Cabe ao Judiciário brasileiro fincar os alicerces da segurança jurídica para quase 80 milhões de demandas judiciais (Esfera Brasil/Divulgação)
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Publicado em 2 de março de 2023 às 00h02.
A segurança jurídica é tema recorrente dos fóruns que discutem o crescimento do Brasil no campo econômico, seja por integrantes da área do comércio, da indústria ou do mercado financeiro. Ambiente seguro é aquele em que as condições e regras do jogo são claras, transparentes e estáveis.
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), coloca a segurança jurídica como um pilar do Estado de Direito. A integridade das instituições, a previsibilidade na aplicação das leis, a confiança na atuação do poder público e a estabilidade nas relações jurídicas são seus desdobramentos fundamentais.
Princípio inserido no Artigo 5º da Carta Magna, ao proteger o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, a segurança jurídica constitui a própria proteção aos direitos fundamentais do cidadão, bem como ao funcionamento de corporações, sustentáculos para uma nação saudável e promissora.
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Sua avaliação no caso concreto gera discussões acaloradas e até mesmo falsa sensação de violação, como se pode observar no julgamento recente, pelo plenário do STF, de dois recursos extraordinários sobre a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), de relatoria dos ministros Barroso e Edson Fachin. Ao fim e ao cabo, o que se viu foi a vitória de uma tese sobre outra, com a determinação de cobrança retroativa do tributo sem que isso viole a coisa julgada, com enfrentamento explícito da questão da segurança jurídica.
E, em razão dessa decisão, já houve reação do Congresso Nacional, no qual foram apresentados três projetos de lei para alterar os efeitos do julgado. Um deles abre um Refis (Programa de Recuperação Fiscal) para as empresas que nunca pagaram o tributo. Outros projetos permitem que as empresas paguem débitos com créditos tributários a que têm direito.
Independentemente do conformismo ou não com a decisão da Suprema Corte, o atalho político que se pretende gera outros problemas: a insegurança política e a violação ao princípio da independência judicial.
Não por acaso, estamos enfrentando uma espécie de dilúvio nas águas da Justiça no mundo, especialmente em se tratando de supremas cortes.
Nos últimos dias, foi anunciada em Israel uma violenta reforma judicial, capitaneada pela coalizão de direita. No Knesset, parlamento israelense, já teve início a votação de texto que permite ao Legislativo anular decisões da Suprema Corte e controlar as nomeações de juízes.
Não à toa, a ameaça levou ao surgimento de um poderoso movimento de resistência, inclusive do setor de alta tecnologia de Israel, o motor econômico da nação. Os dirigentes declararam estado de emergência, dando aos funcionários folga para participar de protestos nas ruas de Tel Aviv e Jerusalém.
Enquanto os investidores internacionais se retraem e bilhões de dólares já fogem do país, os poderosos da tecnologia sabem que, sem um judiciário independente e uma sociedade democrática, seus negócios correm risco.
Hungria, Polônia e países da África enfrentam a tentativa de enfraquecer o judiciário através do ferimento da independência judicial. Em El Salvador, o Congresso, controlado pelo presidente Nayib Bukele, decidiu destituir dos seus cargos os integrantes da Câmara Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça e o procurador-geral.
Trago esses recortes internacionais a lume apenas para demonstração de como as democracias são afetadas quando a independência judicial é aviltada pela busca da segurança jurídica.
Por certo, estamos distantes da realidade política desses países mencionados, mas buscamos atalhos para o inconformismo de decisões judiciais.
Ao Judiciário brasileiro cabe fincar os alicerces da segurança jurídica no solo gigantesco composto por quase 80 milhões de demandas judiciais de todas as espécies, com a utilização em larga escala dos precedentes judiciais e de recursos tecnológicos que facilitem a identificação de processos iguais.
A sociedade pode e deve cobrar, porque quando falamos de democracia e de Estado de Direito, estamos cuidando de direitos fundamentais, de cidadania, de liberdades, da vida.
*Juíza criminal e primeira mulher eleita presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)