Ferreira, da Natura&Co: "Sociedade tem demandado ações mais responsáveis de governos, empresas, comunidades" (Germano Lüders/Exame)
A fabricante de cosméticos Natura foi, sem dúvida, a marca que mais se destacou neste Dia dos Pais, após lançar uma campanha com 14 influenciadores e, entre eles, o Thammy Miranda. Em meio às críticas, a empresa registrou em um dia alta de 6,7% na Ibovespa, índice de ações da B3, a bolsa de valores de São Paulo. Além disso, ganhou seguidores e virou exemplo de lições de negócio.
Não é de hoje que a Natura promove campanhas publicitárias e ações internas para apoiar a diversidade. A mais recente é o anúncio das metas para até 2030, como trabalhar para ter 30% de grupos sub-representados, sejam raciais ou étnicos, diversidade sexual e identidade de gênero (LGBTI+), pessoas em posição de vulnerabilidade socioeconômica, com deficiência física ou mental no corpo de funcionários.
As medidas abarcam também as mais de 2,4 milhões de consultoras da Natura&Co, holding que abarca a Natura e as suas aquisições recentes, como a Avon, Aesop e The Body Shop.
Na visão do presidente da Natura&Co para a América Latina, João Paulo Ferreira, a busca pela sustentabilidade – e não apenas a campanha de publicidade com o Thammy – explica o bom momento da empresa. Na entrevista a seguir, Ferreira avalia os desafios de buscar objetivos de sustentabilidade num cenário de polarização política do Brasil – que, inclusive, têm reflexos na política ambiental do país.
e. Vivemos em um mundo polarizado, com discurso de ódio e ataques coordenados a pessoas e instituições. Neste contexto, vocês decidiram colocar um homem trans em uma campanha de dia dos pais. Como calcularam os riscos e benefícios antes de tomar essa decisão?
Essas decisões não são tomadas necessariamente de forma pontual. Elas são um desdobramento das crenças da Natura. A Natura tem crenças que foram formalizados há mais de vinte anos e que pregam fundamentalmente o diálogo, a interdependência e a melhoria contínua. Essa busca por valores humanistas. Uma dessas crenças fundadoras é a diversidade de forma mais ampla possível: de ideias, experiências, culturas.
Esse não era o foco da campanha. O foco era um desses ganhos da pandemia, que é a presença e a relação mais próxima e íntima entre pais e filhos. Tanto que a campanha se chama “Pai presente”. Em meio a tantos transtornos que nós estamos vivendo, um dos ganhos é a presença do pai, ali, vivendo a rotina dos filhos. Em linha com essas crenças, queremos mostrar a paternidade da forma mais diversa possível. Tem um filme publicitário muito bonito que está na TV aberta e no online, e nós demos voz a pais de diferentes padrões para dizer como estão vivendo esta presença, e o Thammy era um deles, entre tantos outros. E o que nós vimos é essa reação que mostra a polarização, a fragmentação da sociedade mundial, não é nenhuma exclusividade brasileira. Isso se manifestou de forma muito intensa.
Mas, como o que nós pregamos é o diálogo para a construção de um ponto de vista comum sobre vários temas, por exemplo a questão ambiental ou a questão de gênero, nós estamos lá para isso. Nossas ações sempre vão buscar promover diálogo. Nós acreditamos que a Natura é uma ponte natural, dada a sua penetração em tantos estratos da sociedade, desde os lares mais afluentes até os mais humildes. Pela relevância de seus produtos, suas marcas, sua forma de atuação empresarial. Nós acreditamos que temos este papel de ser ponte dentro da sociedade. Então, a campanha veio em linha com isso. Jamais poderíamos imaginar tamanha intensidade com uma pequena parcela dessa campanha, mas, no final das contas, estamos felizes em cumprir esse papel de promoção de diálogo e estabelecimento de pontes.
e. O que vocês conseguiram captar da percepção dos consumidores e, principalmente, das consultoras. O discurso da diversidade está presente nas políticas da empresa, mas como ficam as ações em relação à massa de consumidores e consultoras da Natura no Brasil?
