Projetos como o oleoduto Keystone Xl, nos Estados Unidos, estão sendo cancelados por pressão da sociedade e dos investidores (Hal Bergman/Getty Images)
Rodrigo Caetano
Publicado em 26 de agosto de 2021 às 06h00.
Última atualização em 26 de agosto de 2021 às 10h34.
A Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade de Minas Gerais vive dias atribulados. O estado, governado por Romeu Zema (NOVO), tem 17 bilhões de reais em projetos de infraestrutura aprovados. O maior deles, um rodoanel que vai circundar a capital Belo Horizonte, demandará 5 bilhões de reais. E será a primeira vez que os editais contarão com cláusulas ESG.
Segundo o secretário, Fernando Scharlack Marcato, as regras socioambientais e de governança valerão para todos os contratos – exceto os menorzinhos, como a concessão do Ginásio do Mineirinho. “É claro que vai ter custo, e não é barato”, afirma Marcato. “Mas, politicamente e para as empresas, será bom. O perfil do setor de infraestrutura mudou.”
O secretário tem razão nesse ponto. Há uma transformação em curso no setor de infraestrutura, a nível global, e que com certeza terá ramificações no Brasil. A questão é que o mundo precisa investir em infraestrutura quase 7 trilhões de dólares por ano para dar conta do crescimento econômico nesta década, especialmente nos países asiáticos, segundo cálculos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Ao mesmo tempo, precisa reduzir as emissões de gases de efeito estufa para atingir a meta definida no Acordo de Paris, tratado climático assinado por praticamente todos os países, de manter o aquecimento global em 1,5oC em relação ao período pré-industrial – uma tarefa que já beira o impossível, segundo relatório recente do IPCC, entidade ligada à ONU que reúne todos os estudos sobre o tema publicados nos últimos 6 anos.
O desafio, no entanto, já é abordado por empresas e investidores. Inclusive, foi criada uma nomenclatura para os projetos sensíveis aos dois temas, o econômico e o ambiental: infraestrutura sustentável. “Hoje, se você vai ao Banco Mundial ou BID, só se fala disso. É uma pauta importante para viabilizar os projetos”, diz Marcato. “Apesar do custo ser maior, acredito que ele será diluído ao longo do projeto em função da facilidade de financiamento quando se incluí cláusulas ESG nos contratos.”
As cláusulas incluídas nos editais mineiros abrangem os três pilares do ESG. Na governança, as empresas terão de se enquadrar nos padrões estabelecidos por manuais de entidades como o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Na área ambiental, além de cumprir todas as obrigações legais de licenciamento, as construtoras precisarão obter o certificado ISO 4001, focado em critérios ambientais.
Ainda no aspecto ambiental, as concessionárias terão de fazer o inventário de carbono de toda a obra e compensar essas emissões. Na área social, será preciso fazer uma due dilligence nas comunidades e apresentar um relatório. A empresa terá de cumprir com requisitos da Agenda 2030 e com os Princípios de Direitos Humanos da ONU. Quem não cumprir, poderá sofrer punição, como multa, e até ter o contrato rompido.
Na questão social, Marcato diz que o objetivo das cláusulas é evitar o que aconteceu na Usina de Belo Monte, no Pará. A obra dobrou a população da cidade de Altamira e trouxe uma série de problemas, como violência e prostituição infantil. “Não basta controlar só o seu canteiro, enquanto há exploração sexual infantil do outro lado do muro”, diz o secretário.
Para ter uma ideia da seriedade do movimento ESG na infraestrutura, basta olhar para um setor da economia americana que, antigamente, costumava passar, literalmente, por cima de comunidades, florestas, rios e terras indígenas: o de oleodutos. Em junho, o presidente Joe Biden negou uma licença ambiental a um dos maiores projetos do tipo, o Keystone XL, e ele foi cancelado após 12 anos e 9 bilhões de dólares em investimentos.
O oleoduto ligaria a província de Alberta, no Canadá, ao estado de Nebraska, nos EUA. O projeto foi palco de intensas batalhas judiciais e protestos de povos indígenas e ambientalistas. Afundou pela pressão popular e por falta de investidores interessados em comprar a briga. Mas ele não foi o único.
No ano passado, o oleoduto Atlantic Coast, que ligaria a Virgínia do Oeste ao estado de Dakota do Norte, foi abandonado após uma enxurrada de processos e protestos que tornaram seus custos proibitivos. Até projetos prontos estão ameaçados. O Dakota Access Pipeline, concluído em 2017, está por um fio, dependendo de uma revisão ambiental que, ao que tudo indica, forcará o seu desligamento.
A Europa adotou uma abordagem mais sistemática ao assunto. Do pacote trilionário de recuperação econômica para a pandemia, mais de 60% irá para infraestruturas verdes, em especial energias renováveis. A grande tacada do velho continente, no entanto, está na taxonomia.
A União Europeia lançou dois projetos para conseguir distinguir o que é infraestrutura sustentável e o que não é: a estratégia para finanças sustentáveis e o Green Bond Standard. Ambos trazem para a mesa parâmetros de mensuração dos critérios ESG. Isso será especialmente útil para os investidores.
Os europeus querem criar o primeiro continente carbono neutro do planeta e, para isso, contam com a ajuda dos investidores. Os parâmetros definidos devem se espalhar pelo mercado financeiro. Claro que com a ajuda de mais uma aliança entre grandes bancos, batizada de FASTInfra (Finanças para Acelerar a Transição Sustentável, em tradução livre).
A iniciativa conta até com o apoio do Príncipe de Gales, Charles, herdeiro do trono britânico. Participam da iniciativa os bancos HSBC, Bank of America, Barclays, BNP Paribas, Citi, Coutts, Credit Suisse, JPMorgan Chase, Lloyds, Macquarie, NatWest Group e Standard Chartered. Como o próprio nome diz, o objetivo é acelerar os investimentos em infraestrutura sustentável.
Isso vai afetar o Brasil? “Olha para o nosso estado. Temos aqui dois players importantes, CCR e Ecorodovias. A primeira está na bolsa e a segunda tem capital estrangeiro”, afirma Marcato, de Minas Gerais. “Se não colocamos as cláusulas ESG, ninguém vai olhar para nós”. Fiscalizar o cumprimento das cláusulas, admite o secretário, será um desafio. “Tem muita coisa que nem padrão tem”, afirma. As obras públicas podem ser ESG? “A questão é que elas precisam ser ESG, ou não sairão do papel.”
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