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O preconceito racial, social e econômico continua a criar abismos intransponíveis (Klaus Vedfelt/Getty Images)
Colunista
Publicado em 8 de outubro de 2023 às 08h20.
Última atualização em 8 de outubro de 2023 às 09h17.
Vivemos em uma sociedade que se autoproclama civilizada, no entanto, frequentemente se afasta da empatia, estabelecendo linhas nítidas de desigualdade e indiferença.
O livro "Defeito de Cor" de Ana Maria Gonçalves nos confronta com as experiências de Kehinde, uma mulher negra que lutou contra o preconceito racial e a escravidão no Brasil do século XIX. As experiências dolorosas de Kehinde servem como uma janela para entender como a carência de empatia, enraizada na história do Brasil e que continua a afetar o presente.
Como afirmou a ativista e intelectual negra brasileira, Sueli Carneiro: "A falta de empatia é a base de todas as injustiças sociais." As raízes dessa ausência de empatia são profundas, e suas consequências se espalham como fissuras em uma parede prestes a ruir.
A ausência de empatia se manifesta de forma gritante em nossa sociedade. O preconceito racial, social e econômico continua a criar abismos intransponíveis. Olhando para a trama do livro, é fundamental lembrar que as lutas de Kehinde ecoam nas experiências das comunidades marginalizadas de hoje, evidenciadas pelas tensões raciais que eclodem pelas injustiças em nosso sistema de justiça criminal e pela persistente divisão entre os ricos e os pobres.
As empresas, entidades que deveriam ser agentes de mudança positiva, muitas vezes se concentram exclusivamente na busca insaciável por resultados financeiros. Para combater o racismo e promover a equidade racial, é essencial que as empresas incorporem a empatia racial em sua cultura organizacional. Isso envolve a implementação de políticas que fomentem a diversidade, a equidade e a inclusão, além da adoção de medidas concretas para eliminar o racismo estrutural.
Os quilombos foram comunidades formadas por escravizados fugitivos que desafiaram a opressão e a escravidão. Essas comunidades representaram uma busca pela liberdade, autonomia e dignidade em um Brasil marcado pela brutalidade da escravidão. Os quilombolas lutaram não apenas por sua própria libertação, mas também por uma visão de um mundo mais justo e igualitário, sendo exemplo de solidariedade e empatia em um mundo que muitas vezes lhes negava sua humanidade.
As empresas podem se inspirar na história dos quilombos e ouvirem ativamente as vozes daqueles que enfrentam o racismo, constituindo em um caminho essencial na construção de um ambiente de trabalho mais justo e empático. Um importante passo nesta direção seria que as empresas se integrassem a organizações que auxiliam nesta vertente.
No entanto, a violação de direitos humanos e trabalhistas, a degradação do meio ambiente e o aumento das desigualdades são frequentemente aceitos como meros subprodutos do sucesso empresarial.
Kehinde também enfrentou as consequências brutais de uma sociedade que valorizava mais o lucro do que a dignidade humana. Empresas precisam reconhecer sua responsabilidade em criar um mundo mais justo e equitativo.
Muitas empresas alegam não ter culpa pela situação da inequidade racial e, portanto, não lhes caberia nenhuma ação. Uma resposta apropriada para tal argumento é a frase do rapper Talib Kweli: "Nenhuma pessoa branca que vive hoje é responsável pela escravidão. Mas todos os brancos vivos hoje colhem o benefício dela, assim como todos os negros que hoje vivem carregam suas cicatrizes."
O racismo estrutural é uma realidade indiscutível, e as empresas não estão isentas dessa questão. Frequentemente, os sistemas de recrutamento, promoção e remuneração perpetuam a desigualdade racial. A falta de empatia é evidente quando as empresas não apenas ignoram essa desigualdade, mas também, em alguns casos, a perpetuam.
Assim como Kehinde enfrentou discriminação e brutalidade em "Defeito de Cor", muitos indivíduos enfrentam discriminação racial no ambiente de trabalho, com barreiras que dificultam sua ascensão na hierarquia empresarial.
As empresas têm o poder de desempenhar um papel fundamental na promoção da equidade racial e na eliminação do racismo estrutural. Não podemos mais tolerar um mundo onde o racismo é ignorado ou, pior ainda, perpetuado.
Se quisermos construir um mundo mais justo e igualitário, devemos desafiar a falta de empatia na sociedade e nas empresas. Somente assim poderemos superar os "defeitos de cor" que ainda mancham nossa sociedade, honrando o espírito das comunidades quilombolas que resistiram e se uniram em busca de um mundo melhor.
Os quilombos nos ensinam que a resistência coletiva pode derrubar sistemas opressivos. As empresas, como pilares da nossa sociedade, têm a responsabilidade de liderar essa luta por um mundo mais justo, onde a empatia racial seja a norma, não a exceção.