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A Lei Maria da Penha: conquistas e desafios de uma jovem adulta

Neste Agosto Lilás, apesar dos 18 anos do marco, a pergunta que mais ouço é: “por que a violência contra as mulheres só aumenta?”

A LMP é uma das leis mais conhecidas do Brasil, embora apenas superficialmente. A Pesquisa Nacional da Violência de Gênero do Instituto DataSenado de 2023 revela que 75% das brasileiras afirmam conhecer pouco ou nada sobre a legislação (Carol Yepes/Getty Images)

A LMP é uma das leis mais conhecidas do Brasil, embora apenas superficialmente. A Pesquisa Nacional da Violência de Gênero do Instituto DataSenado de 2023 revela que 75% das brasileiras afirmam conhecer pouco ou nada sobre a legislação (Carol Yepes/Getty Images)

Daniela Grelin
Daniela Grelin

Diretora Executiva do Instituto Natura

Publicado em 22 de agosto de 2024 às 14h00.

Neste Agosto Lilás celebramos os 18 anos da Lei Maria da Penha (LMP) compreendida, justamente, como um divisor de águas na proteção integral da vida da mulher, na erradicação da violência doméstica e familiar, na responsabilização e recuperação dos agressores e rompimento dos ciclos de violência. De fato, sua introdução é um marco fundamental, imprescindível para um resgate do lugar concedido à mulher no Direito, mas a despeito de todas as conquistas que ela representa, a pergunta que mais ouço é: “por que a violência contra as mulheres só aumenta?”.

Esta pergunta nos desafia incomodamente e, até por isso, é incontornável. Para abordá-la, é preciso investigar: (i) se, de fato, a violência contra as mulheres tem aumentado com base em dados oficiais, (ii) se é possível estabelecer um nexo causal entre o eventual aumento de casos de violência e a introdução da LMP e (iii) que outros fatores podem ajudar a explicar a convivência no mesmo período histórico, digamos, os últimos 18 anos, entre a LMP e esta tendência de aumento da vitimização da mulher.

Estaríamos diante de uma instância da lei das consequências não intencionais ou mais um exemplo de um mecanismo que ainda que parcialmente implementado teve um efeito protetor, mas que dificilmente será reconhecido pois simplesmente não costumamos atribuir crédito à mitigação de eventos adversos que não chegaram a acontecer.

Vamos à primeira questão: a violência contra mulheres aumentou nos últimos anos ou o que aumentou foi a notificação de casos? Para estabelecermos parâmetros de comparação minimamente compatíveis proponho considerarmos os números dos últimos 10 anos. Afinal, se retornarmos ao longo período da história do Direito brasileiro, os mais de cinco séculos desde as Ordenações Filipinas até o Código Penal de 1940, em que os únicos tipos penais destinados à proteção das vítimas mulheres eram os crimes sexuais, ainda que o foco da proteção não fosse exatamente a mulher, mas a “segurança da honra e a honestidade da família” ou “os costumes”[1], não teríamos dados comparáveis.

O que entendemos como vitimização hoje - a violência sofrida declarada - não se aplica à realidade de então. Pois bem, tomemos a mais longeva e abrangente pesquisa sobre a questão, a Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, realizada pelo Instituto DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência do Senado Federal: a resposta é sim, há um aumento. Em 2013, 14.9M de mulheres declararam já terem sofrido violência doméstica e familiar (19%), comparado a 25.4M em 2023 (30%). Como foi o comportamento do índice de notificação (percentual de mulheres que notificaram a violência sofrida) neste mesmo período? Infelizmente, não temos dados históricos do mesmo período que nos permita responder a esta questão. Os dados de notificação/subnotificação estão disponíveis a partir de 2023 na mesma pesquisa.

Já o 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública indicou o crescimento de casos em todos os tipos de violência contra mulheres no Brasil em 2023. Desde 2011, o início da série histórica do Anuário, os registros de violência sexual, por exemplo, cresceram 91,5%.

A LMP é uma das leis mais conhecidas do Brasil, embora apenas superficialmente. A Pesquisa Nacional da Violência de Gênero do Instituto DataSenado de 2023 revela que 75% das brasileiras afirmam conhecer pouco ou nada sobre a legislação. Seria razoável supor uma correlação entre o desconhecimento dos mecanismos da lei e o índice de subnotificação, já que uma das formas mais comuns de abdicação de um direito se dá pelo desconhecimento de que ele existe. Talvez possamos até considerar que a clara descrição dos tipos de violência doméstica e familiar existentes na Lei possa ter ajudado muitas mulheres a reconhecer, nomear e notificar a violência sofrida embora eu desconheça pesquisa específica sobre este efeito. Mas supor que a existência de uma legislação de proteção integral da vida da mulher tenha algum tipo de nexo causal com o aumento da violência de gênero no período de sua implementação, ainda que incompleta, seria um caso clássico da falácia da correlação coincidente (depois disso, logo, por causa disto).

Que outros fatores podem ter contribuído para o aumento da violência doméstica e familiar, a despeito dos esforços do sistema de justiça, assistência social, forças policiais em eliminá-la? É provável que cada pessoa que se debruce sobre esta questão com tanta constância que o seu próprio olhar sobre o mundo seja impactado por ela tenha sua própria hipótese. Mas penso que qualquer tentativa de compreender esta realidade passa pela constatação de que o aumento da misoginia é um fator crítico.

A misoginia tem se tornado cada vez mais evidente, seja em produções culturais como letras de músicas que desqualificam a mulher, naturalizam e até glamourizam a violência de gênero, seja pelo consumo generalizado e massificado da pornografia que desumaniza seus atores e vicia seus consumidores, seja pela banalização e mercantilização do sexo ou pela atuação de grupos misóginos online.

Enquanto celebramos e discutimos a maioridade da Lei Maria da Penha, precisamos reconhecer que ela é uma conquista fundamental que, como tantas outras conquistas, abre um caminho que depende da sua plena implementação, inclusive na esfera da educação e prevenção, para avançar em sua efetividade. Isso não é possível sem uma transformação da consciência, da cultura e do envolvimento de cada um de nós.

[1] Lei Maria da Penha, O processo no caminho da efetividade. Valéria Diez Scarance Fernandes, Capítulo 1, pg. 11.

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