A Natura é uma marca com uma presença muito alta em lares. Portanto, consumidoras e consultoras são um reflexo da sociedade. Temos 1,2 milhão de consultoras no Brasil, servindo a 80 milhões de consumidores por ano. Então, o que acontece na sociedade é o que acontece no nosso grupo de consultoras e consumidoras. Muitas se incomodam, a maioria compreende e existe, ainda, um grupo que apoia e defende intensamente. O nosso grupo de relacionamento mais próximo não é diferente do que ocorre na sociedade.
e. A campanha de Dia dos Pais coincidiu com uma valorização muito alta das ações da empresa na Bolsa. Qual foi o peso da campanha nesse resultado e que outras iniciativas da Natura também podem ter contribuído para essa alta?
A valorização das ações de uma companhia é reflexo das expectativas de performance futura. A comunidade investidora está enxergando na Natura&Co, que inclui a Avon, The Body Shop e Aesop, possibilidades de criação de valor futuro. Isso vai muito além dessa campanha. A começar pelo fato de sermos um grupo global. Enquanto aqui ainda estamos em um momento mais intenso da pandemia, em mercados asiáticos, a Aesop, por exemplo, já vivencia um momento de abertura e boa performance. Depois, todo o trabalho de multicanalidade que o grupo vem fazendo. Hoje, as consultoras da Natura são omni-canal. Mais de um milhão delas, na América Latina, têm sua loja online. Muitas delas, no Brasil, têm a sua loja física. E ainda fazem o trabalho de revenda, seja através dos meios digitais, seja de forma presencial.
Tudo isso se manifestou de forma muito intensa e positiva na pandemia, porque dá muitas condições de manter a relação com clientes em uma geografia muito vasta. Então, a comunidade investidora está vendo aspectos como estes, além do que, sendo um grupo orientado por propósito, enxerga que a sociedade mundial tem demandado ações mais responsáveis de governos, empresas, comunidades. A Natura&Co, com marcas de muito propósito e impacto social, também é posicionada aos olhos dos investidores como uma marca que tem condições de perseverar nesse ciclo tão demandante que deve emergir a partir da crise. Tudo isso combinado é que faz as expectativas aparecerem muito mais do que exclusivamente a campanha, embora tenha tido alta repercussão.
e. Como a digitalização que a Natura vem fazendo, potencializada pela pandemia e pelo e-commerce, afeta o trabalho das consultoras?
Eu repito frequentemente que a Natura é, há mais de 50 anos, uma rede social. São empreendedores que se reúnem voluntariamente ao redor de objetivos comuns que incluem, mas transcendem, a comercialização de cosméticos. Levam em conta objetivos de desenvolvimento individual e coletivo, social, ambiental, cultural. Essa comunidade construiu a marca preferida de seu setor contando histórias, tocando nas portas. Por meio dessa rede, chegamos fisicamente a 100 milhões de consumidores na América Latina.
Então, somos a mistura da Amazon, do Facebook e do Google. Só que nós fizemos isso offline pro décadas, então imagina o poder de amplificar estas relações todas a partir de ferramentas digitais. É isso que a gente vem fazendo nos últimos cinco anos com muita intensidade. A nossa plataforma digital foi se sofisticando e a adoção das ferramentas digitais na vida das consultoras foi aumentando muito – mais de 90% das construtoras utilizam a nossa plataforma digital para se resolver com a Natura, fazer seus treinamentos, falar com as suas linhas de vendas, acompanhar os seus pedidos, os seus pagamentos, saber dos novos produtos, das promoções, enfim. Acontece que, embora o uso fosse alto, a maturidade do uso destas ferramentas vinha progredindo em um ritmo muito positivo.
