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África sustentável: o que podemos aprender com o continente africano

A boa notícia é que, embora haja desafios a superar, a região tem diversos cases de sustentabilidade que podem servir de inspiração. De hidrogênio verde a projetos de eliminação de plástico e reflorestamento

Vale da Grande Fenda, próximo a Nairobi, no Quênia (Michael Gottschalk / Photothek/Getty Images)

Vale da Grande Fenda, próximo a Nairobi, no Quênia (Michael Gottschalk / Photothek/Getty Images)

Clayton Melo
Clayton Melo

Colunista

Publicado em 26 de outubro de 2023 às 08h45.

Nairóbi, a capital do Quênia, sediou em setembro a primeira Cimeira Africana do Clima, cúpula que reuniu os líderes dos países africanos para debater o desenvolvimento sustentável na região. Primeiro encontro desse tipo no continente, o evento tinha como um de seus objetivos mostrar ao mundo que a região é um bom destino para investimentos com foco na questão climática.

E o cartão de visitas veio logo na abertura, no discurso de António Guterres, secretário-geral da ONU: a África pode se tornar uma superpotência de energias renováveis. “A África tem 30% das reservas minerais essenciais para as tecnologias renováveis e de baixo carbono, como a energia solar, os veículos elétricos e as baterias”, afirmou. Em seguida, reforçou dizendo que isso a torna “rica em potencial de energia renovável”, o que pode ser o “milagre africano” e ajudar o continente a se inserir de vez no circuito da economia verde global.

Para ilustrar, Guterres citou Moçambique, que obtém quase 100% de sua energia vinda de fontes verdes e sustentáveis. O continente também tem outros bons exemplos nessa área, como o Quênia, que hoje gera 75% de sua energia a partir de fontes renováveis e pretende chegar a 100% até 2030.

Vou detalhar melhor esses e outros casos mais adiante. Mas antes é preciso dizer que, para esse potencial todo citado por Guterres se tornar realidade, os países desenvolvidos precisam cumprir a promessa de destinarem 100 bilhões de dólares por ano aos países em desenvolvimento. Esses recursos vão garantir às nações africanas, por exemplo, o acesso a sistemas de eletricidade verde a preços acessíveis e criar mecanismos de alerta para fenômenos climático extremos.

Na Declaração de Nairóbi, o texto final da cúpula, os líderes africanos pedem exatamente isso. O documento reivindica igualdade no acesso aos investimentos e um plano de desenvolvimento justo, capaz de libertar os países africanos das “dívidas horrendas e barreiras a recursos financeiros”, nas palavras de William Ruto, presidente do Quênia.

A questão do acesso facilitado a recursos é um pleito justo. Isso porque, enquanto precisam destinar verbas vultosas para pagamentos de juros da dívida, muitas nações não têm orçamento para ações climáticas. E apesar de serem responsáveis por apenas 4% das emissões de gases de efeito estufa (as 20 maiores economias respondem por 80%, segundo a ONU), os africanos estão entre os que mais sofrem com a crise climática. Só para dar uma ideia, a ONU registra que, dos 20 países mais impactados pelos efeitos do clima, 17 estão na África.

Como se vê, a questão é urgente. A boa notícia é que, embora haja desafios a superar, a região tem diversos cases de sustentabilidade que podem servir de inspiração. De hidrogênio verde a projetos de eliminação de plástico e reflorestamento, veja alguns desses exemplos:

Quênia e a energia geotérmica

O Quênia está no centro de uma revolução no campo das energias renováveis por causa de sua imensa produção de energia geotérmica, que é derivada do calor produzido no interior do planeta. O país é o sétimo maior produtor mundial dessa fonte, que é limpa e renovável, e já explorou cerca de 950 MW desse tipo de energia até agora, o suficiente para abastecer 3,8 milhões de residências, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Ruanda e o cerco ao plástico

Em 2008, quando boa parte do mundo apenas começava a falar em medidas para frear o plástico, este pequeno país da África Oriental foi radical: baixou uma lei proibindo totalmente o uso de plásticos não degradáveis. Hoje, a capital Kigali é considerada uma das mais limpas da África e o país inspira vizinhos a também restringirem de alguma maneira esse material, como a Tanzânia, Zimbábue e Moçambique, entre outros.

Carvão sustentável em Angola

O Ministério do Ambiente angolano, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), executa um projeto para promover o carvão vegetal sustentável. Pela iniciativa, que busca introduzir tecnologias de carvão de baixo consumo de energia, fornos de carvão com eficiência energética estão sendo repassados para as comunidades rurais. Também faz parte do programa a formação de pessoas para lidar com essa tecnologia em todas as etapas da cadeia, a criação de certificações e a inclusão do carvão sustentável nos programas governamentais de redução da pobreza. 

Marrocos e Egito na corrida do hidrogênio verde

Um estudo da Deloitte aponta a região do Norte da África como a maior exportadora de hidrogênio verde do mundo em 2050, e nessa disputa dois países despontam: Marrocos e Egito devem liderar essa corrida, num negócio que pode gerar dois milhões de empregos. O potencial dos dois países é para a geração de 110 bilhões de dólares por ano em negócios.

Etiópia e o reflorestamento

Na Etiópia, a campanha #GreenLegacy, lançada pelo governo para combater o desmatamento, incentivou voluntários a plantar árvores no país inteiro. Segundo o governo, 23 milhões de pessoas plantaram 350 milhões de árvores em 12 horas no dia 29 de julho. O número é impressionante, embora não tenha sido confirmado por fontes externas. Seja como for, a ação teve o mérito de mobilizar a sociedade e contribuir de alguma maneira para minimizar os estragos provocados pelo desmatamento, um problema grave no país. Só para dar uma ideia, a cobertura florestal na Etiópia caiu de 35%, no início do século 20, para 4% na década de 2000, segundo a ONU.

Essas são apenas algumas experiências que mostram o quanto a África pode nos inspirar na busca pelo desenvolvimento sustentável. Vivendo em Angola há cerca de um ano, onde presto consultoria para um projeto de comunicação multiplataforma, tenho tido a oportunidade de observar mais de perto os vários esforços, conquistas e desafios de comunidades e instituições na busca por uma agenda ambiental inclusiva e que empodere os povos africanos.

E percebo também que é um bom momento para que governos, empresas e investidores do Brasil observem com atenção esses movimentos na África. Não apenas os que foram citados neste artigo. Há muitos outros, que posso tratar em novos textos. Nesse exercício, é importante ter em mente que são iniciativas de lugares com características distintas – a África tem 54 países, com realidades muito diferentes entre si – e que representam boas oportunidades de aprendizado, parcerias e criação de negócios sustentáveis. Negócios que beneficiam não só a quem vive dos dois lados do Atlântico sul (Brasil e continente africano), mas no mundo inteiro, porque, para a sustentabilidade, não existe fronteiras.

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