Última atualização em 24 de janeiro de 2025 às 17h45.
*De Davos
O momento parecia propício para debates robustos sobre a COP30 em Davos. Dos recentes decretos anti-clima de Donald Trump que elevam a temperatura das negociações globais, passando pelo Global Risk Report divulgado na véspera do Fórum Econômico Mundial, apontando a crise climática como maior desafio de longo prazo; até a responsabilidade brasileira de sediar uma das conferências mais relevantes desde o Acordo de Paris. Mas não foi o que aconteceu.
Nem mesmo o anúncio da presidência da COP30, feito às vésperas do início da agenda oficial em Davos, garantiu destaque ao tema nos debates. A modesta delegação brasileira de representantes do governo — especialmente notável em um momento estratégico para o país — parece ter buscado compensação no timing do anúncio dos novos dirigentes.
E pegou bem, sobretudo entre os brasileiros presentes ao Fórum, a nomeação de Alexandre Corrêa do Lago, ao lado de Ana Toni, para a linha de frente da direção da COP em Belém. Não por acaso, a dobradinha agradou a gregos e troianos. Enquanto Lago carrega reconhecida capacidade de articulação internacional, Ana dialoga muito bem com a sociedade civil e movimentos ambientais. E ambos possuem experiência em negociações climáticas, além de serem "veteranos" em COPs.
Coube então aos ministros Alexandre Silveira, de Minas e Energia, e Luís Roberto Barroso, presidente do STF, a missão de promover as credenciais brasileiras e a oportunidade de protagonismo ambiental, em uma agenda mais focada em investidores, sobre matrizes de energia limpa e cooperação para transição energética no caso de Silveira, e em segurança legal no Brasil — incluindo marcos da legislação ambiental —, por parte de Barroso.
Presente nos primeiros dias da convenção, Helder Barbalho, governador do Pará, foi quem marcou presença nas conversas mais focada em COP30. Na quarta-feira, 23, ele participou de painéis na Brazil House (com programação aberta a participantes registrados) e no Congress Center (com acesso restrito aos que possuem o white badge, passaporte para todos os conteúdos oficiais).
Em suas falas, Barbalho reforçou uma das principais metas da cúpula, a definição de regras que deixem um legado para a floresta. No entanto, apesar de sua participação ativa em diversos debates e encontros estratégicos, as discussões sobre a COP30 acabaram não ganhando a centralidade esperada no evento.
Ciência em alerta máximo
Um bom painel dedicado ao assunto ficou para quinta-feira, 23, penúltimo dia de Fórum e quando muitos chefes de Estado e principais representantes do setor privado já começam a deixar Davos. E contou com a presença estrelada de duas das maiores autoridades mundiais em pesquisa climática: o sueco Johan Rockström e o brasileiro Carlos Nobre, que lembraram a série de razões que fazem da COP30 o evento mais importante do ano. E não só para o Brasil.
Em uma passagem relâmpago por ter pouco mais de 5 minutos de agenda entre compromissos, Rockström fez contribuições que foram contundentes. "Temos evidências esmagadoras de que estamos arriscando desestabilizar os sistemas de suporte à vida na Terra", enfatizou o cientista, que já tinha feito o mesmo alerta em outra sessão do Fórum.
O diretor do Instituto Potsdam apresentou dados que identificavam 16 sistemas de tipping points (“pontos de não retorno”, numa tradução livre), com cinco deles em risco iminente de colapso quando ultrapassarmos 1,5°C: a camada de gelo da Groenlândia, o gelo da Antártida Ocidental, os recifes de coral tropicais, o permafrost e a corrente do Mar de Labrador.
Já Carlos Nobre trouxe a perspectiva sobre a Amazônia, região que sediará a Conferência do Clima. "Se a temperatura exceder 1,5 a 2 graus e o desmatamento ultrapassar 20%-25%, perderemos no mínimo metade da Amazônia", apontou o climatologista, lembrando ainda que a temperatura já atingiu 1,5°C por mais de 12 meses consecutivos.
Em sua análise, a floresta enfrenta uma combinação perigosa de aquecimento global e mudanças no uso da terra. Enquanto a mata preservada recicla 3 a 4 litros de água por metro quadrado durante a estação seca, as áreas convertidas em pastagem — cerca de 1 milhão de quilômetros quadrados — reciclam apenas um terço desse volume, prolongando os períodos de estiagem.
Em seguida, ponderou sobre caminhos promissores, apresentando o projeto do Instituto de Tecnologia da Amazônia. A iniciativa, que busca estabelecer cinco hubs de inovação em diferentes países amazônicos, pretende combinar conhecimento tradicional indígena com inovação tecnológica para desenvolver soluções sustentáveis. "Queremos criar um MIT da Amazônia", explicou, "mas um que valorize e incorpore o conhecimento dos povos da floresta", destacou.
Da bioeconomia à ciência aberta
Outro aspecto relevante foi a atenção à bioeconomia amazônica, apresentada como uma alternativa viável ao atual modelo de desenvolvimento. A proposta defendida no painel destacou o potencial econômico da biodiversidade amazônica, com seus mais de 300 tipos de frutas, 1,5 mil espécies de plantas medicinais e uma variedade de outros produtos da floresta que podem gerar renda mantendo a mata em pé.
O modelo incorpora saberes milenares dos povos originários — com destaque para o papel das mulheres indígenas que, ao longo de gerações, domesticaram mais de 50 plantas, incluindo o cacau, com suas 1,3 mil variedades desenvolvidas. Também presente ao debate, Kamila Markram, CEO da Frontiers, trouxe ainda a necessidade de se conectar bioeconomia e democratização do conhecimento científico.
Em um paralelo com a pandemia de covid-19, quando a liberação de pesquisas sobre coronavírus acelerou o desenvolvimento de vacinas e tratamentos, Kamila defendeu que manter pesquisas climáticas e de biodiversidade por trás de paywalls prejudica a velocidade de resposta à crise climática.
"Se conseguimos vacinas em tempo recorde graças ao acesso aberto à ciência, por que não aplicar o mesmo modelo para enfrentar a emergência climática?", questionou. A proposta adquire especial relevância às vésperas da COP30, quando o Brasil buscará protagonismo nas discussões sobre novos modelos de desenvolvimento sustentável.
Entre a urgência e a ação
Ao evidenciar caminhos possíveis para a agenda climática global, a conversa também expôs a magnitude dos desafios que a COP30 enfrentará. Para além das questões logísticas em Belém, onde a especulação imobiliária já preocupa potenciais participantes, persiste o desafio central: como catalisar a urgência científica em ação efetiva antes que sistemas planetários atinjam pontos irreversíveis.
O Instituto de Tecnologia da Amazônia e a democratização da ciência sinalizam horizontes possíveis, mas demandam uma articulação inédita entre países amazônicos e recursos substanciais. A COP30 se apresenta, assim, como teste decisivo da capacidade global em alinhar ciência, saberes tradicionais e governança na escala que a emergência climática impõe.