(Cooxupé/Divulgação)
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Publicado em 12 de maio de 2023 às 08h30.
Por Nina Gattis
Para um país que dependia da importação de alimentos até a segunda metade do século passado, o Brasil deu um enorme salto em menos de cinquenta anos: tornou-se provedor para o mundo e passou a exportar — em volumes gigantescos — uma ampla diversidade de commodities alimentícias. Os números crescem a cada ano, e o País já é o campeão global na distribuição de carne bovina, frango, soja e café. Consoante aos dados, em 2022, o agronegócio foi o responsável por US$ 159 bilhões em exportações, sendo o protagonista do superávit recorde atingido pela balança comercial brasileira. Ainda assim, para Roberto Rodrigues, ministro do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) de 2003 a 2006, durante o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é preciso agregar mais valor à produção agropecuária.
Entre os produtos de origem agrícola não categorizados como commodities — ou seja, que já passaram pela agroindústria — mais distribuídos pelo Brasil estão o suco de laranja e o açúcar, cujas exportações lideram seus respectivos rankings globais. Já o café brasileiro que aparece em primeiro lugar entre os mais exportados do mundo é o café em grão, e não o café torrado e moído, o que diminui seu valor. “Os países exportadores protegem suas indústrias com tarifas que impedem nossa concorrência”, diz Rodrigues.
Trata-se da questão dos picos tarifários: quando países aplicam tarifas a determinados produtos em um nível significativamente superior à média aplicada para os demais bens. Esse tipo de medida acaba criando uma barreira comercial, com a justificativa de que são úteis para preservar o nível elevado de renda e emprego do país importador.
Segundo o ex-ministro do Mapa, o Brasil só passaria a ser líder em exportar mais produtos com maior valor agregado por meio de acordos comerciais. Além disso, essa demanda impulsionaria novos desenvolvimentos tecnológicos. “Os picos tarifários inibem a industrialização por aqui”, destaca Rodrigues, autor do lançamento de notáveis tecnologias para o setor agropecuário, como a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e a Lei de Biossegurança.
Também ex-ministro do Mapa, mas no governo de Michel Temer, Blairo Maggi disse, em entrevista ao Brazil Journal, que a força do agronegócio brasileiro está na produção de commodities e que lutar contra isso é inútil. Rodrigues concorda que exportar commodities não é vergonha nem pecado e dá como exemplo os Estados Unidos, maior economia do mundo e, paralelamente, o maior exportador de commodities. Contudo, reafirma a necessidade de que a fatia da agroindústria seja mais trabalhada.
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“O agronegócio, que envolve toda a cadeia de aprimoramento das commodities, corresponde a 27% do PIB [Produto Interno Bruto] brasileiro hoje, enquanto a agricultura e a pecuária representam 6%”, exemplifica Rodrigues. “Entretanto, são esses 6% que geram demanda por fertilizantes e defensivos, máquinas agrícolas, crédito, seguro, rodovias, embalagens e que guarnecem a indústria de alimentos, contribuindo, portanto, para que o agronegócio como um todo exista. No fim das contas, o que importa é o conceito de agribusiness, a cadeia produtiva”, acrescenta.
De acordo com o ex-ministro de Lula, a produção de commodities é, de fato, a vocação natural do Brasil, embora não deixe de ser um talento a ser lapidado. “Dos US$ 159 bilhões exportados pelo setor no ano passado, cerca da metade foi composta de produtos com valor agregado, e não mais apenas matérias-primas. É um sinal claro de que estamos evoluindo, mas precisamos de estratégia. Ser o grande protagonista da segurança alimentar mundial é um trunfo prometido ao Brasil, mas que ainda não está dado”, afirma.
Com estratégia, Rodrigues quer dizer “diálogo” para que sejam feitos acordos importantes e vantajosos com os principais países compradores — uma tarefa de longo prazo para o atual governo. “Nós perdemos um pouco de tempo ultimamente, mas espero que as coisas fluam de novo a partir da nova imagem do País.”
A visão dos investidores
Por mais que Rodrigues não veja a agropecuária como a base da economia brasileira, e sim como a base do sustento do povo brasileiro, a importância das commodities para o mercado financeiro é inegável. Gustavo Bertotti, economista-chefe da assessoria Messem Investimentos, explica que investidores tendem a dar preferência a ativos brasileiros relacionados a commodities, justamente porque elas são o forte do País.
“Nós somos um player em produção e exportação de commodities. É o que o Brasil faz bem e no que nos veem como uma referência global”, diz Bertotti. “Ao mesmo tempo, não é um setor dependente somente do mercado doméstico. Boa parte das nossas empresas ligadas a commodities tem uma receita considerável em dólar. Por isso que, mesmo quando o dólar ganha força, ativos de exportação demonstram um comportamento inverso à aversão ao risco.”
Na mesma direção, Rafael Passos, sócio e analista da gestora de fundos Ajax Asset Management, reconhece a importância do agronegócio para o País. “Mas é preciso ressaltar que o Brasil é emergente. Diferentemente dos países desenvolvidos, que têm a receita mais associada a produtos tecnológicos e de alto valor agregado, o Brasil ainda está uma página atrás e depende principalmente de matérias-primas e exploração de recursos naturais”, frisa Passos.
Vale lembrar que nem só de commodities agropecuárias vive o País: o Brasil também é um grande produtor e exportador de petróleo e de minério de ferro. Inclusive, as duas commodities se destacam entre as mais exportadas por aqui. “Não deixaremos de depender desse setor tão cedo. Para mudarmos a pauta da exportação, é necessário que se invista em educação e em pesquisa e desenvolvimento. Caso contrário, continuaremos vendendo matéria-prima barata e pagando caro por produtos tecnológicos importados produzidos a partir de nossas commodities”, afirma Bertotti.
Ainda assim, é consenso entre ambos os especialistas do mercado que faz sentido investir em ativos de empresas brasileiras que exportam commodities. Bertotti aponta o pagamento de bons dividendos e a resiliência como pontos positivos; Passos, por sua vez, lembra que o setor compõe parte significativa do Ibovespa, principal índice da B3. “A concentração de commodities no Ibovespa é de mais de 30%, então o peso é muito relevante. Não tem como ficar exposto à renda variável, no Brasil, sem estar exposto a esse setor”, aponta o analista, que complementa: “O setor é muito amplo, então é perigoso generalizar. Na hora de investir, o melhor é avaliar e decidir em qual divisão de commodities se posicionar”.