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Editora ESG
Publicado em 21 de janeiro de 2025 às 06h54.
Última atualização em 21 de janeiro de 2025 às 09h24.
*De Davos
"É pior do que está sendo noticiado", afirmou nesta terça-feira, (21), em Davos, uma das mais renomadas autoridades brasileiras em políticas ambientais e climáticas. Em conversa com Carlos Nobre, a especialista se referia ao grande tema desta manhã nas conversas de cafezinho do Fórum Econômico Mundial: a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris.
As primeiras avaliações sobre a decisão anunciada ontem por Donald Trump, logo após sua posse - esperada, mas que ainda assim abalou a comunidade científicica mundial - são de que a saída americana do acordo terá consequências potencialmente mais graves que a primeira retirada em 2017.
Em entrevista exclusiva à EXAME, o cientista Carlos Nobre compartilhou suas percepções sobre impactos de curto e médio prazo, particularidades do momento atual, riscos sanitários e para as relações multilarais e como a decisão reverbera na COP30.
Efeito dominó global
"Quando os Estados Unidos se retiram do Acordo de Paris uma semana depois que cidades inteiras na Califórnia foram apagadas do mapa, isso diz muito", destaca Nobre, referindo-se aos milhares de desabrigados e à destruição sem precedentes na região."É uma sinalização grave e muito ruim".
Para ele, com histórico de responsabilidade por 80% das emissões provenientes da queima de combustíveis fósseis, os EUA representam mais do que nunca, a peça-chave no combate às mudanças climáticas.
O especialista ressalta que, como segundo maior emissor atual depois da China e líder em emissões per capita, a decisão do país pode desencadear um efeito dominó global ao relaxar seus compromissos ambientais. "É como uma licença para que outras nações sigam o mesmo caminho", pontua.
O pior momento da história
Carlos Nobre considera que o timing da decisão americana é especialmente preocupante. "A crise climática é muito pior do que 8 anos atrás", adverte o climatologista, lembrando que pela primeira vez a temperatura global superou 1,5°C em 2024.
Com os eventos climáticos extremos se intensificando exponencialmente, superando até mesmo as previsões científicas mais pessimistas, como ocorreu com os incêndios em Los Angeles, ele considera que a postura do novo presidente norte-americando carrega o agravante de ter sido politicamente instrumentalizados pela atual administração.
De fato, a situação em Los Angeles ganhou contornos ainda mais críticos quando Trump atacou publicamente o governador da Califórnia, estado onde Kamala Harris, sua opositora, obteve expressiva votação.
"É uma coisa quase inacreditável", reflete o cientista. "A tragédia ambiental foi instrumentalizada politicamente pela atual administração, que preferiu focar em disputas partidárias em vez de abordar a emergência climática que devastou a região", completa.
Olhar atento para multilateralismo
"Há um risco maior agora para diálogos e relações multilaterais", alerta o especialista. O cientista contextualiza a saída do acordo num cenário mundial mais amplo das relações políticas, refletindo uma tendência global de ascensão de lideranças populistas.
Segundo Nobre, a combinação de contestação da crise climática e autoritarismo se manifesta em várias ações recentes, como o perdão a envolvidos nos eventos de 6 de janeiro de 2021 - quando apoiadores de Trump invadiram o Capitólio, nos Estados Unidos - e declarações sobre anexação territorial.
O climatologista enfatiza que a Conferência do Clima no Brasil adquire maior importância histórica neste cenário adverso. "A COP30 já seria mais desafiadora. Agora será tão desafiadora como foi a COP21 do acordo de Paris em 2015", analisa.
Desafios para a COP30
De acordo com o cientista, mesmo antes da saída americana, o evento já se mostrava como determinante devido à aceleração do aquecimento global. Agora, ele pondera, "o encontro precisará articular objetivos ainda mais ambiciosos dos países participantes para compensar a ausência americana".
O especialista alerta ainda para os riscos sanitários associados, observando que a saída dos EUA do acordo, combinada com sua retirada da Organização Mundial da Saúde (OMS), aumenta as preocupações sobre novas epidemias e pandemias.
Conforme sua análise, as ondas de calor, já identificadas pela OMS como principal causa de mortes relacionadas ao clima, tendem a se intensificar com o aumento das emissões americanas. "Não são fenômenos naturais", conclui o cientista sobre as ondas de calor atuais.
"Agora precisaremos bater mais forte ainda nos riscos que o planeta corre", sentencia Carlos Nobre, lembrando da carta que assinou junto a outras autoridades globais, à época da última Conferência da Biodiversidade, apelando por união de esforços mundiais pelo clima e pelas COPs. "Com os acontecimentos recentes, a situação exige mais ação e atenção da comunidade científica", complementa.