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Ralo: perdas atuais seriam suficientes para abastecer cerca de 54 milhões de brasileiros em um ano (Getty Images)
Jornalista
Publicado em 5 de junho de 2024 às 16h16.
Última atualização em 5 de junho de 2024 às 16h42.
No Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado em 5 de junho, é impossível desconsiderar o papel de um dos principais ativos do planeta: a água.
Apesar da importância, a relação entre a água e sociedade - população, poder público e empresas - segue com problemas. Dados divulgados nesta quarta-feira, 5, pelo Instituto Trata Brasil (ITB), organização da sociedade civil que busca a universalização do saneamento no país, em parceria com a consultoria GO Associados, mostram um cenário crítico.
O “Estudo de Perdas de Água 2024 (SNIS, 2022): Desafios na Eficiência do Saneamento Básico no Brasil”, elaborado a partir de dados públicos do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, ano-base 2022), traz a análise do Brasil, de suas cinco macrorregiões, das 27 Unidades da Federação e também dos 100 municípios mais populosos, incluindo as capitais dos estados, que figuraram no Ranking do Saneamento de 2024.
Apesar da grande disponibilidade, quando o recorte é acesso à água tratada, o Brasil tem cerca de 32 milhões de pessoas sem acesso. A situação brasileira é ainda mais sui generis pelo fato de se ter um alto índice de perdas na distribuição. A cada 10 litros de água tratada, 3,78 litros são perdidos antes de chegar à casa das pessoas.
Dados mais referentes, referentes a 2022, mostram que 37,8% da água potável produzida no país se perdeu antes de chegar às residências em 2022. Em 2021, a perda foi de 40,3%. Foi a primeira queda depois de seis anos.
Veja a evolução das perdas de água tratada no processo de distribuição entre 2018 e 2022:
Para o ITB, o ganho de eficiência no controle de perdas de água é fundamental para avançar na universalização do saneamento básico no país. Em 2022, o volume total de água não faturada em 2022 (cerca de 7,0 bilhões de m³) foi equivalente a quase 7.636 piscinas olímpicas de água tratada desperdiçadas diariamente ou, segundo o instituto, mais de sete vezes (7,1) o volume do Sistema Cantareira (maior conjunto de reservatórios do estado de São Paulo).
Ainda segundo o estudo, quando são consideradas apenas as perdas físicas (vazamentos), o volume (mais de 3,6 bilhões de m³) seria suficiente para abastecer cerca de 54 milhões de brasileiros em um ano, mais de um quarto da população brasileira em 2022 e bem acima dos 32 milhões de pessoas sem acesso ao abastecimento com água tratada (em torno de 32 milhões). Com esse mesmo volume, seria possível abastecer os 17,9 milhões de brasileiros que vivem em favelas por mais de três anos, calcula o Instituto Trata Brasil.
No Brasil, a definição de nível aceitável de perdas de água foi definida pela Portaria 490/2021, do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). A pasta aponta que para um município ter níveis excelentes de perdas, não deve ultrapassar os 25% em perdas na distribuição e 216 L/ligação/dia em perdas por ligação.
“Ano após ano, observamos uma lenta evolução nos indicadores de perdas de água, enquanto milhões de brasileiros continuam sem acesso regular e de qualidade à água potável para ter uma vida minimamente digna", avalia Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, por meio de nota.
A diminuição das perdas com água potável no Brasil pode trazer ganhos bilionários, aponta o estudo. Para calcular os ganhos econômicos, foram feitas análises a partir de três cenários - otimista, realista e pessimista. Cada um deles responde à média nacional do nível de perdas a ser alcançada em 2034: 15% (cenário otimista), 25% (cenário realista) e 35% (cenário pessimista).
No cenário realista, existe um potencial de ganhos brutos com a redução de perdas de água de R$ 40,9 bilhões até 2034. Caso sejam considerados os investimentos necessários para a redução de perdas, o ganho líquido gerado pela redução de perdas é da ordem de R$ 20,4 bilhões em 11 anos.
No cenário otimista, os valores são bem maiores: R$ 72,90 bilhões de ganhos brutos com a redução de perdas de água e R$ 36,50 bilhões de ganhos quando são considerados os investimentos. No pior cenário, pessimista, seriam R$ 8,90 bilhões de de ganhos brutos e R$ 4.49 bilhões de ganhos líquidos.
Segundo a presidente-executiva do ITB, além de afetar o abastecimento de água dos habitantes, o desperdício exagerado resulta em impactos ambientais severos, "uma vez que os efeitos das mudanças climáticas, como vemos na tragédia vivida pela população do Rio Grande do Sul, estão cada vez mais presentes no país, afetando diretamente a disponibilidade hídrica para a população. Esforços e investimentos em redução de perdas de água são necessários para mitigar os impactos climáticos, promover maior segurança hídrica e fortalecer a infraestrutura das cidades."
Gesner Oliveira, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EAESP-FGV) e sócio-executivo da GO Associados, lembra que, com perdas de água na casa dos 40% no Brasil, onde muitas regiões ultrapassam esse valor - resultado de vazamentos e de gestão ineficaz -, é fundamental investir em infraestrutura, tecnologia e políticas públicas eficazes. "A combinação de infraestrutura inadequada com frequência cada vez maior de eventos climáticos extremos permite que situações como a do Rio Grande do Sul se repitam, resultando em prejuízos incalculáveis", alerta o especialista.