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Ana Toni: "Temos muita experiência em preservação ambiental, agricultura sustentável e transição energética. E queremos e podemos mostrar que estamos prontos para liderar e ser exemplo de descarbonização para o mundo" (Leandro Fonseca)
Publicado em 30 de novembro de 2024 às 15h10.
Chefiada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, a delegação brasileira desembarcou na COP29, no Azerbaijão, carregada de mais responsabilidades do que já seria habitual, considerando a relevância do Brasil para a saúde climática global.
Ao fato de ser país-sede da próxima Conferência do Clima da ONU em 2025, e às expectativas sobre novas metas e promessas para apoiar nacional e internacionalmente o enfrentamento às urgências ambientais, somaram-se episódios ao longo da Cúpula em Baku. Como, por exemplo, a chamada para assumir papel central nas emperradas negociações da COP29, por conta da reconhecida capacidade diplomática brasileira em tratativas complexas.
A comitiva oficial contou também com a participação de Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), e de Sonia Guajajara, Ministra dos Povos Indígenas. Contudo, foi outra figura feminina que se destacou liderando boa parte das negociações bilaterais - e, portanto, ostentando o crachá brasileiro como máxima autoridade enquanto parte da delegação partia rumo ao G20 -, estendendo ao Azerbaijão sua já conhecida autoridade e influência no Brasil.
Trata-se de Ana Toni, Secretária de Mudança do Clima do Ministério liderado por Marina Silva, que recebeu a EXAME no escritório da representação brasileira em Baku, para uma entrevista exclusiva.
A gigante janela de oportunidades
Doutora em ciência política com larga experiência em advocacy, desenvolvimento sustentável e filantropia, Ana foi nomeada para a secretaria que ocupa em meados de janeiro de 2023, logo após a posse do presidente Lula. Anteriormente, foi diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS). E chegou, portanto, com uma vasta bagagem em políticas públicas com foco na agenda ambiental.
Desde então, tem atuado em articulação com o setor privado e a sociedade civil e está à frente de iniciativas pioneiras como o Plano Clima e o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas. Otimista confessa, já no início da conversa declarou: "Estamos diante de uma gigante janela de oportunidade (e talvez a última!) para realmente transformar o planeta e garantir um futuro mais sustentável".
Em Baku, o Brasil foi um dos primeiros países a apresentar sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), assumindo o compromisso de reduzir em 67% as emissões de gases de efeito estufa até 2035. As metas climáticas nacionais estão inseridas dentro do contexto do Plano Clima, e o MMA vem trabalhando para inserir pautas-chave no centro das discussões, como preservação ambiental, desmatamento zero, soluções em energia renovável e cidades mais resilientes.
Sobre as críticas em relação ao documento formalizado na COP29, a secretária disse acreditar que a NDC brasileira causou um estranhamento ao ser divulgada, por ser, a seu ver, inovadora e trazer elementos como a ênfase em adaptação climática. A inclusão foi baseada na perspectiva de eventos climáticos extremos se tornarem cada vez mais frequentes do Sul ao Norte do país, como as enchentes, queimadas, secas e incêndios.
Outro destaque, enfatizou, é a ambição da meta, ao mesmo tempo em que é factível, por considerar todo o cenário de incertezas. "Estamos em um momento geopolítico incerto. O Brasil não é um país que tem todo o espaço fiscal que precisaria ter para implementar tudo e na velocidade que se quer. Logo, é uma NDC bastante moderna no sentido de soluções, mas com muito pé no chão", explicou.
A menção aos combustíveis fósseis também foi destacada como positiva. Ana disse que o Brasil fez uma submissão para a ONU visando pautar o tema, além de se mostrar muito disposto a estar mais atuante para ajudar na transição energética global. Sobre o mercado de carbono, a secretária lembrou que o fato de os países só poderem vender seus créditos após atingirem "toda sua ambição" consiste em um incentivo "perverso" nas NDCs.
"Ou seja, se você é muito ambicioso, significa que você não vai ter a oportunidade de fazer parte desse mercado. Então, o que quisemos deixar muito claro é que este é um dos muitos instrumentos econômicos (de uma cesta) importantes - e nós não queremos fechar essa porta", ressaltou.
Como próximos passos pós-entrega da NDC, o governo precisará agora destrinchar seus planos setoriais, com a promessa de se debruçar sobre aspectos como o do consumo brasileiro de petróleo e o detalhamento de como será a descarbonização, entre outros.
Frustação no financiamento, avanço em carbono
O tema central da COP29 foi 'financiamento climático', não somente em continuidade ao planejamento pós-COP28, mas pela urgência e demanda cada vez maiores de recursos provenientes de países mais desenvolvidos para os menores e mais vulneráveis driblarem as consequências decorrentes da emergência climática.
Ao final da Conferência, o acordo frustrou: enquanto parte das nações, especialistas e ativistas defendiam que o desafio exigia trilhões de dólares, o consenso final entre os desenvolvidos - e maiores responsáveis por emissões de gases de efeito estufa - foi de destinar US$ 300 bilhões anuais.