A partir da pandemia, explodiram o uso e a maturidade. Hoje, a consultora não só usa tudo o que pode para se tornar uma melhor profissional, mas também para se relacionar com as suas clientes. Hoje ela distribui conteúdo, edita seus posts, cria suas histórias, edita o seu catálogo, distribui para suas amigas e clientes. Combina mecânicas de entrega diferentes. É um modelo de comércio muito moderno porque a experiência de compra é múltipla e se adapta à cliente. Além disso, privilegia o pequeno comerciante, fazendo um comércio justo e seguro. A cliente recebe o produto em casa, com conveniência e com o endosso de alguém em quem ela confia. Para mim, esta é uma das expressões mais contemporâneas das relações comerciais, e isso tem se manifestado de forma muito intensa. Estou entusiasmado com tudo o que estamos vendo aqui. E temos trabalhado rapidamente para transferir estas práticas e ferramentas para a Avon, que se juntou a nós no começo do ano.
e. E nesse contexto, como se equilibram os canais. Há consultoras, mas também tem o comércio eletrônico da Natura. O cliente pode dispensar a consultora?
Pode. Temos de respeitar as diferentes experiências e perfis de compra. Pode ir até a loja da Natura, pode comprar pelo nosso e-commerce, pelo e-commerce da consultora. Cabe a nós, em algum momento, identificar se há um serviço de valor agregado que possa encantar esse cliente. Quem compra pelo e-commerce é bem-vindo, gosta da marca e talvez nunca tenha experimentado um bom aconselhamento de produtos. Em algum momento, gostaríamos de oferecer ajuda a esse cliente por meio de profissionais bem treinadas para aconselhar. Cabe a nós encantar o cliente em algum momento para que ele veja valor no serviço de consultoria. E, oxalá, algum dia todos eles prefiram ter uma consultora de confiança.
e. Como a pandemia altera ou reforça a integração com a Avon?
É quase inacreditável, mas a pandemia acelerou a integração com a Avon. Nos primeiros momentos da pandemia, quando tudo era incomum e incerto, o que nós fizemos foi nos mobilizar ao redor de prioridades muito claras: proteger as pessoas, ajudar a controlar a pandemia e manter a economia circulando. O comitê executivo da Natura&Co da América Latina se reunia diariamente, trabalhando ao redor destes tópicos. Para ajudar a barrar o contágio, reorientamos a capacidade produtiva para itens essenciais (álcool em gel, sabonetes), e doar tudo que a gente pudesse para autoridades de saúde, ONGs etc. De repente, ninguém era mais Avon, Natura ou The Body Shop. Todo mundo estava trabalhando por esse objetivo.
Foi muito curioso, porque rapidamente passamos a produzir produtos da Natura na fábrica da Avon. No Brasil, no México, na Argentina. E quando íamos doar um produto, ninguém dizia que era de uma marca ou de outra. Todos se alinharam e passaram a trabalhar juntos ao redor de um propósito comum. Isso acelerou a integração até das pessoas, que não se conheciam ainda porque a Avon passou a fazer parte da família em janeiro.
e. As duas empresas têm propósitos claros quando se fala de diversidade. Como estes esforços se unem e o que podemos esperar, daqui para frente, sobre aumento e promoção da diversidade dentro das marcas?
Antes da chegada da Avon, o grupo vinha trabalhando em estabelecer sua agenda de impacto positivo global para o grupo. A Avon entrou na agenda e, há um mês, lançamos a visão 2030 de compromisso com a vida do grupo Natura&Co. Definimos metas claras para o grupo como um todo. Metas de impacto ambiental, de redução de carbono e de proteção da Amazônia, de circularidade, de redução de resíduos sólidos e recuperação destes resíduos dentro da própria cadeia produtiva. Há, ainda, a promoção de vida digna, de desenvolvimento humano, o que inclui a diversidade como um de seus capítulos. Portanto, todas as empresas do grupo têm algo a fazer para o tema de diversidade.
