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A primeira geração em um mundo igualitário para mulheres?

Enquanto leis avançam em 162 países e meninas superam meninos em educação, barreiras invisíveis no mercado de trabalho freiam participação feminina. Em série especial, Exame destaca os desafios persistentes

A partir deste sábado, 8, Exame traz diariamente entrevistas com lideranças femininas na arte, na cultura, no ambiente corporativo, nos Conselhos de administração e na filantropia (Montagem Arte/Exame)

A partir deste sábado, 8, Exame traz diariamente entrevistas com lideranças femininas na arte, na cultura, no ambiente corporativo, nos Conselhos de administração e na filantropia (Montagem Arte/Exame)

Publicado em 8 de março de 2025 às 10h13.

Última atualização em 8 de março de 2025 às 12h51.

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Trinta anos após a histórica Declaração de Pequim, quando 189 países se comprometeram com a igualdade de gênero, um relatório divulgado há poucos dias pela ONU Mulheres revelou um cenário de avanços e retrocessos.

Às vésperas do Dia Internacional da Mulher, celebrado neste 8 de março em todo o mundo, o documento apontou como a polarização política, novas tecnologias, conflitos armados e a emergência climática têm impactado diretamente e em escala global, os direitos femininos - com um em cada quatro países constatando retrocessos significativos até 2024.

O panorama revelou conquistas importantes que não podem ser ignoradas. Desde 1995, 1.531 reformas legais em todo o mundo buscaram promover a igualdade de gênero. O número de países com leis proibindo a discriminação de gênero no emprego aumentou de 58 para 162.

O acesso à educação também melhorou significativamente, com meninas superando meninos em taxas de conclusão do ensino médio em muitas regiões, abrindo portas para maior participação no mercado de trabalho qualificado.

Contudo, o relatório advertiu: "Atores contrários aos direitos das mulheres estão minando ativamente o consenso de longa data sobre questões-chave. E, quando não conseguem reverter completamente os ganhos legais, atuam para bloquear ou retardar sua implementação".

Paridade em xeque no mercado de trabalho

O recorte de retrocessos evidenciou o cada vez mais fundamental papel do mercado de trabalho. Outra pesquisa, Women in the Workplace 2024, da McKinsey, mostrou que apesar dos avanços, mulheres permanecem significativamente sub-representadas em todos os níveis corporativos.

Para cada 100 homens promovidos a gerente, apenas 81 delas alcançam essa posição. E o gargalo inicial cria um efeito cascata que torna impossível alcançar a paridade em níveis mais altos. Entre mulheres negras e latinas, os índices pioraram nos últimos anos, chegando ao pior índice em 2024.

No ritmo atual, constatou o levantamento, ainda serão necessários 48 anos para alcançar a paridade plena para todas as mulheres em cargos de liderança – 22 anos para mulheres brancas e mais que o dobro desse tempo para mulheres negras.

Simultaneamente, o aumento da representação feminina em cargos executivos ficou limitada a funções em áreas como RH e jurídico, e não pelo crescimento em posições com responsabilidade direta sobre operações e resultados financeiros.

Diversidade sob ataque, antes da mira de Trump

O relatório da McKinsey ainda indicou na ocasião de sua divulgação, que as empresas já vinham reduzindo programas específicos para o avanço das mulheres exatamente quando mais precisamos deles.

Em um movimento que tomou fôlego e força após a posse do presidente americano Donald Trump, quando a diversidade corporativa entrou de vez na mira do governante, de corporações e legisladores.

No estudo, o percentual de organizações que consideravam a diversidade de gênero e racial como prioridades estratégicas diminuiu significativamente desde 2017.

Apenas uma em cada quatro empresas pesquisadas pela McKinsey adotou todas as cinco práticas fundamentais para eliminar vieses em contratações e avaliações de desempenho.

Programas de mentoria, patrocínio e desenvolvimento de carreira voltados para mulheres também registraram queda, em um momento em que deveriam ser fortalecidos.

Agora, especialistas ainda tentam contabilizar e entender quais os reflexos reais dos mandos e desmandos na principal economia do mundo versus decisões e leis locais, nas empresas que tentam resistir ao menos em suas operações regionais, no caso de multinacionais que recuaram nos compromissos de inclusão.

O impacto cada vez maior da múltipla jornada

A distribuição desigual do trabalho de cuidado segue dos maiores obstáculos conforme constatou a análise da ONU Mulheres.

Mesmo com maior consciência da sobrecarga que as múltiplas jornadas impõem, elas ainda realizam 2,5 vezes mais trabalho não remunerado de cuidados do que os homens, o que limita suas oportunidades econômicas.

E, conforme a McKinsey, a disparidade aumentou: quatro em cada dez mulheres com parceiros dizem ser responsáveis pela maior parte ou todo o trabalho doméstico, número que cresceu desde 2016.

Enquanto a ONU destaca como sistemas nacionais tem tratado o cuidado com soluções mais promissoras, com países da América Latina adotando o Compromisso de Buenos Aires de 2022 para tornar o cuidado um direito universal; a McKinsey mostra que investimentos em sistemas de cuidado inclusivos poderiam gerar cerca de 300 milhões de empregos globalmente até 2035, com 78% desses novos postos ocupados por mulheres.

Este, aliás, é um ponto fundamental que conecta os dois relatórios e também as muitas realidades femininas, embora a chamada economia do cuidado tenha maior impacto negativo na jornada de mulheres em situação de maior vulnerabilidade econômica.

Empresas que oferecem suporte a funcionários que são pais, cuidadores ou enfrentam desafios de saúde na família registram maiores taxas de retenção e satisfação de funcionários. E esses benefícios são especialmente importantes para mulheres, que têm maior probabilidade de ter responsabilidades de cuidado.

O que vem agora?

Quando recebemos estes estudos em EXAME, nos preparávamos para selecionar as mulheres que protagonizariam, dia após dia, o espaço que dedicamos (não somente em março, mas sobretudo em março) a contar as histórias daquelas que insistem, persistem, carregam a responsabilidade adicional e tem tido um papel crucial para deixar o caminho possível para que todas possam escolher caminhar.

Os dados assustam, mas não podem nos desmotivar. Alimentadas por essas histórias, que você pode acompanhar a partir de hoje, escolhemos a análise "otimista mas vigilante", pois entendemos que nem nós, nem mulher alguma pode se dar ao luxo de desanimar.

A visão articulada em Pequim há três décadas ainda não foi plenamente realizada. Contudo, continua sendo um farol de esperança e um chamado urgente à ação. Como observado no documento da ONU: "Podemos ser a primeira geração a viver em um mundo igualitário."

Mas para isso, é necessário um compromisso renovado de responsabilização e investimento urgentes e coordenados em igualdade de gênero. Um compromisso conjunto, que não exclui homens, e que passa por todos os setores. Não por acaso, selecionamos trajetórias na  arte e na cultura, no ambiente corporativo, nos Conselhos de administração e na filantropia.

Dentro deste contexto, como um dos principais veículos de negócios do país, também entendemos que dar visibilidade a estas lideranças femininas não é apenas reconhecer trajetórias individuais, mas documentar transformações coletivas que  podem impactar como um todo e colaborar com a preservação dos avanços conquistados nas últimas décadas.

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