Por outro lado, houve, já nos primeiros dias da Cúpula, um histórico e significativo avanço na regulação do mercado de carbono global. O que, para Ana Toni, está diretamente relacionado ao conceito de 'financiamento'. "Não precisamos de adjetivo ao tratarmos desse tema. Só de falar em financiamento, deveríamos compreender que isso se refere a baixo carbono sempre. É sobre colocar esta nova economia como principal fluxo de investimentos dos países", ressaltou.
Durante a passagem pelo Azerbaijão, o Brasil também lançou sua Plataforma de Investimentos para o Clima e Transformação Ecológica, deixando mais claro ao mundo suas prioridades e soluções para o desenvolvimento sustentável e neutralidade em carbono.
"Estamos avançando em taxonomia e mercado de carbono e precisamos olhar para o Fundo Clima e o Fundo Amazônia", reiterou a secretária. "Temos uma cesta de instrumentos econômicos, e no fim, o que estamos tentando falar é que clima não é um nicho. O que queremos fazer é que vire a norma, e a exceção seja poder poluir."
Um olhar para adaptação no agro e energia
Entre os setores mais críticos para a adaptação climática estão o agronegócio e o energético. Para Ana, porém, é preciso reconhecer a importância da agricultura, especialmente do ponto de vista de alimentar não só o Brasil como o mundo.
"Não dá mais para desenvolver apenas os mesmos métodos de irrigação, com os mesmos adubos e tecnologias. Temos uma oportunidade única de trazer mais inovação e tecnologias limpas. Adaptar significa novas formas de cultivo e insumos que ajudem na redução de emissões e aumento da resiliência climática", atestou a secretária.
Em complemento, disse ainda que, embora tenhamos avançado em agricultura de baixo carbono, o contexto atual está muito aquém do potencial. "E este setor é chave para a descarbonização, visto que o país tem sua maior fonte de emissões originadas do desmatamento e uso da terra", lembrou.
Já a adaptação do setor de energia passa por mudar o modelo energético para uma dinâmica cada vez menos dependente de fontes fósseis e apostar em mais renováveis. "É preciso uma grande transformação. Para isto, contudo, precisamos de uma regulação melhor, incentivos mais claros, aumento de investimentos e inovação", complementou.
No modo otimista - que permeou toda a conversa - a secretária defende que as perspectivas rumo à economia de baixo carbono são positivas, e que a COP30 deve ser este momento de realmente mostrar todos os compromissos climáticos brasileiros na prática.
Depois das promessas, a execução
Mas afinal, como chegaremos lá? O primeiro passo, responde Ana, é avançar na implementação das políticas já definidas, como o desmatamento zero, desenvolvimento de tecnologias mais limpas e apoio ao setor de energias renováveis. Algo que, pondera, "precisa ser feito de maneira gradativa e com apoio das indústrias e do governo, sem esquecer as necessárias parcerias com a sociedade civil e o setor privado."
Sobre a participação da sociedade, a secretária enfatiza que, enquanto tudo acontece em outras esferas, há um grande trabalho como nação, de apoiar a construção e fazer valer políticas públicas. "Precisamos estar todos neste processo, com cada um fazendo sua parte. Precisamos estar unidos, porque mudanças climáticas não são uma responsabilidade apenas de governo ou empresas, mas de todos. Se estivermos engajados, eu tenho certeza de que vamos avançar de maneira consistente", frisou.
Entre os maiores desafios a tudo o que tem sido proposto, Ana cita a velocidade da transição para esta nova economia, ao mesmo tempo em que é preciso garantir que o processo seja justo e não deixe ninguém para trás. O que envolveria a reestruturação de vários setores, desde os já lembrados, como energia e agricultura, até hábitos de consumo e o funcionamento das cidades.
"Tudo deve passar pela adaptação.E isso não é fácil. Não adianta nada fazermos um avanço climático se este não for inclusivo. A transição precisa ser acelerada e justa, para que também seja acessível a todos os cidadãos", acrescentou.
É claro que os desafios são muitos, mas nós devemos vencê-los, reflete. "É uma ação conjunta. Ninguém irá conseguir sozinho. Precisamos de todos os países, grandes economias e emissores, mas também das nações que estão em desenvolvimento. Todos têm que estar comprometidos para que possamos garantir um mundo mais justo e equilibrado", concluiu.
A COP de Belém é logo ali
Sobre a COP30, Ana, que vem sendo cotada como possível presidente da Conferência no Brasil, reconhece que, não obstante à mobilização global conjunta que a crise climática exige, o país tem imensa responsabilidade como anfitrião da Cúpula. "Temos muita experiência em preservação ambiental, agricultura sustentável, transição energética... E queremos e podemos mostrar que estamos prontos para liderar e ser exemplo de descarbonização para o mundo", destacou.
"Também estamos trabalhando para que a COP30 seja um ponto de virada e um momento decisivo para o mundo. E o Brasil será protagonista, não só com palavras, mas com ações reais", destacou. O que ela espera é que a próxima COP seja um marco histórico em que se apresentem soluções concretas e práticas, e também se alcance um avanço significativo na implementação das metas do Acordo de Paris.