Internamente, essas metas não divergem. Diversidade de gênero, representatividade igualitária com renda igual. Ou grupos sub-representados dentro da sociedade. Queremos que o nosso corpo de colaboradores esteja representado acima da norma da sociedade no que se refere a estes grupos. Todas as empresas vão se movimentar nesta direção. Em relação às marcas, cada uma vai ser porta-voz de um pedaço dessa história. Por exemplo, levando em conta a sua herança, a Avon tem uma atuação centenária ao redor de direitos da mulher. Hoje, está focada em combate à violência contra mulheres e meninas, a prevenção do câncer de mama e o empoderamento feminino. Certamente, será uma grande representante desse tema. A Natura tem um tema de proteção ambiental e amazônico muito forte, diversidade em geral e educação, por exemplo. Cada uma das marcas se apropria de uma parte desse discurso para poder,de uma forma conjugada, elevar o grau de consciência da sociedade como um todo.
e. Quais são os principais desafios das empresas para atingir as metas de diversidade?
Temos aprendido que os processos internos às vezes carregam vieses que nos limitam na hora de recrutar, desenvolver. E a gente nem percebe isso. Aprendemos muito sobre isso com o tema de colaboradores com restrições de capacidades físicas e cognitivas. Particularmente no centro de distribuição de São Paulo, quase 20% dos colaboradores têm algum tipo de restrição, incluindo autismo, síndrome de Down. Todos os colaboradores que fazem parte daquela equipe têm performance e produtividade excelentes.
Levamos alguns anos para aprender como criar condições de trabalho que permitam que cada colaborador tenha o máximo de seu talento e da sua potência. Fomos aprendendo como fazer um bom treinamento para algum colaborador que tenha alguma restrição, como ajustar o posto de trabalho, considerando que existem colaboradores que reagem melhor, por exemplo, a sinais coloridos do que a instruções escritas. Muitos de nossos líderes têm de saber Libras. São coisas que vamos aprendendo, e não tenho dúvida de que os processos internos é que têm de ser sofisticados para que a gente não exclua ninguém, mesmo não de forma não intencional. Este é o principal gargalo.
e. Há 20 anos, a Natura lançou a linha Ekos e deu início à atuação na Amazônia. O que vocês aprenderam sobre sustentabilidade e inclusão social nestas duas décadas?
A Amazônia é de uma riqueza enorme dos pontos de vista econômico, social, cultural. E de uma complexidade do mesmo porte e, por isso, demanda soluções sistêmicas e colaborativas. É impossível fazer qualquer coisa para a Amazônia de forma individual. Precisa da colaboração de governos em todas as suas esferas, de terceiro setor, de iniciativa privada e das comunidades. Não é chegar lá e começar a fazer. Você vai para lá, aprende, coloca pessoas por lá para conhecer a comunidade, trabalhar junto e, assim, as coisas começam a acontecer. Atuar na Amazônia exige inovação. Precisa enxergar aquilo que não é visível a olhos nus. Enxergar as possibilidades de monetizar o carbono que está lá, para gerar riqueza. Enxergar a economia de águas. Enxergar que o conhecimento tradicional associado àquelas comunidades são indicadores de inovação que precisam ser transformados a partir da ciência. Enxergar que novas cadeias de valor podem se criar. É possível fazer mineração na Amazônia de forma sustentável? É, é possível, sim.
e. É possível conciliar agricultura e sustentabilidade na Amazônia?
Sim. Só que é preciso fazer com inovação. A gente não cansa de aprender. A Amazônia é o laboratório vivo. Temos uma iniciativa agora de vender em consórcio com espécies nativas. É muito curioso, ver a inovação em coisas inesperadas. O dendê é uma cultura que, no sudeste asiático, foi responsável pela devastação da floresta tropical. No Brasil, foi positivo, porque entrou para recuperar áreas de pasto. Há mais de dez anos, temos desenvolvido o dendê em consórcio com espécies nativas. Então, você tem áreas de espécies nativas misturadas com o dendê, em um sistema agroflorestal. É incrível, ele é mais produtivo, gera mais renda por hectare para a comunidade extrativista, tem menos praga. Inovação agrícola dentro da floresta, invertendo o paradigma de que uma cultura pode ser nociva.
