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Com a guerra, a Europa abandonará a agenda climática?

Nas eleições francesas, a política externa e preocupações econômicas dominam os debates. Em diversos países, o preço da energia provoca ira da população

Energia eólica: projetos de IA buscam prever padrões do vento (Danil Shamkin/NurPhoto/Getty Images)

Energia eólica: projetos de IA buscam prever padrões do vento (Danil Shamkin/NurPhoto/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 7 de março de 2022 às 12h27.

Última atualização em 7 de março de 2022 às 13h04.

Em recente pesquisa, 52% dos cidadãos franceses citaram seu poder de compra como uma grande preocupação. Apenas 29% mencionaram o meio ambiente, colocando essa questão praticamente no mesmo nível do sistema de saúde (30%) e da imigração (28%). Dado esse pano de fundo, não é surpresa que a transição para uma economia neutra em relação ao clima não tenha destaque na atual campanha presidencial francesa.

Com o início da guerra na Ucrânia, os franceses podem — pelo menos uma vez — discutir assuntos externos e de segurança no período que antecede a votação. Mas, apesar das generalizadas preocupações com as mudanças climáticas, preocupações econômicas mais imediatas correm o risco de jogar a política climática à margem do debate político.

Isso é lamentável, porque a França, juntamente com o resto da União Europeia, se comprometeu a reduzir quase pela metade suas emissões de gases de efeito estufa até 2030 — um aumento de três vezes na velocidade de redução de emissões em comparação com a última década. Se a França conseguirá cumprir essa meta extraordinariamente exigente dependerá das ações de urgência tomadas pelo candidato presidencial vencedor. Mesmo a aproximação da meta exigirá uma transformação acelerada que afetará todos os setores e todos os aspectos da vida econômica e social.

Em uma democracia que funcione adequadamente, portanto, a imediata ação climática estaria no topo da agenda da campanha. Mas os candidatos presidenciais de esquerda, que enfatizam a necessidade de enfrentar as mudanças climáticas, estão com ampla margem nas pesquisas, enquanto os de direita preferem evitar o assunto, ou mesmo defendem a suspensão da instalação de turbinas eólicas sob a alegação de que elas poluem a paisagem. A única discussão significativa se concentra nas relativas participações de energia nuclear e renováveis ​​em 2050 — uma escolha importante, mas que não determinará se a França atingirá sua meta de 2030.

Nem todos os Estados-membros da UE são tão indiferentes. Por exemplo, a ação climática teve destaque na campanha que antecedeu as eleições gerais de setembro de 2021 na Alemanha, e o resultante acordo de coalizão dedica 40 páginas a ela.

Mas, na maioria dos países, o aumento nos preços da energia desde o outono passado e o consequente aumento da inflação provocaram a ira da população e desviaram a atenção dos formuladores de políticas das preocupações de longo prazo. Os governos de todos os lugares correram para introduzir várias correções na esperança de conter o aumento do nível de preços. De acordo com uma pesquisa da Bruegel, muitos na UE reduziram os impostos ou taxas de energia, reduzindo de fato o preço do carbono em um momento em que deveriam estar pensando em como aumentá-lo.

Essa situação levanta três questões. Primeira, o que explica a atual miopia em relação ao clima? Em segundo lugar, como os governos deveriam reagir? Terceira, existe uma maneira de manter os debates democráticos focados nas escolhas que definirão o futuro?

A miopia de hoje pode parecer intrigante, mesmo porque a melhor proteção contra os altos preços da energia seria reduzir a dependência de combustíveis fósseis. É tentador atribuir a miopia predominante ao crescente domínio das mídias sociais e à erosão das instituições políticas estabelecidas, como os partidos políticos.

Mas também há razões econômicas. Desde a crise financeira global de 2008, muitas famílias europeias passaram por inúmeras dificuldades. Embora a renda das pessoas tenha sido geralmente protegidas das consequências do choque da covid-19, seu padrão de vida quase não aumentou desde o início da crise de 2008. Com o aumento dos preços da energia, aqueles que lutam para sobreviver sofreram um novo golpe em seu poder de compra. E as famílias abastadas cuja riqueza financeira consiste em cadernetas de poupança viram o retorno de seus ativos cair por causa das taxas de juro ultrabaixas. Com a inflação subindo, eles agora temem uma erosão do valor real de suas economias.

A instabilidade dos preços da energia provavelmente veio para ficar — e pode aumentar. Mesmo abstraindo-se da turbulência geopolítica, é improvável que a transição da energia marrom para a verde seja suave. A realocação de capital de combustíveis fósseis para renováveis ​​será um processo confuso que implicará fases de escassez de energia, bem como períodos de excesso de oferta.

Os governos deveriam, portanto, se preparar para esses cenários. Especificamente, deveriam ser claros sobre suas metas climáticas, endossar e anunciar um aumento gradual no preço (explícito ou implícito) do carbono e fornecer substancial apoio ao investimento para aqueles que não podem arcar com investimento em fornecimento térmico para suas casas ou comprar um carro novo. Ninguém deveria ser protegido da variação do preço relativo da energia, mas ninguém deveria ser privado dos meios de adaptação.

Também é papel dos governos proteger as famílias vulneráveis ​​contra os aumentos dos preços da energia. Isso deveria ser feito por meio de esquemas testados em termos de recursos que visam a extremidade inferior da distribuição de renda, mas protegem todos os consumidores. Mais uma vez, esse seguro não deveria enfraquecer os incentivos para investir no aprimoramento das habitações ou em novos equipamentos. Como o apoio ao investimento e o seguro contra flutuações de preços deveriam ajudar as famílias a enxergar através da névoa da instabilidade, os formuladores de políticas precisam explicar claramente os dois objetivos e garantir que os instrumentos correspondentes sejam distintos.

A terceira pergunta é a mais difícil. A capacidade de uma sociedade de identificar desafios de longo prazo e concentrar seus esforços em resolvê-los depende de várias condições. Honestidade (sobre os desafios e os custos de enfrentá-los), clareza (sobre as escolhas de políticas), transparência (sobre as implicações das políticas) e justiça (na distribuição do ônus correspondente) são indispensáveis. Mas não são suficientes.

A ação climática tomará conta e galvanizará os eleitores apenas se a esperança substituir o medo. Os cidadãos (pelo menos na Europa) não precisam mais de palestras sobre ameaças climáticas, mas precisam ouvir de forma convincente: “Sim, nós podemos fazer isso”. Eles precisam deixar de se ver como vítimas das mudanças climáticas ou da luta contra elas, tornar-se atores da transformação que está por vir e encontrar um papel na construção de um futuro melhor.

Esta é uma tarefa difícil em sociedades pós-verdade, onde a confiança nas instituições está em baixa. Mas quem conseguir construir essa dinâmica colherá uma recompensa política proporcional.

Tradução de Anna Maria Dalle Luche

Jean Pisani-Ferry, membro sênior do think tank Bruegel, com sede em Bruxelas, e membro sênior não residente do Peterson Institute for International Economics, ocupa a cadeira Tommaso Padoa-Schioppa no Instituto Universitário Europeu.

Direitos autorais: Project Syndicate, 2022.
http://www.project-syndicate.org

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