Acácio Reis, fundador da Unidos de Paraisópolis (Arquivo pessoal/Reprodução)
Marina Filippe
Publicado em 25 de março de 2022 às 07h00.
Última atualização em 29 de março de 2022 às 10h10.
Aos cinco anos de idade, a separação dos pais levou Acácio Reis, a mãe e a irmã três anos mais velha a sairem do centro de São Paulo rumo a Paraisópolis, favela de São Paulo com cerca de 43.000 habitantes, de acordo com o Censo de 2010. Por lá, onde mora até hoje, ele encontrou na música a razão de viver. "Quando eu era criança minha mãe trabalhava como auxiliar de cozinha na Vila Olímpia (bairro nobre da capital) e eu passava o dia brincando na rua com a minha irmã, onde tinha acesso às coisas boas e ruins, até que aos 10 anos a música mudou minha vida", diz.
Agora, aos 29 anos de idade, Acácio busca gerar o mesmo impacto social em outros moradores da região por meio da Unidos de Paraisópolis, uma organização sem fins lucrativos que começou com aulas de percussão e atualmente reune sete professores para 180 alunos.
Para funcionar, a Unidos de Paraisópolis tem aceitado a doação do espaço físico, dos instrumentos e das horas de professores voluntários. Além disso, a pandemia da covid-19 não impediu o crescimento do projeto, pelo contrário. "Continuei com as aulas no formato online, mandando os vídeos pelo WhatsApp e percebi a necessidade de ampliar os ensinos", diz Acácio. Agora, há também aula de reforço escolar e inglês, sendo que toda a atividade presencial teve retorno em maio do ano passado.
Apesar do sucesso da organização, na qual mais de 300 pessoas já tiveram aulas, e repercussões para além de Paraisópolis, ainda não há um apoio financeiro de empresa ou outra instituição patrocinadora. "Todos os professores exercem outros trabalhos remunerados e sobrevivemos de doações para manter a estrutura de pé".
Para mudar um pouco o cenário, Acácio se reuniu com a iniciativa Costurando Sonhos, do mesmo bairro, para, juntos, produzirem e venderem camisetas da Unidos de Paraisópolis. Deste modo, é possível arrecadar alguma verba ao mesmo tempo em que se incentiva o crescimento da Costurando Sonhos, organização que capacita e certifica mulheres em costura com o objetivo de gerar renda e retirá-las de situações de violência e vulnerabilidades.
Na ação iniciada em 2017, as mais de 400 mulheres já capacitadas trabalham de oficinas colaborativas ou de suas casas, e ao menos 100 delas tem renda a partir dali. "Eu não tinha verba para começar a produção. Elas disponibilizaram um lote de 150 camisetas personalizadas, com logotipo criado pelo Studio Barça, e as pago ao final da venda".
A camiseta unitária custa 70 reais e o conjunto com três camisetas em preto, rosa ou branco sai por 160 reais. "Esta foi uma forma de, com empreendedorismo, ampliar a renda das duas organizações. Agora, esperamos continuar com as iniciativas e, quem sabe, conseguir um patrocinador fixo que nos ajude a mostrar as potências de Paraisópolis", diz Acácio. As vendas das camisetas para custear o projeto estão acontecendo pelo Instagram (veja).
Trajetória
Quando Acácio conheceu o projeto musical Barracão dos Sonhos, aos 10 anos, logo percebeu ter facilidade com os instrumentos de percussão. Ainda adolescente, com a equipe do Barracão, ele fez shows com artistas como Chico César. Já aos 18 anos o músico se profissionalizou com a Orquesta Filarmônica de Paraisópolis e a gradução pela Faculdade Cantareira de Música. Apesar disto, viver apenas da arte ainda não era uma possibilidade para o jovem, até sua vida mudar de novo em 2019.
"Estava trabalhando como guia turístico em Paraisópolis quando um arquitero holandês que visitava o bairro descobriu meu interesse pela música e me colocou em contato com grupos da Holanda que pensavam estar tocando samba, quando na verdade o som deles estava mais para o reggae", afirma. O olhar de especialista brasileiro foi valorizado por um grupo de três bandas que custeou uma viagem de quatro meses para que Acácio pudesse oferecer uma consultoria in loco. "Ali entendi que a música me resgatou como cidadão, me deu oportunidades inimagináveis, e que eu precisava devolver para a comunidade tudo o que recebi da infância à vida adulta".
Para Acácio, a sua história é uma entre tantas potências de Paraisópolis. Um exemplo, é do jovem Leandro Duarte, de 19 anos que, por curiosidade e afinidade com a tecnologia, descobriu falhas de segurança no Gmail, o e-mail do Google em 2019. Desde então, Leandro tem oferecido consultoria para grandes empresas com o amigo Rodrigo Campos e continua aproveitando oportunidades de estudos por meio de bolsas.
Atualmente, Leandro e Rodrigo estão estudando no Inteli - Instituto de Tecnologia e Liderança, iniciativa sem fins lucrativos é liderada por André Esteves e família, Roberto Sallouti e outros sócios do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da Exame)
"Onde cheguei é só o começo e mostra como Paraisópolis pode gerar muitas oportunidades ao mercado, mas é preciso que as pessoas acreditem no nosso potencial e promovam grandes conexões", diz Leandro.