Mas temos exemplos mais naturais, como o caso da ucuúba, que estava entrando em extinção. A árvore era cortada por 20 reais para fazer cabo de vassoura. A Natura pesquisou por anos e descobriu que o fruto tinha uma propriedade emoliente incrível que, se transformada com a química certa, gera um ótimo hidratante. Hoje, as comunidades que trabalham com ucuúba apuram três vezes mais receita pela mesma árvore para deixá-la em pé e colher o fruto. Isso aplicando ciência de ponta e conhecimento tradicional associado – inclusive remuneramos as comunidades pelo acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento muito antes do protocolo de Nagoya (tratado permite ao Brasil cobrar royalties de produtos feitos a partir de matérias-primas do Brasil, como mandioca e borracha).
e. A Natura passou integrar um grupo de empresas com o objetivo de zerar as emissões de carbono. Quais são os gargalos nesta área e como vocês envolvem os fornecedores nestas metas?
Há duas atividades empresariais acontecendo. Uma é a do CEBEDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), que levou o empresariado nacional a se unir e que eu acho muito potente. Estavam lá todos os setores: agro, mineração, papel, indústria de consumo, bancos. Criaram um compromisso que foi levado ao governo. Fomos recebidos pelo vice-presidente (Hamilton) Mourão. O compromisso diz que o empresariado está à disposição para ajudar no Conselho da Amazônia porque o país está perdendo oportunidades ao não combater o desmatamento ilegal como deveria, ao não trabalhar na economia de baixo carbono e na bioeconomia. Do meu ponto de vista, o Brasil tem todas as condições para ser o líder mundial na bioeconomia e na economia de baixo carbono. Tem ciência e tecnologia, investimento privado, marcos regulatórios. Não podemos perder essa oportunidade.
A outra iniciativa é a Transform to Net Zero. É diferente de simplesmente compensar as emissões. A Natura é carbono-neutra há cerca de 15 anos. Neutralizamos todas as emissões, desde a extração da matéria-prima até a deposição do material de embalagem. Fazemos um inventário da emissão de carbono e trabalhamos na redução contínua dessas emissões. Fundamentalmente, o que a gente não consegue diminuir, nós neutralizamos a partir de projetos voluntários de compensação de carbono. O Net Zero vai um passo além: em vez de compensar, a ideia é emitir zero. Como emitir zero, considerando empresa, fornecedor, clientes. Só há um caminho, que é o da inovação e tecnologia. Imagine, por exemplo, que a embalagem que a gente venha a usar sequestre carbono da atmosfera e encapsule no material da embalagem. Neste caso, não apenas eu não uso como consumo o excedente de carbono na atmosfera. O mesmo seria aplicado em processos industriais e de distribuição.
e. Hoje, temos uma política brasileira não muito bem vista na gestão ambiental. Como isso afeta a Natura no exterior?
Primeiro, afeta o país, que está perdendo investimentos. Há muita gente e muitos fundos prontos para investir no Brasil e não investem porque percebem a ineficiência das nossas atuais políticas ambientais. Os números mostram o aumento do desmatamento. A performance ambiental se deteriorou de forma acentuada, e isso faz com que muitos investidores que têm meta de ESG (sigla em inglês equivalente a ASG, em português, para ambiental, social e governança, vertentes que compõe o chamado tripé da sustentabilidade) se limitem e não invistam o que podem, hoje, no Brasil. A base de fornecedores internacionais diminuiu na nossa Bolsa, inclusive nos papéis da Natura. Então, o país está perdendo.
Consumidores no mundo inteiro, conectados e informados instantaneamente sobre tudo, querem saber o que está acontecendo e qual a atuação da empresa, particularmente a nossa, que fala tanto da Amazônia e tem itens da biodiversidade da região em seus produtos. No ano passado, no auge daquelas queimadas, consumidores perguntavam na Aesop, na The Body Shop, sobre o que estava acontecendo no Brasil, na Amazônia, e qual estava sendo a atuação da empresa. E as empresas que não forem responsáveis, ou se os consumidores acharem que somos ineficientes porque compramos a história da Amazônia e não conseguimos ajudar, colocam em risco o posicionamento da marca no mundo.
e. Vocês têm a meta de deixar as embalagens mais eco-eficientes. Quão complexo é este desafio e como a inovação aberta pode ajudar nesse processo?
