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Ashwini K.P., relatora especial da ONU, contou suas impressões sobre cenário do combate ao racismo no Brasil (ONU/Divulgação)
Repórter de ESG
Publicado em 16 de agosto de 2024 às 17h03.
Em visita ao Brasil, Ashwini K.P., relatora especial da ONU sobre racismo, xenofobia e intolerância, disse que, apesar das tentativas do governo brasileiro para combater a descriminação racial, o progresso está mais lento do que o devido. “O sistema construído desde o colonialismo ainda impacta grupos minoritários, mas não há ações suficientes. O Brasil deve tomar uma abordagem mais vigorosa contra o racismo sistêmico e dedicar recursos reais”, explica.
Durante passagem pelo país, a relatora especial visitou as cidades de Brasília, Salvador, São Luís, São Paulo, Florianópolis e Rio de Janeiro. K.P. conta que pôde ver de perto algumas das formas de combate à discriminação racial já adotadas pelo Brasil. Em entrevista à imprensa, a relatora explicou suas principais percepções.
“Entre os pontos positivos, vejo um maior reconhecimento do racismo sistêmico no Brasil, a institucionalização dos Ministérios da Igualdade Racial e dos Povos Indígenas, os recentes aumentos nos recursos fiscais e os programas robustos de vagas afirmativas e cotas no ensino superior, mas a falta de condenação por crimes raciais no Brasil é muito baixa e preocupante.”, explica.
A relatora especial aponta que discutiu com membros da sociedade civil, de organizações públicas e membros do sistema judiciário e notou mais movimentações que promovam a equidade a pessoas negras, indígenas e romani. “Novas políticas têm sido implementadas, como o Plano Juventude Negra Viva, a política do Conselho Nacional de Justiça que condena o encarceramento em massa, e os esforços para garantir o reconhecimento cultural e a memória dos povos racializados”, conta. “Isso inclui o combate à anemia falciforme na Bahia e a implementação da ODS 18, da igualdade étnico-racial.”
A efetividade das ações foi questionada por Ashwini, que indica que a falta de dados sobre a realidade de povos minoritários no Brasil ainda dificulta entender o impacto positivo dos programas já implementados – e também dos perigos à equidade.
Um dos exemplos dados pela relatora foi sobre o impacto das redes sociais na disseminação de discursos de ódio, que atingem principalmente adolescentes e jovens. “Peço por um diálogo sério nas redes sociais, com uma legislação que se certifique sobre o conteúdo divulgado. O governo também pode agir por um diálogo mais construtivo contra discursos de ódio”, aponta.
Ashwini também comentou sobre o crescimento de células neonazistas, principalmente no sul do país. “Estamos muito preocupados com a falta de dados segregados sobre discursos e crimes de ódio contra grupos marginalizados por extremistas. É difícil rastrear essas células, e em Santa Catarina há um verdadeiro apagão de dados”, explica.Para a relatora, ainda há áreas que precisam atuar mais para evitar casos de discriminação contra povos minoritários e originários, além de assegurar a garantia de direitos. “A situação das mulheres trabalhadoras domésticas, majoritariamente negras, me preocupa. Muitas sofrem restrições de ir e vir, assédios e abusos”, conta.
“A uso da força policial contra pessoas negras também carece de melhorias e uma legislação. O uso de câmeras corporais é a direção correta, mas em muitos casos as câmeras não funcionam ou não estão ligadas. O uso de inteligência artificial nos reconhecimentos da polícia, sem nenhum tipo de ciência por trás, também pode ser empregado para perpetuar um viés racial”, conta.
Ashwini K.P. apontou também para oportunidades no aumento da representatividade de povos marginalizados, principalmente de quilombolas, indígenas e romani, no setor público, na política e na tomada de decisões. “Peço que tomem passos para evitar a violência política nas próximas eleições, que acontecem ainda este ano no âmbito municipal, como o caso de Marielle Franco”, aponta.