Arcabouço é um conjunto de dispositivos constitucionais e regulamentos que pretende equilibrar despesas e receitas do governo e prever investimentos. (Esfera Brasil/Divulgação)
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Publicado em 8 de dezembro de 2023 às 07h30.
Última atualização em 8 de dezembro de 2023 às 11h15.
O novo arcabouço fiscal, que substituiu o teto de gastos, entrou em vigor neste semestre com o objetivo de ajudar a controlar as contas públicas. Ao longo do ano, a Esfera Brasil trouxe este importante tema em fóruns com a participação de representantes dos setores público e privado.
De acordo com comunicado do Ministério da Fazenda, “há uma banda (piso e teto) para o crescimento real (descontada a inflação) das despesas do governo entre 0,6% e 2,5%. Isso evita gastos excessivos em momentos de maior crescimento econômico, quando as receitas crescem mais aceleradamente, e de paralisação do setor público quando há desaceleração da economia e as receitas caem”.
O arcabouço é um conjunto de dispositivos constitucionais e regulamentos que pretende deixar claro a investidores, sociedade e agentes internacionais como o governo federal vai equilibrar despesas e receitas e realizar investimentos nos próximos anos.
“O principal balizador dessas normas é a fixação de uma trajetória consistente para o resultado primário do governo, que são as receitas menos as despesas, descontadas as despesas financeiras com a dívida pública”, explicou o Ministério.
Para a economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Natalie Victal, um dos méritos do novo arcabouço é estabelecer parâmetros.
“Basicamente, o que ele fez foi diminuir a cauda negativa. Ele deu parâmetros para a gente trabalhar. Antes tinha uma cauda mais negativa, que você poderia ter uma expansão de gasto ainda maior, e o arcabouço limitou nos 2,5% real. Mas ele é carente de indicações mais sólidas da trajetória de endividamento. Porque o arcabouço puro e simples não estabiliza a dívida”, afirma.
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Natalie explica que, para estabilizar a dívida pública, é preciso um superávit na casa de 1,5% ou 2%. “Mesmo supondo que o arcabouço seja respeitado, supondo uma projeção de PIB [Produto Interno Bruto] um pouco mais otimista à frente, a gente não chega nem perto disso. Quem vai fechar esse gap é o aumento de receita”, diz. E acrescenta: “Fica a dúvida quanto à viabilidade de aprovação de aumento de receita no montante necessário para que se chegue no mínimo da trajetória prometida pelo governo”.
A meta do governo é de déficit primário de 0% para 2024, superávit primário de 0,5% do PIB para 2025 e superávit primário de 1% para 2026. A regra fiscal também estabelece uma banda de mais ou menos 0,25% para o resultado primário no período. Considerando o cumprimento das metas, a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) deve se estabilizar em 76,54% do PIB em 2026.
Para que as metas sejam alcançadas, será preciso intensificar a arrecadação, o que significa aumento de alíquota de imposto ou de base de tributação, mas também um Congresso Nacional que aprove medidas econômicas.
“O nosso regimento fiscal diz que, se ao longo do ano os resultados estiverem aquém da meta que o governo se comprometeu, ele precisa fazer um contingenciamento. E, politicamente, isso é complicado. Tem impacto no Legislativo, com contingenciamento de emenda, então gera uma certa turbulência no ambiente político”, ressalta a economista.
O aumento da carga tributária gera resistência por parte do setor produtivo. Na avaliação de Natalie Victal, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, acertou ao manter a meta de déficit zero para 2024.
“Mudar a regra antes de ela começar a vigorar seria um sinal muito ruim. Quando o governo toma uma atitude, tem pleno controle sobre ela, mas não tem como saber qual vai ser a reação dos agentes econômicos. Essa reação pode, por exemplo, comprometer em parte o ciclo de corte de juros por parte do Banco Central”, exemplifica.
A economista lembra que o equilíbrio das contas públicas se dará com o corte de gastos ou aumento da carga tributária. Isto em um cenário em que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário demonstram interesse em expandir os gastos com pessoal ou emendas, por exemplo.
“As três esferas de Poder têm mostrado desejo por uma expansão de gastos acima da inflação. O que equilibraria seria o aumento de receita. No mercado, ninguém projeta superávit primário nos próximos quatro anos, que seria o mínimo necessário para a gente começar a falar de estabilização da dívida. O debate, hoje, é muito mais se está em uma trajetória decadente de déficit”, pontua.
Ela avalia o atual cenário no País: “O diagnóstico é continuidade do panorama fiscal frágil. A gente fica numa posição que, se acontecer alguma coisa lá fora, estamos fragilizados. Temos fundamentos que ajudam a economia brasileira a absorver choques externos, mas, do ponto de vista fiscal, estamos numa posição um pouco mais complicada”.
Segundo o Ministério da Fazenda, não há risco de descontrole dos gastos públicos, uma vez que o novo arcabouço criou uma regra que limita o crescimento das despesas a 70% do crescimento da receita primária dos últimos 12 meses. Se a arrecadação subir 2%, a despesa poderá aumentar até 1,4%, por exemplo.
Uma das formas de cortar despesas é reavaliar os programas de governo para saber se eles são eficientes. O problema é que, para isso, há um custo social. “A gente teria que pensar no benefício e no custo e tentar fazer a análise mais técnica possível. Mas politicamente tem suas complexidades, porque são grupos de interesse. Tem muita gente pagando pelo benefício de poucos”, destaca Natalie.
Outra opção seria fazer a reforma administrativa nos moldes propostos pelo Banco Mundial: para os novos entrantes, com o objetivo de racionalizar o serviço público e melhorar a eficiência do trabalho realizado para a população.
A proposta fiscal cria um piso para investimentos de cerca de R$ 75 bilhões para 2023 que deve ser corrigido pela inflação nos anos seguintes. A medida pretende garantir que os investimentos aconteçam mesmo quando não houver crescimento de receita.
De acordo com a economista-chefe da SulAmérica Investimentos, a manutenção de uma situação fiscal frágil faz com que o investidor pague um prêmio de risco, o que se reflete na taxa de juros elevada cobrada tanto do governo quanto do setor privado.
“Acho que a gente precisa fazer o dever de casa por uma diminuição sustentável da taxa de juros, manter a inflação sob controle, direcionar minimamente a questão fiscal, dando aos agentes econômicos uma mensagem de compromisso com a trajetória controlada da dívida, e ter um ambiente de negócios mais estável”, acredita.
Segundo Natalie, a taxa de juros deve continuar caindo no ano que vem. As projeções são de uma taxa de 9%, que hoje está em 12,25%. O Brasil também vive um processo de desinflação.
“A taxa de juros está ainda acima do que já vigorou, porque estamos falando de um panorama fiscal complexo, no qual o aumento de arrecadação tem bastante oposição setorial e no Congresso, e a redução de despesa enfrenta oposição de tudo quanto é lugar. A manutenção desse risco fiscal elevado faz com que a gente não consiga entregar uma Selic ainda mais baixa, mas já é uma diminuição do custo financeiro para as empresas”, justifica.
Na avaliação da economista, para que o Brasil entre em uma rota de crescimento sustentável, é necessário que todos os setores da sociedade façam a sua parte.
“Às vezes, implica pagar um pouco mais da conta. Tivemos anos seguidos de grande expansão fiscal, praticamente todos os setores se beneficiaram. O cenário internacional não é tão benigno quanto já foi, então é importante que nós, como sociedade, principalmente quem pode pagar mais, esteja disposto a contribuir para o equilíbrio social.”