Problemas sistêmicos dependem de ação colaborativa e distribuída. Isso se relaciona com a economia circular e com a logística reversa. A Natura, ao longo desses 20 anos, desenvolveu uma tecnologia social para estabelecer relações produtivas com comunidades extrativistas. Tecnologia social porque estes grupos precisam se estabelecer como comunidades, têm uma agenda comunitária, um líder, saber para onde vão os recursos etc. Depois, há um acompanhamento contínuo nas comunidades para garantir que as práticas produtivas são boas, mas que as práticas sociais também são boas. Então, há auditorias contínuas pela nossa equipe de campo. Isso cria a possibilidade de criar cadeias produtivas, logísticas e sustentáveis com o tempo. Se fizermos um paralelo com as comunidades urbanas, temos as comunidades catadoras. Estas estão muito menos estruturadas hoje, mas estão nesse movimento. O trabalho já começa em transportar tecnologia social das relações produtivas com comunidades do ambiente da floresta para o ambiente urbano com catadores, e estabelecer cadeias reversas que possam trazer de volta esse resíduo sólido para ele ser incorporado.
Depois, tem a tecnologia de materiais. Como usar outros ingredientes, como plástico verde, para que as embalagens tenham menos impacto ou para que reduzam o que temos hoje na atmosfera. Aí entra muita ciência. A Natura faz inovação aberta há mais de 20 anos. Mais de 50% do que a gente faz vem dessa colaboração com centros de pesquisa, universidades e fornecedores no mundo inteiro, ao redor dos desafios que a gente lança. Recentemente, lançamos um nessa área de economia circular, materiais de baixo impacto ou de redução de impacto. Fizemos esse desafio no começo do ano, e tivemos centenas de submissões do mundo todo. Selecionamos algumas ideias e temos trabalhado com elas em nosso funil de inovação, pesquisa e desenvolvimento. Mas creio que, sem a inovação aberta, vai ser difícil caminhar de forma expressiva porque o conhecimento hoje está todo distribuído. Assim como temos presenciado na criação da vacina para covid-19. É inovação aberta, é multicêntrica. Isso acelera todos os processos de desenvolvimento, que levariam anos e passam a levar meses.
e. Entre as submissões que vocês receberam para este desafio, qual saída parece ser a mais promissora?
A mais promissora tem a ver com polímeros que sequestram carbono do meio ambiente.
e. Como você avalia a performance do grupo Natura&Co na pandemia?
O que aprendi na minha história na Natura é que, o que fazemos para a sociedade, a sociedade retorna para nós. A nossa empresa, como qualquer outra, recebeu da sociedade uma autorização para operar. O que temos de fazer é retribuir isso, principalmente em momentos demandantes como este da crise. E foi o que fizemos. Primeiro vamos cuidar para não espalhar o contágio, cuidar das pessoas. Fomos uma das primeiras a anunciar estabilidade de trabalho por, pelo menos, 60 dias. Criamos um fundo de amparo para consultoras em situação vulnerável, inclusive com auxílio-funeral, infelizmente. Estendemos condições de pagamento. Fazemos isso porque isso é certo, é devolver para a sociedade a autorização que ela nos deu para operar. Isso pode criar pressões no negócio? Pode. Mas, sabe o quê? A sociedade reconhece. Os consumidores reconhecem, as consultoras reconhecem. A Natura foi uma das marcas de maior reputação, mais lembradas durante a pandemia. Nós atingimos os maiores níveis de lealdade da consultora, da nossa história. E a força da marca subiu: todos os indicadores de saúde de marca melhoraram. Então, o que eu posso dizer é que nós estamos satisfeitos com a atuação da empresa nesse período e com a retribuição que clientes e consultoras nos deram nesse período.