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O protótipo do sensor desenvolvido pelas irmãs Clarice e Juliana Steffens consegue captar os voláteis dos percevejos antes de sua evaporação na natureza (INCT/Divulgação)
Repórter de ESG
Publicado em 15 de janeiro de 2025 às 11h48.
Última atualização em 15 de janeiro de 2025 às 11h49.
Um dos principais desafios atualmente para os agricultores são as pragas. Esses pequenos animais podem ser responsáveis por até 20% da predação de culturas de grãos em todo o mundo. Em um planeta cada vez mais quente, espera-se que essa taxa aumente: uma pesquisa da Universidade de Stanford avalia que a produção perdida pelo consumo de insetos aumentará em 10% a 25% a cada grau Celsius de aquecimento.
A principal forma encontrada pelos produtores agrícolas de culturas como soja, arroz, feijão e milho para combater as pragas são os pesticidas, mas seus efeitos não recaem apenas sobre os insetos, no entanto. O uso indiscriminado nas plantações impacta a qualidade do solo, da água – que, mesmo tratada, pode seguir contaminada – e do próprio alimento.
A saúde também pode sofrer com a intoxicação por esses químicos, com efeitos à saúde mental e respiratória no curto prazo e consequências duras como a leucemia e tumores no longo prazo.
Planta invasora gera renda extra para agricultores familiares na BahiaFoi a partir dessas contatações que as brasileiras Juliana Steffens e Clarice Steffens, irmãs e pesquisadoras da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (RS), desenvolveram um nariz eletrônico. Trata-se de um equipamento com nanosensores que detecta os feromônios dos insetos, facilitando a detecção de pragas em plantações.
A partir do controle de animais predadores nas lavouras, é possível manejar a utilização de pesticidas. “Podemos reduzir o uso indiscriminado de agroquímicos, diminuindo também o impacto negativo na saúde, no alimento e no meio ambiente”, explica Clarice.
As especialistas contaram com exclusividade à EXAME sobre sua criação e a expectativa de impacto positivo, tanto para as plantações quanto para o meio ambiente.
Formadas em Engenharia de Alimentos, Juliana seguiu carreira na engenharia química, enquanto sua irmã mais nova, Clarice, seguiu atuando na área alimentícia. Dentro da agricultura, Clarice passou a estudar o trabalho de sensores para avaliar o amadurecimento de frutas. Foi em 2017 que as irmãs se uniram para estudar como poderiam utilizar nanosensores para identificar a presença de percevejos a partir de suas moléculas odoríficas, ou seja, as que expelem os feromônios.
Em 2023, a especialistas passaram a integrar o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanotecnologia para Agricultura Sustentável, grupo de pesquisas da biodiversidade e a ecologia brasileira, permitindo a aceleração das pesquisas e a troca de conhecimentos entre especialistas de diferentes partes do país.
O protótipo do sensor desenvolvido por elas consegue captar os voláteis dos percevejos -- ou seja, as características químicas liberadas pelos insetos – antes que a informação seja liberada completamente na natureza, o que foi um desafio para a pesquisa. “Cada espécie conta com feromônios muito específicos, alguns que levam no máximo 20 minutos para se degradar, por isso o trabalho tem que ser muito rápido”, explica Juliana.
As pesquisadoras passaram a trabalhar com os feromônios dos percevejos machos, liberados durante o seu desenvolvimento e no acasalamento com as fêmeas. Os primeiros testes realizados em laboratório já foram capazes de detectar a presença dos animais.
“A ideia é que os agricultores possam identificar os locais com mais e menos pragas e realizar a pulverização de inseticidas com mais assertividade, já que, por vezes, a predação não está localizada em toda a lavoura”, explica Juliana. A inovação também permitirá que a agricultura utilize pesticidas com menor impacto ambiental a partir da identificação do grau de prejuízo para a safra.
A utilização em escala de tecnologias similares pode alavancar uma mudança na sustentabilidade e no impacto ambiental do agronegócio, setor de R$ 2,5 trilhões e que representou mais de 20% do PIB brasileiro em 2024.
“Pensando na importância do agro brasileiro para os mercados interno e externo, as tecnologias e inovações podem ajudar toda a cadeia econômica envolvida nisso. Assim podemos associar a produção agrícola com a preservação dos recursos naturais, evitando a contaminação ao solo e à água e mantendo a escala da produção”, explica Clarice.
Juliana explica que o controle na utilização atual dos pesticidas também é benéfico para as espécies locais. “Como as espécies dependem de outras na cadeia alimentar, o uso de pesticidas em larga escala gera um descontrole na fauna. Isso está acabando com a biodiversidade ao redor de lavouras em muitas áreas no Sul e Sudeste”, conta.
Os próximos passos incluem os testes dos nanosensores fora do laboratório, como em estufas e lavouras, avaliando se é possível identificar os percevejos em condições adversas de temperatura, ventos e chuvas. “A ideia é implementar o nanosensor aos testes de campo, para ser utilizado nas fazendas em pouco tempo”, explica Juliana.
Ainda em 2025, as pesquisadoras esperam que o protótipo seja validado e esteja pronto para uso. De acordo com as especialistas, ainda há a possibilidade de integrar a aplicação do nariz eletrônico com a inteligência artificial, otimizando as coletas e análises de dados e na interpretação dos voláteis, especialmente os de rápida degradação.