Combustíveis fósseis: o futuro do petróleo encabeça preocupação do Observatório do Clima (Alexandros Maragos/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 14 de julho de 2021 às 20h25.
Última atualização em 4 de novembro de 2021 às 12h36.
Por Luan Santos (Brasfi e Coppe/UFRJ) e Laura Albuquerque (WayCarbon), especial para EXAME
Com a proximidade da vigésima sexta Conferência das Partes (COP 26), que ocorrerá em Glasgow, na Escócia, no final deste ano, cresce a expectativa com relação à regulamentação do Artigo 6º do Acordo de Paris, que trata da cooperação e da regulação do mercado de carbono global.
Seis anos após a ratificação de Acordo de Paris, este ponto ainda está pendente e será um dos principais temas a serem tratados na COP 26 para que se tenha, finalmente, a implementação do Acordo.
Por falta de consenso em diversas questões, o Artigo ainda não foi regulamentado, pois, além da complexidade técnica do desenho de um instrumento que garanta integridade ambiental, há também interpretações distintas do próprio texto do Artigo que afetam sua atratividade de mercado.
Particularmente, o debate relacionado à dupla contagem da redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) se situa no centro da questão, pois não se tem consenso sobre quem deve contabilizar a redução: o país comprador do crédito proveniente de um projeto realizado fora de suas fronteiras ou o país que desenvolve o projeto gerador do crédito?
A resposta para manutenção da integridade ambiental é: o país comprador do crédito, contabiliza a redução de emissão e o país vendedor contabiliza uma adição de emissão.
Contabilmente, parece bem lógico, porém, no contexto diplomático onde também estão em jogo as diferentes capacidades institucionais dos países do Acordo, acordar no obvio, não é simples.
Este mecanismo de créditos de carbono permitiria maior conexão entre as diferentes transações, tanto dos países ou empresas cumprindo metas de redução de emissões — sejam da NDC ou sejam outras metas corporativas, dentro ou fora das fronteiras do Acordo, quanto dos Sistemas de Comércio de Emissões (Emissions Trading Systems — ETS, mais conhecidos como mercado de carbono) nacionais.
Tais mercados nacionais poderiam ajudar os países a reduzir suas emissões localmente, além de se conectarem ao mercado de carbono global, previsto no Artigo 6º, atendendo aos países ou empresas demandantes.
Entretanto, encontramo-nos, como país, em um “limbo” e a realidade é que outros países já entenderam a vantagem do mecanismo do Artigo 6 e estão estabelecendo seus pilotos e garantindo redução de emissão a custos baixos, enquanto o Brasil segue dificultando parte dos despachos da COP 26.
Nacionalmente, o Brasil realizou debates e estudos relacionados à implementação de mecanismos/instrumentos de precificação de carbono, particularmente no âmbito do projeto PMR Brasil, que teve por objetivo discutir a conveniência e oportunidade da inclusão da precificação de emissões (via imposto e/ou mercado de carbono) no pacote de instrumentos voltados à implementação da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) no pós-2020.
O projeto foi realizado de setembro de 2014 a dezembro de 2020 e concentrou suas análises nos setores: agropecuária, energia (geração elétrica e combustíveis) e sete subsetores do Plano Setorial de Mitigação e Adaptação na Indústria de Transformação (quais sejam, siderurgia, cimento, alumínio, química, cal, vidro e papel e celulose).
Após mais de 5 anos de desenvolvimento do projeto, coordenado pelo Ministério da Economia e pelo Banco Mundial, foi divulgado o relatório “Síntese das análises e resultados do Projeto PMR Brasil” em dezembro de 2020 e, desde então, a agenda de precificação de carbono se encontra adormecida nas pastas do governo. Dentre as recomendações, há o estabelecimento de um Sistema de Comercio de Emissões nacional.
Para deixar ainda mais complexa a (des)governança climática, (des)conexos debates vêm ocorrendo sobre uma possível Reforma Fiscal Verde no Brasil, bem como o recente PL 528/2021, protocolado em fevereiro deste ano, que busca regulamentar o mercado de carbono voluntário no Brasil, porém ainda aguarda designação de relator na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS).
Dentre os objetivos principais do PL 528/2021, destacam-se (i) conceituar e definir a natureza jurídica de créditos de carbono; (ii) criar um sistema de inventário e contabilidade das emissões e transações com créditos de carbono no Brasil; (iii) regulamentar um mercado doméstico; (iv) fomentar a redução das emissões de carbono; e (v) incentivar atividades de baixa emissão e a geração de riqueza e combater a pobreza a partir de ativos ambientais.
O texto prevê a criação de um mercado voluntário de créditos de carbono, que se destina à negociação com empresas ou governos que não possuem as metas obrigatórias de redução de GEE, mas desejam compensar o impacto ambiental das suas atividades.
A proposta regulamenta os principais pontos do novo mercado, como explicitado: natureza jurídica, registro, certificação e contabilização dos créditos de carbono. Também fixa um prazo (cinco anos) para o governo regulamentar o programa nacional obrigatório de compensação de emissões de GEE.
Destaca-se ainda que as transações no mercado voluntário serão isentas de PIS (Programa de Integração Social), Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) e CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido).
Entretanto, ressalta-se que o PL 528/2021 não dialoga com as propostas realizadas pelo projeto PMR Brasil, desencontrado, portanto, das recomendações já realizadas.
Por outro lado, o setor privado vem protagonizando uma preocupação de que o país não perca as oportunidades advindas da onda das finanças e dos investimentos sustentáveis, que vem aquecendo cadeias produtivas e gerando emprego, renda e desenvolvimento econômico.
Existe um esforço recorrente das empresas e associações no sentido de revisar o PL 528/2021 na direção de integrar as conclusões das recomendações do Projeto PMR ao projeto de lei.
Além disso, seria interessante que o projeto fosse priorizado pelo Congresso, de modo a anteceder a COP 26, esperada ocasião na qual será discutida a regulamentação do mercado de carbono global.
É verdade que existem outros avanços regulatórios no setor florestal e no setor de combustíveis, com o programa Floresta+Carbono e o RenovaBio, porém, dada a inexistência de uma segurança jurídica e de um arcabouço regulatório consistente e coerente, o setor privado também se acanha frente ao elevado grau de incerteza associado a tais políticas.
É urgente que haja um esforço governamental de alinhamento e convergência no contexto de pandemia e crise econômica internacional, pois, devido ao engajamento do setor privado e à retomada econômica verde apoiada por líderes mundiais, como foi visto na Cúpula do Clima, é possível favorecer a regulamentação do Artigo 6 do Acordo de Paris.
Resta saber qual será o posicionamento do Brasil: seguir com a desgovernança da agenda ou se destacar por meio do recebimento de recursos financeiros para promover medidas de redução de emissões, tornando-se um grande player fornecedor de créditos de carbono global, principalmente relacionados às soluções baseadas na natureza.
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