Harvard Business School: Athayde se surpreendeu ao encontrar na universidade brasileiros que vieram de favelas e da periferia (Petr Kratochvi/Public Domain/Divulgação)
Rodrigo Caetano
Publicado em 15 de novembro de 2022 às 04h50.
Acabei de pousar em Guarulhos. Como não tenho bagagem, vou correr aqui para tentar aproveitar o dia. Afinal, estamos na semana das grandes finais, a feminina e a masculina, da Taça das Favelas Nacional, que apelidamos de Favelão 2022. Esse nome foi sugerido pelo então diretor de comunicação da TV Globo, Luís Erlanger, há exatamente 10 anos. É que no fundo ele sabia que o próximo passo era fazer a versão nacional, o que ele não sabia é que demoraria tanto.
Erlanger é aquele intelectual marginal, que sabe de tudo um pouco. Manja de gastronomia, vinhos, samba, de futebol... Ele se acha o flamenguista mais consciente e entendedor das quatro linhas. O bicho até cadeira cativa tem para ver seu time tomar quase sempre chinelada, claro, quando o VAR não rouba.
O papo aqui é Harvard e não ele. Mas, antes de voltar para Harvard, eu lembrei de quando fui com ele, sua esposa e o MV Bill receber o prêmio Rei da Espanha em Madrid, oferecido pelo Rei Juan Carlos, pelo filme documentário “Falcão Meninos do Tráfico”. Ele resolveu me convidar para uma sessão em um museu e até hoje sou traumatizado, porque ele e a esposa ficaram cerca de seis horas olhando um único quadro. Era um cavalo estilizado. Quando eu vi, achei meio salsicha com linguiça e não precisei de mais de três minutos para contemplar toda a obra. Mas o bicho não, ficou ali emocionado com aquele cavalo por seis horas. Mas vamos voltar para Boston.
Pois bem, acabo de desembarcar de uma aula - palestra para alunos e alunas do Brasil que fazem MBA por dois anos, na mais conceituada universidade do mundo. Ou pelo menos é o que está escrito por aí. São atuais empreendedores que buscam melhorar seus conhecimentos e performance para se consolidarem no futuro próximo, uma vez que são filhos de ricos e, portanto, ricos.
Minha fala era sobre negócios na base da pirâmide. Sobre como eu consegui mudar a narrativa da favela passando de espaço associado a carência para potência, e o quanto existem vários empreendedores das favelas seguindo esse conceito e transformando essa realidade. O fato é que foi apoteótico, aplausos de pé e tantas outras plumas e lantejoulas.
Ao final do evento, em um coquetel de encerramento, vários desses alunos milionários eram, na verdade, ferrados economicamente e herdeiros de nada. Eram 300 estudantes e ali tinha uma feira patrocinada pela Bain Company, uma das maiores consultorias do mundo. Parte dos alunos nem eram de Harvard, eram de universidades também renomadas dos Estados Unidos. E aí eu comecei a ver o outro lado de Harvad.
Poderia citar pelos menos 20 casos, mas para otimizar vou falar de apenas um. O cara é do Rio, da Favela Cesarão, onde morei por seis meses antes de ir para o Sapo. E pegou um empréstimo para estudar lá. Algo como o crédito educativo e já começa devendo quase um milhão. A aposta dele, e de outros que recorreram a esse tipo de empréstimo, é que terão pleno retorno uma vez que terão vantagem competitiva no mercado, ao serem perfilados com concorrentes que estudaram no Brasil. Tanto é verdade, que já existiam lá empresas capturando alguns deles, antes mesmo de suas formaturas.
*Celso Athayde é CEO da Favela Holding e fundador da Central Única de Favelas