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Natalie Unterstell: "Cidades mais resilientes são aquelas que investem apostando que os eventos virão, que não vamos conseguir contê-los e que precisaremos lidar com eles" (Talanoa/Divulgação)
Publicado em 12 de outubro de 2024 às 17h57.
Última atualização em 14 de outubro de 2024 às 16h57.
Já é unanimidade entre especialistas o fato de que a instabilidade do clima resultará, cada vez mais e em todo o mundo, em eventos climáticos extremos. Nas últimas semanas, a atenção ao tema cresceu, extrapolando a bolha científica em função das passagens dos furacões Milton e Helene pelos Estados Unidos, Caribe e Golfo do México. E na sexta-feira (10), a discussão aterrisou quente no Brasil, depois de um rápido temporal atingir boa parte do estado de São Paulo, provocando apagões que há mais de vinte horas atingem milhões de moradores, além de promover muitos estragos e deixar vítimas fatais na capital.
Ao episódio, somaram-se as lembranças ainda muito vivas em todo o país, das enchentes do Rio Grande do Sul, e um histórico recente na mesma São Paulo, quando há cerca de sete meses, depois de uma tempestade, regiões metropolitanas chegaram a ficar mais de 40 horas sem energia elétrica. Olhando pelo retrovisor da onda de desastres, ficou impossível não se perguntar repetidamente: o que deixou de ser feito ou poderia ter sido previsto?
"Adaptação é a primeira linha de defesa ", afirma Natalie Unterstell, Presidente do Instituto Talanoa, em entrevista à EXAME. De acordo com a ambientalista, embora o Rio Grande do Sul tenha sido atingido por uma catástrofe climática sem precedentes no Brasil, investimentos prévios em políticas e medidas de adaptação e infraestrutura resiliente poderiam ter amenizado muitos dos efeitos das enchentes. O que vale também para São Paulo.
Tecnologias simples, cidades resilientes
Seja por meio de uma obra maior como quebra-mares, que consistem em barreiras para resistir à força de correntes ou embate de ondas, ou a partir de ajustes mais simples, olhar para a primeira linha de amortecimento de impacto já ajuda a diminuir inúmeras consequências de eventos extremos promovidos ou catalisados pela mudança de clima. Seria este, o passo preliminar para cidades se tornarem mais resilientes e, portanto, menos vulneráveis, aponta Natalie. E alternativas não faltam.
"Cidades mais resilientes são aquelas que investem apostando que os eventos virão, que não vamos conseguir contê-los e que precisaremos lidar com eles", diz. A especialista cita alguns exemplos de metrópoles que sofreram com tragédias climáticas – como Nova York após o furacão Sandy em 2012 –, e aprenderam a organizar melhor seu território, colocando tecnologias a serviço da população.
No caso de fortes chuvas, Natalie aponta como primordial, o uso de tecnologias relativamente simples com capacidade de absorver a água, que resultam em adaptações inteligentes e efetivas. “Hoje as cidades são muito impermeáveis e a água acaba se acumulando, deixando nossos sistemas de drenagem sobrecarregados”, explica. Um exemplo bem sucedido segundo a ambientalista, é uma iniciativa da prefeitura do Rio de Janeiro, que implementou sensores nos bueiros para indicar pontos de alagamento e identificar onde seria necessário uma limpeza pelo acúmulo de rejeitos.
Já na Filadélfia, sexta cidade mais populosa dos Estados Unidos e que também chegou a colapsar em função de chuvas extremas, a solução para aliviar a carga do sistema de drenagem local foi um programa de distribuição de baldes para que a própria população os espalhasse pelos seus terrenos e pudessem conter a primeira polegada de chuva. "Existiam dados que avalizavam a evidência de que 90% dos problemas naquele município poderiam ser evitados com esta solução. Foi super efetivo e quem adotava o balde, ainda ganhava desconto nas contas públicas e no pagamento de impostos”, citou Natalie.
Remediar, depois prevenir
Nesta sexta-feira, 10, grande parte da população foi pega de surpresa quando o temporal começou. O alerta da Defesa Civil só chegou a partir de 19h30, quando as chuvas já estavam em curso em boa parte das cidades. No perfil do órgão em uma rede social, somente cerca de oito horas pós temporal, houve uma nova comunicação em tom relatorial sobre os impactos no estado. De acordo com a presidente do do Instituto Talanoa, investir na comunicação é investir em prevenção. No Rio Grande do Sul, ela lembra, as severas restrições fiscais e o baixo investimento em adaptação custaram caro.
"Era sabido desde meados de 2018, que as infraestruturas estavam críticas e demandavam modernização. Faltou envolvimento de governos e iniciativas privadas para que essas infraestruturas se mantivessem resilientes", analisa Natalie que, ao lado do economista Sérgio Margulis, coordenou o maior estudo já feito no país sobre adaptação às mudanças climáticas. Porém, destinar recursos para atividades preventivas fizeram com que o Instituto de Meteorologia local conseguisse emitir alertas necessários e mitigar o que era possível neste sentido.
Em São Paulo, onde até a publicação desta entrevista 1,4 milhão seguem sem luz e até o abastecimento de água está comprometido em algumas regiões, o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o deputado Guilherme Boulos (PSOL), que concorrem ao segundo turno da prefeitura de São Paulo, se posicionaram diante do temporal. Porém, embora não restem dúvidas de que investimentos em resiliência climática precisem ser prioritários, ainda não há indicativos ou propostas claras, de nenhum dos candidados, a respeito do tema.